Parceiros no projeto Baunilha do Cerrado refutam argumentos apresentados pelo chef após revelação, pelo De Olho nos Ruralistas, de pedidos de registro de marca realizados sem consentimento dos quilombolas; jornal goiano repercute caso
Na última quarta-feira (17), o De Olho nos Ruralistas publicou reportagem mostrando que o Instituto Atá, do chef Alex Atala, realizou, sem consentimento ou aviso prévio, o registro da marca “Baunilha do Cerrado” junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). O ingrediente, valorizado na alta gastronomia, é cultivado tradicionalmente pelos quilombolas do Território do Sítio Histórico e Patrimônio Cultural Kalunga e, desde 2016, tornou-se peça central de um convênio firmado entre o instituto de Atala e a Fundação Banco do Brasil (FBB) para a formação de uma cadeia produtiva da baunilha.
Depois da publicação, o chef manifestou-se, reafirmando que os registros visavam “exclusivamente à proteção do projeto contra terceiros de má-fé e para o cumprimento pelo Atá nas ações, previstas no convênio com a Fundação Banco do Brasil, e sem qualquer finalidade comercial”. A Fundação Banco do Brasil, no entanto, afirma que “não houve previsão para registro da marca” na documentação do convênio. A fundação também aponta que o documento não traz sequer uma “indicação de propriedade de eventuais marcas desenvolvidas pelo projeto”.
A medida foi tomada sem comunicação a outros parceiros na iniciativa, como a Central do Cerrado, organização que reúne cooperativas de agricultores familiares e comunidades tradicionais de nove estados brasileiros. Em nota publicada no sábado, a Central explica a relevância das duas marcas registradas pelo Atá junto ao Inpi: “Acreditamos que o registro de marca seja importante salvaguarda, porém, para marcas genéricas que possam ter interesse de uso difuso por diversas comunidades/localidades, defendemos que o uso seja aberto para que todos possam utilizar”. Como mostrado na reportagem, todos os pedidos protocolados pela equipe de Alex Atala são exclusivos pelos próximos dez anos.
A Associação Quilombo Kalunga (AQK), parceira local de Atala na execução das atividades em Goiás, também se posicionou por meio de nota, assinada junto à Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq). Os kalungas reforçam que “os registros que foram requeridos junto ao Inpi não eram um dos objetivos constantes na minuta do projeto. Isto foi feito à revelia da Fundação Banco do Brasil e também da Associação Quilombo Kalunga”. O documento recorda o pedido que foi indeferido pelo Inpi, omitido por Atala em seu posicionamento:
– Tal movimento não deveria ter ocorrido à revelia da AQK, notadamente a tentativa de pedido de marca para comercializar produtos produzidos em comunidades tradicionais, os quais obviamente guardavam pertinência com o território Kalunga, já que dentre as comunidades tradicionais com as quais o Instituto Atá tem parceria, apenas a Kalunga produz baunilha.
QUILOMBOLAS QUESTIONAM LEGADO DO PROJETO
Na nota, o Instituto Atá destaca que o projeto deixou um relevante legado para os quilombolas por meio da realização de oficinas, construção de um viveiro para cultivo de baunilhas e diversas outras ações. A associação dos quilombolas contesta, ao dizer que “a execução do projeto não ocorreu de forma satisfatória para a comunidade Kalunga e não cumpriu com os reais objetivos previstos”. A AQK complementa:
– Não aconteceram os prometidos cursos de capacitação para que os quilombolas pudessem aprender a levar as mudas extraídas da natureza para estes viveiros, para se desenvolverem e serem distribuídas para todas as mulheres que desejassem cultivá-las em seus quintais, onde poderiam utilizar-se das técnicas aprendidas para que a baunilha cultivada fosse potencialmente frutífera não apenas uma vez no ano, mas várias vezes ao ano, conforme possibilidade apontada em estudos realizados pelo próprio instituto.
O lançamento dos produtos kalungas no box do Instituto Atá, no Mercado de Pinheiros, em São Paulo, sob a marca Ecossocial Kalunga, também foi contestado pela associação, que afirma não ter sido convidada ao evento, nem tampouco consultada sobre a identidade visual dos produtos.
– A verdade é que o Instituto Atá tratou a comunidade apenas como uma fornecedora de produto como matéria-prima, beneficiou, estilizou e colocou no mercado com preços consideravelmente elevados, se comparados aos valores atribuídos aos mesmos produtos adquiridos na comunidade, sem que isto revertesse qualquer benefício/lucro para eles.
Parceiro do Instituto Atá no desenvolvimento da cadeia produtiva de ingredientes indígenas, como os cogumelos Yanomami e a pimenta Baniwa, o Instituto Socioambiental (ISA) afirmou pelo Twitter que, embora não tenha informações sobre a situação específica da iniciativa em Goiás, considera imprescindível que ações como essa assegurarem às comunidades locais os direitos sobre os seus produtos. O ISA ressaltou que todas as marcas promovidas por seus projetos “são registradas em nome das próprias comunidades, por meio de suas associações”.
Veja abaixo, na íntegra, notas do Instituto Atá, Associação Quilombo Kalunga, Fundação Banco do Brasil e Central do Cerrado:
NOTA DO INSTITUTO ATÁ
Esclarecimentos por conta da reportagem publicada pelo site De Olho nos Ruralistas:
O Convênio 15387, assinado com a Fundação Banco do Brasil-FBB em 2016, tem como objetivo geral contribuir para a melhoria da qualidade de vida e geração de renda na comunidade Kalunga de Vão de Almas, por meio da produção de baunilha do Cerrado.
No Convênio, o Instituto ATÁ se comprometeu a participar com 9,8575% dos custos totais do Projeto Baunilha do Cerrado, como contrapartida, por meio de aquisição de produtos e/ou serviços, devidamente aprovado e comprovado pela Fundação Banco do Brasil. (Isso esclarece a informação errada no subtítulo da matéria publicada pelo site de que a comunidade recebe menos de 10% do valor. A comunidade se beneficia da produção da baunilha e os quase 10% fazem parte da contrapartida do projeto). As contrapartidas apresentadas foram: cursos de capacitação, desenvolvimento de plano de comunicação e desenvolvimento de portal de conteúdo. Vale destacar que o projeto não executou 100% do recurso aportado pelo financiador, motivo pelo qual o valor restante (R$ 20.228,43) foi devolvido (não creditado) ao financiador.
Em relação aos pedidos pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), reiteramos que os pedidos de registro de marca Baunilha do Cerrado visaram exclusivamente à proteção do projeto contra terceiros de má-fé e para o cumprimento pelo ATÁ nas ações, previstas no convênio com a Fundação Banco do Brasil, e sem qualquer finalidade comercial. Diferentemente das informações da reportagem, esclarecemos que os registros são apenas na classe de serviços, o que não nos permite exclusividade na comercialização da baunilha, juridicamente impossível, afinal somos uma OSCIP (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público), sem fins lucrativos.
Em momento algum, o seu registro teve ou tem como objetivo de impedir ou proibir a utilização por qualquer pessoa, incluindo a Associação Quilombo Kalunga, de poder livremente identificar, distribuir ou comercializar o produto com o nome “Baunilha do Cerrado” no mercado, comercialização essa que já acontece.
Como contrapartida prevista no convênio com a FBB, por meio da Central do Cerrado, adquirimos produtos da comunidade e promovemos a revenda em alguns locais nas grandes cidades. Esses produtos não usam marca e/o nome “Baunilha do Cerrado”, apenas o nome do produto (arroz, farinha, pimenta, gergelim e outros), Kalunga (referência) e um logo “Projeto Baunilha do Cerrado”, como indicação da contrapartida do projeto, não com o objetivo de comercialização do produto baunilha-do-cerrado). Todas as ações são compartilhadas com as famílias Kalunga de Vão de Almas que participam do projeto, os convites foram enviados formalmente, sendo que tínhamos presentes dois representantes da comunidade.
É importante frisar que em projetos com comunidades tradicionais algumas famílias se envolvem mais que as outras, o que também aconteceu neste projeto, mas isso não significa que o Instituto ATÁ excluiu qualquer membro quilombola, principalmente, a Associação e sempre teve o cuidado em mantê-los informados das ações. Toda a interlocução desde o início do Projeto se deu foi por meio da Associação da comunidade, desde o começo de 2015. Foram realizadas várias reuniões, encontros participativos e ações coletivas, alguns destes eventos, envolvendo também os financiadores do projeto. Foram enviados e-mails com os passos finais e a sua conclusão prevista para o encerramento do projeto.
Todos os objetivos do convênio assinado com a Fundação Banco do Brasil foram cumpridos pelo Instituto ATÁ. Embora o convênio esteja encerrado, o projeto não se encerrou e continuamos trabalhando com nossos próprios recursos e buscando novos parceiros para dar seguimento ao projeto, se isso for de interesse da comunidade.
Algumas das ações realizadas na comunidade Kalunga não foram citadas na reportagem, tais como:
- construção de um viveiro para o cultivo e pesquisa de baunilha do cerrado, com tecnologia para garantir o máximo de qualidade produtiva e ainda possibilitar à comunidade utilizar o espaço para a produção de mudas do cerrado, horta e outros;
- aplicação de oficinas de capacitação e manejo da baunilha;
- desenvolvimento e aprimoramento técnico, comercial e sócio-produtivo de produtos da comunidade, como arroz, gergelim, pimenta macaco e farinha, sendo que hoje, esses produtos são revendidos em grandes centros comerciais, tais como, Mercado Municipal de Pinheiros em São Paulo, nos pontos de vendas do Instituto ATÁ e de seus parceiros, gerando renda direta aos produtores da comunidade;
- realização de oficinas de cozinha infantil com as escolas da comunidade;
- horta comunitária na escola;
- realização de duas oficinas para a criação de uma agrofloresta com frutíferas, hortaliças e leguminosas.
O Instituto ATÁ não se dedica à realização de atividades de pesquisa científica envolvendo substâncias, elementos, organismos ou produtos da fauna ou flora brasileiras. Tampouco possui recursos ou infraestrutura para o efeito. Por isso, são infundadas e incorretas quaisquer alegações sobre a eventual apropriação de patrimônio genético ou conhecimento tradicional associado pelo Instituto ATÁ e seus colaboradores, ou até mesmo a existência de eventuais pedidos de patente ou patentes concedidas em seu nome no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI).
É importante lembrar que o projeto deve ficar pronto em até cinco anos, pois as mudas precisam crescer. Hoje os mudários estão ativos e, com o cultivo bem-sucedido dessa espécie nesses locais, o próximo passo é a distribuição das mudas para as mulheres Kalunga para que elas possam ser criadas dentro do sistema social Kalunga. O projeto é feito para que todas as mulheres Kalunga possam ter essas mudas em suas casas – a baunilha é uma orquídea, fácil de se cultivar em casa, principalmente em regiões endêmicas como é Vão de Almas. Sendo assim, faz parte dos nossos objetivos também passar a essas mulheres as técnicas de cultivo caseiro para que elas possam fazê-lo e usar as baunilhas como quiserem.
O Instituto ATÁ atua nessa comunidade como estruturador de cadeia produtiva, com o propósito de fortalecer o território a partir da sua biodiversidade, agrobiodiversidade e sociobiodiversidade. Trabalhamos em parceria com a comunidade para que ela desenvolva e fortaleça o sistema de produção de baunilha, se torne independente, se empodere financeiramente e fortaleça o orgulho dos ingredientes daquele local.
Em todos os projetos do Instituto ATÁ os saberes e as técnicas de produção da comunidade, seja indígena, quilombola e até mesmo o pequeno produtor, são primordialmente preservadas. Em relação ao projeto Baunilha do Cerrado na comunidade Kalunga, atuamos fornecendo aos Kalunga os recursos para que eles possam domesticar de forma sustentável exemplares de um ingrediente que se encontra de forma selvagem em todo o bioma do Cerrado, para que a produção da baunilha complemente financeiramente as produções já dominadas por eles, tais como, arroz, gergelim, pimenta macaco, farinha e demais. Não retemos em nenhum momento do projeto informações georrefrenciadas e as técnicas quilombolas de seu cultivo.
O ATÁ não possui e não fez coleta ou nenhum tipo de doação de mudas do território, assim como as pessoas que participaram do projeto ou os profissionais de campo. Todas as mudas plantadas foram doadas pelos envolvidos no projeto e estão plantadas no viveiro. Este assunto foi discutido e validado em reunião com toda a gestão da Associação Quilombola, com a presença da diretoria do Instituto ATÁ, em junho de 2018, durante visita ao território.
Somos uma organização sem fins lucrativos e atuamos neste projeto como estruturador de cadeia produtiva. Reiterando, trabalhamos em parceria com a comunidade Kalunga para que ela fortaleça seus sistemas de produção, se torne independente e possa se empoderar financeiramente e fortalecer o orgulho dos ingredientes nativos daquele local.
NOTA DA ASSOCIAÇÃO QUILOMBO KALUNGA
A ASSOCIAÇÃO QUILOMBO KALUNGA (AQK), em conjunto com a COORDENAÇÃO NACIONAL DE ARTICULAÇÃO DAS COMUNIDADES NEGRAS RURAIS QUILOMBOLAS (CONAQ), movimento social de representação nacional das comunidades quilombolas, vêm a público manifestarem-se acerca da matéria veiculada recentemente por este site, e republicada por outros sites, que trata sobre o projeto denominado “Baunilha do Cerrado” desenvolvido pelo Instituto Atá na comunidade do Vão de Almas localizada no Sítio Histórico e Patrimônio Cultural Kalunga (SHPCK).
No ano de 2016 a AQK, enquanto representante da comunidade quilombola Kalunga, consentiu com a sua participação no projeto acima referido, desenvolvido pelo Instituto Atá e financiado pela Fundação Banco do Brasil, o qual vigorou até Dezembro de 2018. Tal consentimento foi dado sob a perspectiva de uma exponencial parceria para o desenvolvimento do potencial de produção de espécies de baunilhas especialíssimas encontradas no cerrado goiano, sendo que, duas espécies de maior qualidade estão presentes naquele território sagrado.
O projeto inicialmente despertou grande interesse da comunidade, pois além da oportunização de uma parceria que proporcionaria aos Kalungas uma nova forma de uso do seu potencial de biodiversidade, também se apresentava como uma proposta de projeto com enfoque socioeconômico para o desenvolvimento da comunidade, através da visibilidade e abertura de mercado para um produto tão valioso como a baunilha e também para os outros produtos que compõe a base produtiva Kalunga.
Tal projeto previa o incentivo à comunidade Kalunga para a geração de renda através da produção das baunilhas do cerrado para a própria comunidade, que teria oportunidade de, através de cursos de capacitação aprenderem as técnicas de plantio e cultivo das mudas em estufa para que fossem distribuídas para as famílias plantarem-nas em seus quintais, já que são orquídeas que não exigem tanta complexidade para o cultivo e manuseio.
Também era previsão do referido projeto o apoio às comunidades nas atividades produtivas e introdução e distribuição não só da baunilha mas também de outros produtos que fazem parte da sua base produtiva, como o arroz de pilão, farinha de mandioca, gergelim, pimenta-de-macaco e outros, nos mercados de consumo nacional e até internacional. E que este incentivo se daria através da melhoria da qualidade destes produtos a serem comercializados após beneficiamento e rotulagem feitos em parceria com a Central do Cerrado.
Embora a Comunidade Kalunga possua conhecimentos tradicionais associados aos produtos encontrados em sua rica região cerratense, e até a chegada do instituto na região, outros métodos eram e são adotados para o cultivo, produção e comercialização destes produtos, ao depararem-se com possibilidades de ampliação, especialização e potencialização para que novos horizontes se abram e consigam expandir e compartilhar seus produtos, sempre estará aberta a dialogar com aqueles que se dispõe a contribuir para seu desenvolvimento, desde que, respeitados os seus costumes locais e seu indiscutível consentimento a respeito de qualquer decisão alheia que afetem seu modo de vida.
Assim, além de todos os fatores até aqui apresentados, a AQK, que sempre fundamenta suas ações nos princípios da ética, da cooperação solidária e da autogestão das organizações Kalungas, e tem como um de seus objetivos, incentivar projetos e ações que visem o interesse social e econômico de todas as comunidades pertencentes ao Quilombo Kalunga, contudo com efetiva participação no desenvolvimento de qualquer atividade realizada por terceiros, aprovou a participação do projeto por observância ao fato de que, em todo bojo da proposta apresentada, constava que tudo seria feito ATRAVÉS da Associação Quilombo Kalunga, com a organização, articulação, aproximação e acompanhamento da comunidade durante o desenvolvimento de todas as etapas e tarefas do projeto, sob a supervisão e orientações do Instituto Atá, houve a confiabilidade de que assim seria desenvolvido o projeto.
No entanto, no decorrer da execução do projeto várias insatisfações foram surgindo, quais sejam:
- A veiculação de reportagens televisivas feitas na região e tratando sobre o objeto do projeto, e que foram veiculadas sem o conhecimento e consentimento da comunidade, motivo de grande crítica por parte dos Kalungas, inclusive assunto de pauta em reunião presencial com a equipe do Instituto Atá ocorrida em Junho de 2018;
- Após a construção da estufa no local escolhido, embora tenha acontecido o plantio das mudas, não aconteceram os prometidos cursos de capacitação para que os quilombolas pudessem aprender a levar as mudas extraídas da natureza para estes viveiros, para se desenvolverem e serem distribuídas para todas as mulheres que desejassem cultiva-las em seus quintais, onde poderiam utilizar-se das técnicas aprendidas para que a baunilha cultivada fosse potencialmente frutífera não apenas uma vez no ano, mas várias vezes ao ano, conforme possibilidade apontada em estudos realizados pelo próprio instituto;
- Após reunião na comunidade do Vão de Almas em Junho de 2018 já quase findando o projeto, que se daria em dezembro de 2018 não houve mais nenhum tipo de manifestação do Instituto Atá ao destino que se daria Às mudas já plantadas no viveiro. Assim, terminado o projeto, a comunidade tem ali na região uma estufa com mudas plantadas, mas não tem a menor capacitação para dar continuidade ao projeto pois não receberam os treinamentos prometidos para a disseminação das orquídeas e a forma de secagem para a correta comercialização.
- Os registros que foram requeridos juntos ao INPI não eram um dos objetivos constantes na minuta do projeto. Isto foi feito à revelia da Fundação Banco do Brasil e também da Associação Quilombo Kalunga.
- O ápice do descontentamento do modo de envolvimento efetivo da AQK nas ações desenvolvidas pelo projeto foi o lançamento da linha de produtos que denominaram “ECOSSOCIAL KALUNGA”, que, embora constasse do projeto que tais produtos seriam adquiridos, beneficiados e embalados pela Central do Cerrado para serem comercializados externamente, levando um selo Kalunga, tais atividades tinham como escopo principal a introdução desses produtos no mercado, mas não para benefício alheio, e sim para geração de renda para os agricultores quilombolas, bem como não era para acontecer sem o consentimento da comunidade de onde, como, porque e com qual identidade visual se apresentariam tais produtos.
Fato é que, à AQK sequer foi oportunizado opinar sobre a rotulagem que os produtos do seu território receberiam para serem apresentados ao Brasil em uma feira de expressão na cidade de São Paulo. A verdade é que o Instituto Atá tratou a comunidade apenas como uma fornecedora de produto como matéria-prima, beneficiou, estilizou e colocou no mercado com preços consideravelmente elevados, se comparados aos valores atribuídos aos mesmos produtos adquiridos na comunidade, sem que isto revertesse qualquer benefício/lucro para eles.
Aliás, tal evento também aconteceu à revelida da AQK, que não foi, sequer, convidada oficialmente a participar do mesmo. O que aconteceu foi o envio de convites isolados para duas pessoas da comunidade, as quais escolhidas por liberalidade do Instituto para representarem a coletividade no evento, que ali compareceram de boa fé. Contudo, é importante trazer que a AQK em decisão conjunta com a coletividade tem métodos próprios de decidir quem os representará em quaisquer lugares que necessitem de representatividade. - E por fim, sem, contudo, esgotar o rol de insatisfações da comunidade quanto à execução do projeto, não foi apresentado qualquer relatório de finalização do projeto e possíveis andamentos ou novas propostas para dar continuidade ao que está lá iniciado e à deriva. Pairam interrogações: como dar continuidade ao plantio e cultivo das mudas já existentes nos viveiros? Como reproduzi-las? Como secá-las, e beneficiá-las para comercialização de modo mais mercadológico?
Considerando que, a AQK sempre teve abertura a diálogos, assim como continua tendo, foi motivo de grande estranhamento as atitudes tomadas pelo Instituto Atá, que finalizou o projeto em dezembro de 2018 e com exceção de alguns e-mails enviados, deixou de ter contato com a comunidade na reunião realizada em junho de 2018 e tempos depois tomamos conhecimento de modo informal acerca da realização do evento de lançamento de nossos produtos em São Paulo.
No tocante aos registros concedidos pelo INPI ao Instituto Atá, que foi o fato mais evidenciado pela mídia, inicialmente é importante salientar que os registros da marca “Baunilha do Cerrado” são apenas para beneficiamento de alimentos, e assessoria, consultoria e informação em nutrição; orientação nutricional; assessoria, consultoria e informação sobre pesquisas no campo de agricultura. Portanto, são classificações genéricas e que não guardam relação com qualquer autorização a beneficiar especificamente produtos da base produtiva Kalunga.
Portanto, não há qualquer registro em vigor relacionado à produção das espécies de baunilha encontradas no território Kalunga, as quais não podem ser registradas ou patenteadas, por se tratarem de produtos in natura, podendo no entanto ser requerido pela comunidade junto ao INPI um ativo da propriedade industrial específico, denominado Indicação Geográfica, utilizado para identificar a origem de um determinado produto ou serviço, quando o local tenha se tornado conhecido, ou quando certa característica ou qualidade desse produto ou serviço se deva à sua origem geográfica. Tal proteção já está sob estudos e análises tanto da AQK quanto de órgãos governamentais.
Contudo, como os registros foram requeridos dentro do contexto de execução do projeto e como o próprio Instituto Ata afirma, adotaram tal procedimento visando “exclusivamente preservar o projeto, proteger a baunilha de uma possível super exploração em estado selvagem e cumprir com o convênio com a Fundação Banco do Brasil”, tal movimento não deveria ter ocorrido à revelia da AQK, notadamente a tentativa de pedido de marca para comercializar produtos produzidos em comunidades tradicionais, os quais obviamente guardavam pertinência com o território Kalunga, já que dentre as comunidades tradicionais com as quais o Instituto Ata tem parceria, apenas a Kalunga produz baunilha. Tal fato foi motivo de estranhamento à comunidade, já que a AQK sempre esteve, e ainda está aberta para diálogos com qualquer pessoa ou entidade que manifeste o desejo de cooperar com o desenvolvimento da comunidade.
Ora, por mais que o instituto afirme que os registros das marcas foram feitos para proteção da baunilha e em benefício da própria comunidade envolvida no projeto, isto jamais poderia ter ocorrido sem o conhecimento e consentimento da AQK, que entende que, já que o Instituto Atá informa que não visou nenhum interesse comercial, deveria ter efetuado o registro em nome da AQK (com sua permissão), e não em nome próprio.
Evidenciamos no entanto, que, apesar de todas as circunstâncias aqui esboçadas sinteticamente, não há qualquer disputa entre o instituto ATÁ e a AQK, e até o presente momento também não há litígio judicial tendo como objeto tal celeuma, isto porque vislumbramos possibilidades de diálogos e acordos, desde que, os apontamentos/falhas feitos pela AQK sejam considerados, respeitados e principalmente, sanados. O que há é um descontentamento da comunidade Kalunga com a execução do projeto, pois este previa que todas as ações seriam feitas através da associação, no entanto não houve a sua participação em muitas tomadas de decisões, as quais entendemos que seriam cruciais para o cumprimento das finalidades do projeto, que dentre outras era garantir os interesses do povo Kalunga.
Face a todos os elementos apontados, A AQK entende que, a execução do projeto não ocorreu de forma satisfatória para a comunidade Kalunga, e não cumpriu com os reais objetivos previstos. Ora, é lastimável que hoje os produtos da comunidade estejam sendo comercializados de forma estilizada e elitizada, sem que esta, através dos seus representantes, pudessem sequer manifestar-se quanto à sua aprovação para a identidade visual que os produtos receberam carregando em si o nome “Kalunga”.
É fato histórico que, os territórios quilombolas vêm sendo saqueados há séculos, inclusive por atitudes revestidas das melhores intenções. E frente à este lamentável cenário, os Kalungas têm se posicionado firmemente contra qualquer tentativa de oportunismo e desmandos dentro do seu território.
Trabalhar com comunidades tradicionais, exige um extremo enfoque no diálogo, participação ativa e coletiva de todas as tomadas de decisões com consentimento prévio, livre e informado de qualquer atividade que se pretenda realizar dentro de seus territórios, respeitando-se as características sociais, culturais, éticas, hierárquicas e organizacionais que adotam nos seus modos de vida que foram tradicionalmente perpetuados no tempo. Isto porque, o conceito de territorialidade para estes povos que se diferenciam dos demais grupos sociais, e aqui especificamente para os Kalungas, ultrapassa o sentido de espacialidade, trata-se de um território sagrado umbilicalmente ligado a uma forma de vida, e que é a expressão da sua ancestralidade e a perpetuação da sua história, tradição e cultura. Por fim, informamos que até o presente momento a AQK não foi contatada pelo Instituto Atá e está aberta para tratativas acerca do assunto divulgado pela mídia, cujo enfoque foi o de mostrar a insatisfação da comunidade com a realização do projeto, fato que já era de conhecimento, e que agora apenas ganhou publicidade.
Assinam esta nota,
Associação Quilombo Kalunga (AQK)
Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ)
NOTA DA FUNDAÇÃO BANCO DO BRASIL
Em atenção ao registro da marca do projeto “Baunilha do Cerrado”, esclarecemos que:
Conforme já declarado na matéria pela FBB e documentação do convênio, não houve previsão para registro da marca. Também no convênio, não houve previsão de proteção de registro contra terceiros, nem sequer indicação de propriedade de eventuais marcas desenvolvidas pelo projeto.
NOTA DA CENTRAL DO CERRADO
Em relação a matéria, “Alex Atala registra marcas da baunilha do Cerrado, alimento tradicional dos quilombolas”, publicada pelo site De Olho nos Ruralista, no dia 17 de julho de 2019, na qual a Cooperativa Central do Cerrado é citada, vimos a público esclarecer:
1. A Cooperativa Central do Cerrado, é uma organização de base comunitária, sediada em Brasília/DF, constituída e gerida por associações e cooperativas de agricultores familiares e comunidades tradicionais agroextrativistas de nove estados brasileiros dos biomas Cerrado e Caatinga;
2. Temos como missão promover e fortalecer os Modos de Vida Sustentáveis desenvolvidos pelo Povos e Comunidades Tradicionais e para tal, atuamos na estruturação de cadeias de valor, promoção e comercialização de produtos da sociobiodiversidade;
3. Somos parceiros do Instituto ATA desde 2015 por meio do Projeto Biomas do Brasil que colaborou com a revitalização do Mercado Municipal de Pinheiros em São Paulo e promove e comercializa os produtos dos biomas brasileiros. A Central do Cerrado faz a gestão do boxe de produtos do Cerrado e da Caatinga. Temos orgulho dessa parceria na qual sempre formos tratados com muito respeito pelo Instituto ATA;
4. Nossa relação com o Povo Kalunga é anterior ao Projeto Baunilha do Cerrado implementado pelo Instituto ATA. Sempre tivemos interesse de agregar os produtos Kalunga em nossa rede e identificamos neste projeto uma oportunidade para que isso se viabilizasse;
5. Nossa atuação no projeto aconteceu por meio de um contrato de prestação de serviços no valor de R$ 35 mil. Os valores foram destinados ao custeio de visitas de nossa equipe técnica dentro do Território Kalunga e honorários, que resultaram na realização de um diagnóstico sobre a situação da organização produtiva e comercial da comunidade do Vão de Almas e no desenvolvimento da estratégia de qualificação dos produtos gergelim, pimenta de macaco, mesocarpo de coco indaiá, farinha de mandioca e arroz de pilão, escolhidos por eles, para inserção nos mercados pela Central do Cerrado. O valor de R$ 8.700,00 reais, destinados a primeira compra de produtos vieram da Central do Cerrado, beneficiando diretamente doze famílias da comunidade do Vão de Almas;
6. Toda a parte de produção de conteúdo de comunicação do Projeto Baunilha do Cerrado foram desenvolvidos pelo Instituto ATA. No desenvolvimento da linha de produtos Kalunga, a Central do Cerrado foi responsável pelo planejamento da produção, desenvolvimento da rotulagem técnica, logística dos produtos, beneficiamento e comercialização dos produtos;
7. Em relação ao registro da marca “baunilha do cerrado” pelo Instituto ATA, tomamos conhecimento pela matéria do site De Olho nos Ruralistas. Acreditamos que o registro de marca seja importante salvaguarda, porém, para marcas genéricas que possam ter interesse de uso difuso por diversas comunidades/localidades, defendemos que o uso seja aberto para que todos possam utilizar;
8. Destacamos que o Instituto ATA se posicionou em várias situações, inclusive diante a comunidade Kalunga, que não tinha interesse na exploração comercial da baunilha e dos outros produtos e sim de apoiar o desenvolvimento das cadeia produtiva e promoção desses produtos para fortalecimento das comunidades e da identidade Kalunga;
9. Em relação ao acesso a recursos genéticos e conhecimento tradicional associado, não acompanhamos as expedições de pesquisas citadas na matéria. Defendemos que os diretos dos Povos e Comunidades sejam respeitados e que o acesso aos recursos genéticos e conhecimento tradicional sejam protocolados nos devidos órgãos.
Tendo em vista as relações construídas pela Central do Cerrado tanto com as comunidades Kalunga, assim como com o Instituto ATA, estamos empenhados para promover o diálogo em busca de soluções que fortaleçam o universo dos Povos e Comunidades Tradicionais, o protagonismo da comunidade e a garantia de seus direitos.
Foto principal: Caio F. Paes/De Olho nos Ruralistas