Presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária recebeu recursos de sojicultores nas duas últimas eleições; em 2014, companhias como Fibria e Braskem estavam na lista de doadores; em abril, Aprosoja homenageou o deputado no ‘Oscar da Soja’
Por Priscilla Arroyo
“A dor ensina a gemer”. Esse foi o comentário que o deputado federal Alceu Moreira (MDB/RS) fez para se referir à adaptação do ministro da Economia, Paulo Guedes, à atividade política. O presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) foi taxativo ao demonstrar com poucas palavras sua insatisfação pelo fim da cobrança tarifária de taxas sobre a importação de leite da União Europeia e Nova Zelândia, anunciada pela equipe econômica.
O episódio foi uma pequena demonstração da maneira como o deputado atua na casa legislativa, avaliada pelos colegas como uma postura “combativa”.
No terceiro mandato como deputado federal, Moreira assumiu em fevereiro a presidência da FPA como sucessor da ministra da Agricultura, Tereza Cristina. Sua forma peculiar de agir agrada aos empresários do setor, especialmente aqueles que se dedicam ao cultivo de soja.
O deputado foi homenageado pela Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja) em abril, durante um evento em Brasília promovido pelo Canal Rural e definido como o “Oscar da soja”. Moreira recebeu a comenda [na foto principal] dos fazendeiros “pelo trabalho em defesa do setor”.
Na campanha de 2018, a primeira na qual os políticos não puderam angariar doações diretamente de empresas, ele recebeu R$ 50 mil de José Fava Neto, sócio da Agrofava Sementes, que é uma das mantenedoras da Associação Brasileira dos Produtores de Sementes de Soja (Abrass). Fava Neto é também vice-presidente da Aprosoja de Goiás.
Abrass e Aprosoja estão entre as mais influentes financiadoras do Instituto Pensar Agro (IPA), uma espécie de alma gêmea da FPA. De Olho nos Ruralistas identificou as empresas que bancam 12 das 38 associações mantenedoras do IPA: “Multinacionais são financiadoras ocultas da Frente Parlamentar da Agropecuária“.
A doação de Fava não foi um fato isolado. Em 2014, durante a campanha, Moreira recebeu R$ 250 mil – a maior doação individual – da Agropecuária Araguari, hoje em recuperação judicial, cuja principal atividade é o cultivo de soja no Mato Grosso.
Ele também foi apoiado pelo diretor do grupo Nativa, Romeu Froelich, que doou R$ 115 mil. A empresa cultiva 75 mil hectares de plantações de algodão em Primavera do Leste e em outros três municípios vizinhos, todos no Mato Grosso. Entre as grandes companhias, Moreira recebeu R$ 30 mil da produtora de químicos Braskem e R$ 40 mil da fabricante de papel e celulose Fibria.
DEPUTADO INCITOU PROPRIETÁRIOS A CONFLITO COM INDÍGENAS
Com histórico de alinhamento ao Executivo, o deputado foi um dos mais expressivos porta-vozes de Michel Temer na Câmara. Homem de confiança do ex-presidente, foi escolhido como relator da reforma da Previdência na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), em meados de 2017.
À época, recebeu críticas por divulgar um parecer favorável à matéria em apenas dois dias. Como resposta, disparou mais uma das suas frases pitorescas: comparou-se ao “The Flash”, super-herói que tem capacidade de correr em supervelocidade. Moreira continua defendendo a aprovação da nova Previdência Social proposta pelo governo Bolsonaro. Ele declarou no início do mês que 80% dos parlamentares ligados à FPA são favoráveis à reforma, com pequenas modificações.
Em relação às minorias, o deputado não faz questão de esconder o repúdio por indígenas e quilombolas. Em 2014, endossou a declaração polêmica do deputado Luis Carlos Heinze (PP-RS), então presidente da FPA, que equiparou índios, quilombolas, gays e lésbicas a “tudo o que não presta” durante um evento no Rio Grande do Sul.
Moreira estava presente e apoiou a fala do colega:
– Nós, os parlamentares, não vamos incitar a guerra, mas vos digo: se fardem de guerreiros e não deixe um vigarista desses dar um passo em sua propriedade.
O deputado foi um dos entrevistados pela equipe do De Olho nos Ruralistas, em novembro de 2016, durante um dos almoços realizados pela FPA em Brasília, em uma mansão no Lago Sul. Isto minutos antes de a equipe ser expulsa pelo principal executivo da FPA, João Henrique Hummel. Perguntado sobre mudanças climáticas, Moreira foi categórico ao dizer que não acredita em aquecimento global:
É de autoria de Moreira o Projeto de Lei (PL) 2479/2011 que propõe transferir do poder Executivo para o Legislativo a competência de demarcar terras indígenas. As mudanças no Código Florestal, que passaram a vigorar em 2012, também tiveram o apoio do deputado.
O conjunto de leis, aprovado na Câmara, no Senado e sancionado pela então presidente Dilma Rousseff, contém benefícios à atividade dos ruralistas, como a flexibilização das normas de proteção florestal e anistia de multas a desmatadores, entre outros.
AGROTÓXICOS CONTAM COM A SIMPATIA DO DEPUTADO
A defesa pelo perdão de dívidas de ruralistas é recorrente na sua atuação. Um dos primeiros projetos que apresentou na Câmara, o PL 820/2011, dispensa pescadores de pagar compromissos de até R$ 10 mil. Ele defende também a diminuição dos encargos que incidem na conta dos grandes produtores. Moreira é autor do PL 96/2015, cujo objetivo é isentar de impostos federais a gasolina de aviação. Hoje, 2,1 mil aviões compõem a frota do setor agropecuário e 464 operam somente no Mato Grosso.
As máquinas são usadas especialmente para aplicar produtos químicos nas plantações – desde maturadores que controlam o processo de amadurecimento da planta até venenos para controlar pragas. De acordo com a ONG Human Rights Watch, cerca de 80% desses produtos são usados em culturas de soja, milho, algodão e cana-de-açúcar, segmentos de atuação de alguns dos financiadores de suas campanhas.
Moreira tem simpatia pelos pesticidas. Por isso se colocou contra o PL 7490/2010, que determina o cancelamento do registro de agrotóxicos nos casos relacionados à proteção da saúde humana e do ambiente. Como relator da proposta na Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural, o presidente da FPA fez um parecer contrário à matéria, que acabou arquivada. Ele se posicionou de maneira contrária também ao PL 1811/2011, que propunha classificar como crime hediondo o ato de produzir e comercializar esses venenos.
Um dos principais patrocinadores do evento que brindou Moreira com a Comenda da Soja, em abril, foi a empresa Ihara Brasil, produtora brasileira de agrotóxicos. A empresa é uma das mantenedoras da Associação Nacional de Defesa Vegetal (Andef), por sua vez engajada em uma campanha de marketing a favor dos pesticidas: “Financiadores da bancada ruralista pilotam também campanha pró-agrotóxicos“.