Onyx tenta reduzir participação camponesa no Programa de Aquisição de Alimentos

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De Olho nos Ruralistas descobriu documento do governo onde a Casa Civil propunha a troca da obrigatoriedade de comprar da agricultura familiar, no PAA, pela “preferência”; isso descaracterizaria essa política pública, em prol do agronegócio

Por Leonardo Fuhrmann

O ex-ministro-chefe da Casa Civil e atual ministro da Cidadania do governo Bolsonaro, Onyx Lorenzoni, apresentou um projeto de medida provisória para reduzir a participação da agricultura familiar — a agricultura camponesa — no Programa de Aquisição de Alimentos do governo federal, o PAA. Caso a medida seja apresentada pelo governo em seu formato original, o alimento deixará de ser adquirido exclusivamente da agricultura camponesa e passará a ter “preferencialmente” esta origem. Os produtos são adquiridos pelo programa sem licitação. Depois de uma reunião sobre a MP na Casa Civil, a proposta foi suspensa.

De Olho nos Ruralistas teve acesso a um documento que mostra a tentativa de Lorenzoni, deflagrada quando ele ainda era o ministro-chefe da Casa Civil. Durante o trâmite na Subchefia de Análise e Acompanhamento de Políticas Governamentais, a proposta mudava a redação de um artigo que prevê o fornecimento de produtos do PAA pela agricultura camponesa — no Brasil chamada, nas últimas décadas, de agricultura familiar. A inclusão da palavra “preferencialmente”, na prática, acabaria com essa exclusividade, permitindo ao agronegócio participar do programa.

Confira:

A palavra “preferencialmente” não é um mero detalhe: programa foi concebido para atender a agricultura camponesa. (Imagem: Reprodução/De Olho nos Ruralistas)

Criado em 2003, no começo do governo Lula, o Programa de Aquisição de Alimentos adquire produtos agropecuários para distribuir a pessoas em situação de insegurança alimentar e nutricional e àquelas atendidas pela rede socioassistencial, pelos equipamentos públicos de segurança alimentar e nutricional e pela rede pública e filantrópica de ensino. O governo se vale da situação de emergência provocada pela Covid-19 para criar a possibilidade de compra de alimentos produzidos por outros segmentos do setor.

MINISTÉRIO DA AGRICULTURA FOI CONTRA A MEDIDA

A proposta foi apresentada pelo Ministério da Cidadania e passou pela análise do Ministério da Agricultura antes de seguir para o Palácio do Planalto. Com as opiniões contrárias de técnicos da pasta, comandada por Tereza Cristina, acabou sendo engavetada após uma reunião na Casa Civil, agora sob o comando do general Walter Souza Braga Netto. Ameaçada de demissão, a ministra da Agricultura representa um campo político diverso daquele de Lorenzoni, alinhado com o núcleo ideológico do governo, de extrema-direita.

Pasta de Tereza Cristina teria barrado a medida. (Foto: Reprodução)

Nesta segunda-feira, o governo publicou a Medida Provisória 957, que abriu crédito extraordinário de R$ 500 milhões ao Ministério da Cidadania para Segurança Alimentar e Nutricional. A medida, assinada por Jair Bolsonaro e pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, prevê como atividade o “Enfrentamento da Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional Decorrente do Coronavírus”. Sem mais detalhes.

Na concepção do PAA, quem recebe o alimento compõe apenas uma das pontas do programa. Ao adquirir da agricultura camponesa, o programa tem também como objetivo gerar renda para esses pequenos produtores. Neste mês, a ministra da Agricultura chegou a anunciar R$ 500 milhões — o mesmo valor do crédito extraordinário anunciado pelo governo — para o PAA, mas as regras de como isso será feito não chegaram a ser divulgadas, com mostra reportagem do Brasil de Fato.

Os alimentos adquiridos para doação são a principal parte do programa, que inclui ainda compras institucionais, formação de estoques e compra direta da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), além de um programa de distribuição de sementes e outro específico para a aquisição de leite. A doação representa 72% do volume gasto no programa entre 2011 e 2018, segundo um estudo feito por técnicos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

PROGRAMA CHEGOU A SER BILIONÁRIO EM 2012

O Programa de Aquisição de Alimentos teve grande expansão até o ano de 2012, durante o primeiro governo de Dilma Rousseff, quando foi investido R$ 1,2 bilhão na aquisição de alimentos. Foram 128,8 mil agricultores familiares beneficiados com 297 mil toneladas de alimentos adquiridas por meio das compras feitas pela Conab no ano, segundo reportagem de O Joio e o Trigo. Daquele momento em diante, o programa foi recebendo cada vez menos investimentos.

PAA teve auge na época do Fome Zero; depois disso, recursos diminuíram. (Foto: Reprodução/Governo da Bahia)

O recorde negativo foi em 2018, no último ano do governo de Michel Temer, quando apenas R$ 253 milhões foram aplicados no PAA. Foram 9.675 produtores, com 23 mil toneladas e R$ 63 milhões em compras públicas operacionalizadas pela companhia, segundo a mesma reportagem de O Joio e o Trigo. Os principais beneficiados pelo programa estão no Nordeste.

No ano passado, primeiro ano da gestão Bolsonaro, foram aplicados, segundo dados do governo, R$ 285 milhões no Programa de Aquisição de Alimentos. Do total de 2019, 75% da verba foi destinada a produtos hortigranjeiros; 25% para produtos processados, como mel, castanhas, carnes e grãos.

CASA CIVIL NEGA EXISTÊNCIA DO DOCUMENTO

Em nota à redação, a assessoria de comunicação do Ministério da Cidadania sustenta que a informação apurada pela reportagem — sobre a tentativa de retirada da exclusividade da agricultura familiar — “não procede”. Embora a informação esteja baseada em um documento do próprio governo.

Diz o assessor: “Inclusive, aproveito a oportunidade para lhe encaminhar matéria, produzida pela assessoria de comunicação social do Ministério da Cidadania, sobre a Medida Provisória publicada hoje que, libera R$ 500 milhões para o fortalecimento do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e às ações de apoio aos agricultores familiares”.

O texto inicial de divulgação da pasta falava em 11 mil famílias beneficiadas. A assessoria corrigiu depois o número para 11 milhões.

Foto principal (Valter Campanato/EBC): Onyx Lorenzoni, alinhado ao clã Bolsonaro

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