Pai da vítima caminhava pela mata, um dia após a morte de Ari, quando viu dois homens armados em plena terra indígena; com a ajuda de parentes, ele conseguiu capturá-los até chegada da Polícia Federal e da Funai; etnia teme também o contágio pelo coronavírus
Por Maria Fernanda Ribeiro
Na madrugada do domingo (19 ), Mboakara Uru-eu-wau-wau caminhava sozinho pela mata para se conectar com a natureza após o enterro do filho Ari, assassinado na noite anterior com golpes na cabeça em uma estrada rural, no município de Jaru, em Rondônia, em um crime ainda sem resposta: “Aos 32 anos, indígena Uru-eu-wau-wau é assassinado em Rondônia“. Mboakara cumpria um dos últimos passos do ritual funerário da etnia, mas a presença de dois invasores dentro da Terra Indígena, a poucos metros da aldeia, interrompeu a cerimônia e transformou o momento de tristeza em revolta. Além do desrespeito ao momento de luto, ainda havia o risco de transmissão do coronavírus.
Como Mboakara demorava a retornar para a aldeia, alguns parentes decidiram ir até ele e foi quando encontraram os dois homens armados. Os indígenas capturaram os invasores, os amarraram, e esperaram até o dia amanhecer para contatar a Fundação Nacional do Índio (Funai) e a Polícia Federal. De acordo com nota da PF, eles portavam duas armas de fogo longas com numeração raspadas e municiadas. “Os indígenas detiveram os envolvidos até a chegada da polícia, fornecendo alimentação e água, sendo os mesmos entregues à PF sem lesões aparentes”, informa trecho do documento. Ambos foram encaminhados ao presídio público da comarca de Jaru.
A reportagem do De Olho nos Ruralistas teve acesso a um áudio em que os indígenas afirmam que, antes de a polícia chegar, pessoas estranhas ao território ameaçaram invadir a aldeia para resgatar os invasores capturados. Alguns indígenas teriam ouvido vozes de homens já no local. Segundo os relatos, eles planejavam a melhor maneira de tirar os dois homens de lá.
“É muito assustador, é como você sair de madrugada no quintal da sua casa e ter dois estranhos”, afirma Ivaneide Bandeira, coordenadora da Associação Etnoambiental Kanindé. “Estão matando os protetores da floresta, mas esse governo não se importa”.
Ela conta que o enterro de Ari aconteceu de madrugada, dentro da casa onde ele morava, na aldeia, após a liberação do corpo pelo Instituto Médico Legal. O corpo dele foi coberto por um cocar; o adereço colocado no peito era feito por penas de gavião, o elemento utilizado para dar passagem ao mundo espiritual, de acordo com a cosmologia indígena dos Uru-eu-wau-wau. A cova foi forrada com esteiras. Todas as roupas, queimadas.
A Terra Indígena Uru-eu-wau-wau, demarcada em 1991, é palco constante de ameaças e invasões de grileiros, madeireiros e garimpeiros. As invasões dentro do território têm sido denunciadas há muitos anos, mas o temor se intensificou após a pandemia do coronavírus. “Tudo isso é um barril de pólvora”, diz Ivaneide.
A presença de invasores em áreas indígenas tornou-se um motivo maior de preocupação devido à pandemia do coronavírus, pois eleva ainda mais o risco de transmissão do vírus. Os povos originários são considerados especialmente vulneráveis à pandemia por conta de costumes que tendem a facilitar a disseminação de doenças respiratórias e da ausência de hospitais em seus territórios.
NÃO HÁ PISTAS SOBRE MOTIVO E AUTORIA DO HOMICÍDIO
Ari Uru-eu-wau-wau, 32 anos, foi encontrado morto na manhã do último sábado na estrada de terra que liga a cidade de Jaru, em Rondônia, até a terra indígena, no distrito de Tarilândia. Ele fazia parte do grupo de monitoramento e vigilância do território, responsável por proteger a área de invasores.
De acordo com Salomão de Matos, o delegado da Polícia Civil de Jaru responsável pela investigação, a hipótese de latrocínio foi descartada porque o celular e a motocicleta da vítima permaneciam no local. A possibilidade de acidente já foi descartada, pois a moto não apresentava nenhum dano e o corpo da vítima não tinha marca de lesões ou escoriações.
Mas não há ainda informações sobre a autoria e a motivação do crime. O delegado afirma que não é possível relacionar a presença dos dois invasores no dia do enterro com o crime.
Na semana passada, a reportagem teve acesso a outro áudio que denunciava a presença de invasores na área e avisava que um indígena tinha visto um caminhão de tora — veículo que carrega madeira — e um trator na entrada da aldeia do Alto Jaru. Também havia vestígios de sacos plásticos e outros materiais deixados pelos invasores. São recorrentes as ameaças de morte sofridas pelos indígenas, com relatos de tocaias e emboscadas.
Este é o segundo assassinato de lideranças indígenas em menos de vinte dias. No dia 31 de março, o professor Zezico Guajajara foi brutalmente assassinado, no Maranhão. Era um líder que lutava pela proteção do território.
Foto principal: invasores foram amarrados até chegada da PF. (Divulgação)