Doleiro preso disputou terras com indígenas no Paraguai

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Dario Messer com seus bois no Paraguai. (Foto: Reprodução)

Detido pela PF em apartamento nos Jardins, em São Paulo, Dario Messer reuniu mais de cem mil hectares no país vizinho, onde é “amigo de alma” do ex-presidente Horácio Cartes; jornal diz que Brasil reivindicará os bens confiscados

Por Alceu Luís Castilho

A lavagem de dinheiro passa pela compra de propriedades rurais. O fato pode ser exemplificado pela trajetória daquele que foi definido como o “doleiro dos doleiros”. Preso na quarta-feira (31/07) pela Polícia Federal, em São Paulo, Dario Messer tornou-se um megalatifundiário do outro lado da fronteira, como mostrou o observatório há um ano, na série De Olho no Paraguai: “Foragido, doleiro de Sérgio Cabral possui 104 mil hectares no Paraguai“.

Uma das histórias contadas na reportagem envolve a disputa por terras com indígenas. Uma das empresas controladas por Messer no país vizinho, a Agro KLM S.A., adquiriu 1.023 hectares em território reivindicado pelos Awá Guarani, no distrito de Itakyry, a 140 quilômetros de Ciudad del Este, fronteira com o Brasil.

Região em disputa fica a noroeste do Parque do Iguaçu. (Imagem: Google Maps)

Em agosto de 2011, o jornal Última Hora relatava o início de conflito entre os indígenas e o que chamou de “colonos”. O nome que aparecia era o do brasileiro Newton Rodrigo Maran Salvatti, mediador das compras de terras do doleiro no Paraguai. Os fazendeiros acusaram os indígenas de queimar 200 hectares de plantação de milho na colônia Zanja Moroti. Os duzentos indígenas da comunidade de Paso Cadena, liderados pelo cacique Dionisio Vargas, contaram que ali ficava a terra de seus antepassados – e que quarenta anos antes tinham sido desalojados.

No mês seguinte, a promotoria de Minga Porá, no departamento de Alto Paraná, dois Awá Gurani – Cluadio Gómez e Roberto Pereira – denunciaram ter sido espancados em Itakyry. Dez seguranças estavam armados com escopetas, contaram eles, e os convidaram a entrar no imóvel, de onde tinham sido despejados com ordem judicial, para buscar animais domésticos que tinham deixado no local. Mas depois foram expulsos sob ameaça e com golpes de escopetas. Depois, sempre segundo eles, os seguranças atiraram sobre suas cabeças.

Os conflitos no Paraguai foram comentados por Newton Salvatti em 2015, no site brasileiro Notícias Agrícolas. Ele estava preocupado com a migração de indígenas paraguaios para o Mato Grosso do Sul e atacou “o governo do PT”, que iria ajudar os indígenas a “tomar mais terra no Brasil”:

– Sou produtor no Paraguai e tenho uma área contígua com uma reserva indígena de aproximadamente 3 mil hectares, arrendada a produtores de soja brasiguaios. Tive problemas há dois anos quando sofri invasão por parte dos indígenas, fomentada pelos arrendatários e também por antropólogos do Brasil – que vivem na nossa região tentando criar problemas.

Salvatti disse na ocasião que as questões tinham sido “resolvidas”.

No mesmo ano, ao receberem visita da Comissão de Povos Indígenas do próprio Senado paraguaio, os indígenas contaram que os sojeiros brasileiros tinham ocupado 90% de suas terras com suas produções mecanizadas. Ainda em 2015, os Awá Guarani – já sob liderança de outro cacique – tiveram conflitos com outros brasileiros, como João Meurer. Nessa ocasião teria havido troca de tiros.

JORNAL PARAGUAIO QUER SABER O QUE ACONTECERÁ COM BENS

Seis anos depois, em título, o jornal ABC Color fez neste sábado (03/08) a seguinte pergunta: “O que acontecerá com os inúmeros bens que Dario Messer tem no Paraguai?” Isto porque há embargos solicitados tanto pela justiça brasileira como pela paraguaia. “Extraoficialmente se sabe que o Brasil quer recuperar os bens”, diz a reportagem.

Em maio de 2018, o jornal publicou detalhes sobre as empresas do doleiro no país. Foram citadas as empresas Agro Fortuna, a Corporación Piney e a KLM, esta criada no fim de 2008 tendo como objetivo a produção agrícola, por um lado, e por outro a realização de empréstimos com ou sem garantia de qualquer natureza. “Precisamente, os empréstimos desse tipo são a especialidade de Messer e uma das formas que utilizava para lavar o dinheiro que recebia de forma ilegal no Brasil”, assinalou o ABC Color.

Em agosto de 2018 um brasileiro foi encontrado morto, por tiros de escopeta, em uma das fazendas da Agro Fortuna. Antonio Missau Tambauva, de 52 anos, trabalhava em plantação de milho: “Misteriosa morte de trabalhador rural em estância vinculada a Dario Messer“.

Uma das fazendas do doleiro no Paraguai. (Imagem: Reprodução/Fantástico)

Um informe divulgado em abril deste ano pelo Senado do Paraguai detalhou os tentáculos do doleiro com o ex-presidente Cartes. O documento da Comissão Bicameral de Investigação sobre lavagem de dinheiro cita um relatório do Ministério Público Federal do Brasil sobre Salvatti, de 2018, onde são citadas as empresas KLM e Agro Fortuna. “A Comissão Bicameral de Investigação põe à disposição da justiça para que investigue e determine se essas empresas formaram ou não parte do circuito de lavagem de dinheiro de Dario Messer”.

Em junho de 2013, quando Cartes era o presidente, Salvattti e Messer formaram a empresa Matrix Realty, ao lado de um sobrinho do colorado, Juan Pablo Jiménez Viveros.

Uma reportagem do ABC Color apontava, em 2018, os latifúndios do doleiro no Paraguai: “Messer se especializou em compra de terras e gado para ocultar lavagem de dinheiro“. Uma delas, a Estância Thiago, com 2 mil cabeças de gado, fica no departamento de Boquerón, na região ocidental do país, o Chaco. Está em nome da empresa Chai, a primeira empresa aberta por Messer do outro lado da fronteira. Região menos populosa do Paraguai, O Chaco tem uma expansão agropecuária movida a desmatamento – em boa parte protagonizado por brasileiros.

Definida pela revista Época como “xodó de Messer”,pois era onde ele gostava de descansar, a Estância Diana possuía 8.700 hectares e quatro vezes mais reses que a Thiago: 8 mil. Ela é mais uma na região do Chaco, ao lado da Melissa e da Pozo Anita, outra com 2 mil cabeças de gado, também da Chai, em Boquerón. Um relatório de impacto ambiental apresentado em 2015 pela Estância Diana II – antiga Los Potros – apontava uma extensão de 11.267 hectares em Mariscal Estigarribia, cerca de 1/6 da área total do distrito, também localizado em Boquerón. (A Diana se divide em I, II e III, assim como a Thiago.) A Estância Melissa fica no Alto Paraguai, na fronteira com o Mato Grosso do Sul, e não produz nada.

Segundo a Época, a Secretaría Nacional de Administración de Bienes Incautados y Comisados (Senabico), especializada na gestão de bens apreendidos de criminosos, avaliou em US$ 100 milhões o total de bens do doleiro no Paraguai. E confiscou sete fazendas: as quatro na região ocidental e, na região ocidental, a Arca de Noé, a Las Mañanitas e a Isla Alta, esta com cerca de 500 hectares no departamento de Paraguari, mais próximo da Argentina do que do Brasil. As duas fazendas visitadas pelo Fantástico em 2018 ficam em Paraguari. Uma é a Isla Alta. A outra não foi nomeada pela reportagem, mas deve ser a Arca de Noé. Em ambas havia plantação de eucalipto.

O ABC Color fala em uma fortuna de US$ 150 milhões e em um total de 102 mil hectares de terras. Desse total, 43.332 hectares ficam na região do Rio Pilcomayo, na fronteira com a Argentina. De acordo com o jornal, a Chai tem três fazendas na região de Pozo Hondo, em Mariscal Estigarribia, com 20.800 hectáreas, lotes no distrito de Doctor Pedro P. Peña e 22.532 hectares a leste de Palmar Quemado, também na região de Mariscal Estigarribia.

Do lado brasileiro, Dario Messer colecionava artes e frequentava festas da alta sociedade carioca, cercado de celebridades. Como o pentacampeão Ronaldo Nazário, o Fenômeno. Dois empresários do doleiro foram sócios da boate R9, no Leblon. O doleiro agora vive em outro bairro no município, Bangu, no Complexo Penitenciário de Gericinó.

A Agro KLM é uma das 25 sócias da Associação dos Produtores de Soja no Paraguai, a APS, com sede em Ciudad del Este, na fronteira com Foz do Iguaçu (PR). A associação define seus valores a partir das seguintes palavras: “trabalho”, “capacidade”, “transparência”, “honestidade”, “coerência”, “responsabilidade social”, “solidariedade” e “sustentabilidade”.

Foto principal: Dario Messer com seus bois no Paraguai. (Reprodução)

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