Família de juiz que mandou prender brigadistas foi multada duas vezes em Santarém por desmatamento

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Embora as duas autuações sejam de 1996, um dos processos do Ibama contra a madeireira ainda está em curso; o outro motivou inscrição da empresa dos pais de Alexandre Rizzi na dívida ativa da União; outro registro de crime contra a flora em 1997, em Belém, está prescrito

Por Alceu Luís Castilho e Leonardo Fuhrmann

A família do juiz Alexandre Rizzi, que determinou, no dia 26, a prisão de quatro brigadistas do distrito de Alter do Chão, em Santarém (PA), já recebeu pelo menos três multas do Instituto do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama) por desmatamento. De Olho nos Ruralistas pesquisou os arquivos do Ibama e localizou três autuações na categoria “flora” na segunda metade dos anos 1990. Duas delas em Santarém, município onde fica o balneário banhado pelas águas do rio Tapajós. A outra, em Belém.

As multas estão em nome da serraria Indústria e Comércio de Madeiras Rizzi, que funcionou durante vinte anos em Santarém e tinha como sócios os pais do juiz, Germano Clemente Rizzi e Sirlei Carmen Sangalli Rizzi. A existência da empresa foi revelada pela Folha no dia 27. Criada em agosto de 1988, ela foi baixada em 2008. O jornal revelou que, como advogado, Alexandre Rizzi defendeu os interesses de uma das madeireiras, em um processo de execução fiscal movido pela União.

Pai do juiz tem cinco dívidas com a União (Imagem: Reprodução/PGFN)

Os dados da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional mostram que Germano Rizzi, residente em Belém, deve R$ 745.089,64 à União. São cinco dívidas, a menor delas de R$ 28.847,13 (mais de cinquenta vezes maior que a multa de R$ 490 do Ibama); a maior, de R$ 395.070,03. Sirlei Rizzi não tem dívida com a União.

Os pais do juiz também tiveram entre 1986 e 2008 a madeireira Germano C Rizzi, com o mesmo nome fantasia da outra empresa, Maderizzi. Ambas no mesmo endereço, em Santarém, no km 5 da Rodovia Santarém-Cuiabá, a BR-163, no bairro Matinha. Não muito distante da Central de Triagem de Cucurunã, em vicinal da rodovia para Alter do Chão.

Foi no Complexo Penitenciário Cucurunã que ficaram presos por três dias os brigadistas Daniel Gutierrez Govino, João Victor Pereira Romano, Gustavo de Almeida Fernandes e Marcelo Aron Cwerner.

Em ambos os casos a atividade principal das empresas da família Rizzi era a produção de madeira bruta desdobrada ou serrada em bruto. Ou seja, a madeira sem ser beneficiada, sem acabamento.

NENHUMA DAS TRÊS MULTAS FOI PAGA

A primeira autuação foi feita em janeiro de 1996, em Santarém, no valor de R$ 600. Nos anos anteriores à Lei de Crimes Ambientais, de 1998, as multas por desmatamento tinham valores bem menores do que os atuais. A maior parte delas não chegava a R$ 1.000. No sistema do Ibama, mais de vinte anos depois, o processo relativo à multa está pendente, “para nova homologação”.

Em abril do mesmo ano, a serraria ganhou nova multa em Santarém, no valor de R$ 490, que consta como “inscrita na dívida ativa”. A terceira autuação ocorreu em abril de 1997, em Belém, no valor de R$ 1.225. Essa multa foi baixada por prescrição. Ou seja, nenhuma das três multas consta no sistema do Ibama como quitada. 

As autuações do Ibama em 1996 e 1997, com destaques em vermelho. (Imagem: Ibama/De Olho nos Ruralistas)

O Ibama informa que a fiscalização de assuntos relacionados à flora “tem o objetivo de proteger e monitorar espécies da flora nativa brasileira, de forma a dissuadir infrações ambientais, especialmente o desmatamento da Amazônia, a destruição e exploração ilegal de florestas e demais formas de vegetação nativa”.

Mas não necessariamente as autuações decorrem de flagrante de desmatamento: “O Ibama também fiscaliza a cadeia comercial de produtos e subprodutos florestais nativos, tais como lenha, carvão, madeira serrada e tora, produtos não madeireiros ameaçados de extinção, dentre outros”.

Como noticiado pela Folha, o juiz Alexandre Rizzi atuou em um processo de execução de dívida ao lado do irmão Rodrigo Rizzi, ambos como advogados da empresa dos pais. O observatório pesquisou na Justiça Federal o CNPJ da serraria autuada e constatou que ela responde a outros processos de execução da União, tanto por dívidas de INSS quanto de Imposto de Renda Pessoa Jurídica.

A Justiça chegou a decidir pela penhora de bens para garantir o pagamento. Em um dos casos, os imóveis já haviam sido vendidos e penhora teve de ser revertida.

JUIZ CHAMOU MANIFESTAÇÃO DO GREENPEACE DE ‘RIDÍCULA’

A atuação de Rizzi antes de ser juiz, como mostrou a Folha, inclui um enfrentamento com o Greenpeace. Na condição de representante da madeireira, em 1994, ele criticou ao jornal uma manifestação da ONG que fechou o porto de Santarém contra a exportação de madeira irregular. “Toda essa madeira é fiscalizada rigorosamente pela Receita Federal, essa manifestação é ridícula”, afirmou na ocasião.

Protesto em 1994 foi criticado pelo juiz. (Foto: Greenpeace/Olavo Rufino)

Na semana passada, em entrevista ao jornal, Rizzi negou ter conflitos com as ONGs e afirmou ter se manifestado sobre uma situação específica. Ele determinou as prisões preventivas dos brigadistas e o cumprimento de mandados de busca e apreensão nas ONGs Projeto Saúde & Alegria, Instituto Aquífero Alter do Chão e Brigada Alter do Chão. A operação tinha como objetivo investigar a origem dos focos de queimada que atingiram áreas de proteção ambiental na região em setembro.

O delegado responsável pelas investigações que levaram à decretação das prisões foi afastado por decisão do governador Helder Barbalho (MDB) após críticas feitas por diversas entidades sobre a falta de provas contra os brigadistas. O Ministério Público Federal afirmou que as conclusões da polícia estadual contrastavam com o que foi apurado pelos procuradores, que não encontraram qualquer indício de participação dos brigadistas nos crimes. 

A investigação federal apontou como causa dos incêndios o assédio de grileiros, a ocupação desordenada da região e a especulação imobiliária. Um áudio gravado em setembro e divulgado no dia 1º pela Repórter Brasil confirma a tese de ação dos grileiros. Nele, o prefeito de Santarém, Nélio Aguiar (DEM), afirma a Barbalho que o incêndio em Alter do Chão foi causado por “gente tocando fogo para depois fazer loteamento, vender terreno” e que essas pessoas contam com o apoio de policiais.

Mesmo com as dúvidas a respeito da qualidade da investigação policial, o juiz Alexandre Rizzi manteve a prisão dos brigadistas na audiência de custódia, um dia após as prisões. Ele só voltou atrás e decidiu soltar os réus no dia seguinte. Os brigadistas continuam sendo investigados, mas respondem ao processo em liberdade.

ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS SE DIZ PERPLEXA COM REPORTAGEM

A assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça encaminhou à Associação dos Magistrados do Pará (Amepa) e ao próprio juiz Alexandre Rizzi o pedido de entrevista feito pela reportagem em relação às multas. Presidida pelo juiz Sílvio César dos Santos Maria, a Amepa enviou ao De Olho nos Ruralistas a seguinte resposta, que publicamos na íntegra e mantendo as letras maiúsculas digitadas pela associação:

“AMEPA, entidade de classe que representa a Magistratura Paraense, diante do teor do pedido de manifestação formulado ao Juiz de Direito Alexandre Rizzi, vem se manifestar, em nome do Magistrado, nos seguintes termos:

Inicialmente, em nome dos princípios da boa fé e da lealdade, que devem pautar qualquer atividade, notadamente a jornalística, a AMEPA pugna que sua manifestação seja transcrita na íntegra por ocasião da publicação da reportagem.

Especificamente com relação ao conteúdo da matéria em elaboração, a AMEPA vem se manifestar afirmando que lhe causou absoluta perplexidade observar que meios de comunicação como o vosso estejam a buscar fatos que não se relacionam diretamente com a pessoa do Magistrado, mas sim, supostamente com fatos relacionados aos pais do mesmo, para tentar desqualificar a atuação jurisdicional do Magistrado.

A AMEPA informa que sua perplexidade é maior porque, como afirmado por vossa senhoria, os supostos fatos (multas), repita-se, supostamente imputados aos pais do Magistrado, datam dos anos de 1996 e 1997, quando o Magistrado ainda era um jovem e sequer imaginava integrar as fileiras do Judiciário Paraense.

Aumenta a perplexidade da AMEPA ao observar que o jornalista afirma, categoricamente, que os supostos fatos imputados aos pais do Juiz (multas) estão prescritos e, ainda assim, resolve, não se sabe ao certo com qual finalidade, promover matéria sobre o tema, repita-se, que não envolve o agente público Juiz de Direito Alexandre Rizzi, mas sim, supostamente, seus pais.

Porém, em uma Democracia, a existência de uma imprensa livre é de fundamental importância, daí porque a AMEPA não se furtará de responder os questionamentos formulados por quem quer que seja, sem prejuízo de adotar, no foro adequado, as providências contra aqueles que exorbitem de seus direitos.

Assim, a AMEPA, após exaustiva leitura da proposta de matéria em questão, com muita honestidade afirma que não compreendeu sua razão de ser.

Isto porque, o fato de haver supostas multas contra supostamente os pais do Juiz Alexandre Rizzi, datadas de 1996 e 1997, as quis, segundo o jornalista, estão prescritas, não gera qualquer tipo de ilegalidade ou conflito ético que impeça o Magistrado de julgar a quem quer que seja, inclusive os 04 (quatro) brigadistas de Alter do Chão, em Santarém.

Sobre o tema em questão, a AMEPA entende que há enorme importância em se apurar os fatos imputados aos referidos cidadãos, datados do PRESENTE ANO, 2019, a fim de que se avalie a prática ou não de crime, não sendo razoável esquecer-se dos fatos e buscar desqualificar, por supostos fatos imputados, supostamente a seus pais, nos longínquos anos de 1996 e 1997, o prolator da decisão, agente do Estado e que se encontra apenas exercendo um munus público.

A AMEPA informa que continuará atenta a qualquer tentativa de interferência externa e indevida à atividade jurisdicional, consignando que tentativas indevidas de interferência na atividade jurisdicional podem inclusive configurar a prática de infração penal, qual seja, o delito previsto no art. 344 do Código Penal, Coação no Curso do Processo.

Belém, 05 de dezembro de 2019

DIRETORIA EXECUTIVA DA AMEPA
DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO DO TJPA”

Nota da redação: a reportagem é de interesse público, segue critérios jornalísticos e o observatório continuará fazendo seu trabalho.

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