Mulheres da Terra Indígena Araribá, em São Paulo, se unem para fortalecer a defesa do território

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Representantes de quatro aldeias se reúnem desde 2017 e discutem maneiras de revitalizar a cultura para garantir o direito à terra; movimento valoriza a opinião das mulheres em um ambiente onde os homens ainda tomam a maioria das decisões

Por Priscilla Arroyo

Ao longo dos últimos meses, a série De Olho na Resistência vem trazendo exemplos da luta protagonizada por mulheres indígenas pelo Brasil em defesa de seus territórios, ameaçados não só pelo avanço do agronegócio e da mineração, mas pela invisibilidade. Esse protagonismo ocorre também no interior paulista.

No município de Avaí (SP), a 370 quilômetros da capital, encravada num dos principais principais polos agropecuários do estado, fica a Terra Indígena (TI) Araribá, lar de cerca de 600 indígenas das etnias Guarani e Terena. Homologada em 1991, a área de 2 mil hectares está dividida em quatro aldeias: Kopenoti, Nimuendajú, Ekeruá e Tereguá.

Ali, foi criada em 2017 a Comissão das Mulheres Indígenas, com o objetivo de aproximar anciãs e jovens líderes dessas comunidades para revitalizar a cultura e fortalecer a defesa do território. Uma vez por ano, dezenas de mulheres da TI Araribá se reúnem em uma grande plenária, onde trocam saberes tradicionais e discutem as principais reivindicações das comunidades. A esse encontro, somam-se reuniões periódicas de articulação entre as aldeias.

“Quando precisamos abrir uma nova classe na escola, por exemplo, fazemos um abaixo assinado”, afirma Creides Marcolino da Silva Nunes, vice-diretora da Escola Estadual Indígena (EEI) da Aldeia Nimuendajú e primeira mulher a nascer na comunidade, em 1984. “Essa união nos ajuda a conseguir demandas na diretoria de ensino municipal e estadual. Se tem alguma luta política no estado, mandamos uma representante”.

Para ela, a emergência de líderes femininas dentro do movimento indígena é uma ferramenta importante para resistir às pressões impostas aos territórios pelo governo de Jair Bolsonaro. “Esse governo já sinalizou que não vai mais demarcar nossas terras. Para nos defender de alguma investida, é preciso fortalecer os nossos laços e uma das ferramentas para isso é reafirmar a cultura do nosso povo”. 

MULHERES DISCUTEM SAÚDE E GÊNERO

A Comissão das Mulheres Indígenas é presidida por Irinéia Sebastião dos Santos, da etnia Terena e moradora da aldeia Kopenoti. Uma das fundadoras da associação, ela conta que aprendeu a importância de lutar pelos direitos com Jupira Terena, referência histórica para os indígenas da cidade e candidata a deputada federal nas eleições de 2018. “Ela me levava para diversos encontros, tanto aqui no estado de São Paulo quanto em Brasília. Essa experiência nos ajudou a começar um movimento aqui na comunidade”.

Thais Caetano, enfermeira da Sesai, destaca o espaço conquistado pelas mulheres na TI Araribá. (Foto: Priscilla Arroyo/De Olho nos Ruralistas)

A primeira plenária, realizada em 2017 na Aldeia Teraguá, reuniu centenas de indígenas da região. “Nós que organizamos tudo, desde os parceiros que nos apoiaram até as pautas a serem colocadas em discussão”, conta Irinéia. “No entanto, os caciques ainda precisam aprovar o planejamento. Todas têm o direito de falar”. Entre as conquistas, ela destaca o posto de saúde da Kopenoti, inaugurado em junho. “Todas as aldeias já tinham atendimento médico próprio, menos a nossa. Foi um progresso que reflete a nossa união”. 

Nas reuniões anuais, as mulheres usam o espaço para comemorar as conquistas e apontar o que ainda precisa ser feito. “Uma das coisas que discutimos no último encontro é o fato das representações serem majoritariamente masculinas”, diz Thais Cristine Caetano, enfermeira da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e uma das organizadoras das plenárias. “Os caciques são homens e as lideranças são compostas na maioria por homens também”.

A enfermeira Creonice Marcolino da Silva, irmã de Creides, foi a primeira agente de saúde indígena no posto aldeia Nimuendaju. Desde então, viaja com frequência para participar de conferências indígenas e depois divide sua experiência com as companheiras. “Com o tempo, fui estudando e ganhando espaço profissional”, conta ela. “Pude contribuir para trazer mais indígenas ao quadro de colaboradores. Hoje somente a dentista e a farmacêutica não são do nosso povo”.

TRADIÇÕES ANCESTRAIS NO CURRÍCULO ESCOLAR

A revitalização do processo cultural da TI tem sido um dos principais pontos defendido pelas mulheres. “Na plenária de 2018, abordamos maneiras de exercitar a cultura dentro das casas e na escola”, diz Thais. Ela explica que como a comunidade fica próxima da cidade, a 36 quilômetros de Bauru, não raro a identidade indígena da TI é colocada em xeque: “Ainda está muito presente na mente das pessoas a ideia que nós temos de viver nus, caçar com artefatos e comer só mandioca. Por isso, damos tanto valor à manutenção dos nossos costumes”. 

Primeira mulher a nascer na TI Araribá, Creides promove o ensino de tupi-guarani na comunidade. (Fotos: Acervo Aldeia Nimuendajú)

Irinéia destaca que a maioria dos moradores da TI tem de trabalhar em fazendas para garantir o sustento da família. Muitos se mudam temporariamente para outro estado, contratados para o período de colheita. “Meu marido, por exemplo, fica 70 dias fora e volta. Depois fica mais dois meses longe”.

Diante desse cenário, as crianças dependem da escola para aprender sobre os saberes ancestrais. “Uma das nossas principais lutas é perpetuar a herança cultural, como fala, canto e escrita”, afirma Creides. Junto a outras educadoras, ela liderou a confecção e lançamento de dois livros em tupi-guarani, um sobre gramática e outro sobre a mitologia indígena da criação do mundo. “Dos 103 moradores da aldeia Nimuendajú, metade fala tupi-guarani e metade entende ou tem algum tipo de proximidade. Queremos aprimorar o ensino formal da língua”.

Os ensinamentos vão além da sala de aula. A aldeia abriga o Centro Cultural Claudio Marcolino Osório, espaço onde uma vez por semana, às sextas-feiras, alunos deixam a sala de aula para aprender com os mais velhos a preservar suas tradições e costumes. “No Centro Cultural, eles andam pelo mato, cantam, comem tatu feito com preparo típico, montam armadilha de caça”, relata Creides. “É importante vivenciar esses momentos que não fazem parte do dia a dia por conta da correria dos pais”.

Um dos principais objetivos desse trabalho é fazer os alunos se apropriarem do território. Creides divide essa experiência com as educadoras das outras aldeias. “Eles precisam se reconhecer como indígenas para lutar pelo seu espaço, por sua terra”.

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