Latifundiário e negacionista climático, vice-presidente da Federação das Indústrias do Estado do Pará assina carta defendendo desmonte de leis ambientais; entidade tem diretores ligados a desmatamento e encabeça lobby madeireiro em Brasília
Por Bruno Stankevicius Bassi
Amplamente repudiada pela sociedade civil, a declaração do ministro Ricardo Salles, durante a reunião interministerial de 22 de abril, segundo a qual o governo deveria aproveitar o foco da imprensa na cobertura da pandemia — quando o país já acumulava 2,7 mil mortes por Covid-19 — para “ir passando a boiada” e flexibilizar leis ambientais, encontrou amparo entre líderes da indústria paraense.
Em “nota de posicionamento, apoio e protesto”, o Centro das Indústrias do Pará, entidade vinculada à Federação das Indústrias do Estado do Pará (Fiepa), declarou apoio ao ministro do Meio Ambiente e ao presidente Jair Bolsonaro:
— Na sua fala, entendemos que se referiu ser, este momento de reflexão, um momento propício para desburocratizar o setor ambiental, pois, neste setor, existe (sic) normas, portarias e instruções normativas complexas, confusas, e mais restritivas que a lei, que causam insegurança jurídica, judicializando todas as decisões. (…) Por fim, vimos que as declarações do Presidente tornadas, maldosamente, públicas, serviu (sic) para constatarmos e consolidarmos que o Senhor Presidente sonha com o bem do Brasil.
A nota é assinada por José Maria da Costa Mendonça, presidente do CIP e vice-presidente executivo da Fiepa. Em agosto do ano passado, em entrevista ao jornal paraense O Liberal, ele já havia defendido a “desburocratização” e a revisão da incidência tributária no estado. “Sempre que existe fiscalização de qualquer empresa, vem logo cheia de notificações, penalidades, como se o empresário fosse algum bandido”, afirmou. “Queremos que exista um relacionamento saudável entre as partes”.
Cinco meses antes, em março, Mendonça organizou, na sede da Fiepa, um evento sobre mudanças climáticas. Segundo o convite, o encontro teve como objetivo “contestar a posição de ambientalistas que defendem restrições na economia” e contou com a presença de expoentes do negacionismo climático, como o meteorologista Luiz Carlos Molion, mentor do senador Zequinha Marinho (PSC-PA), presidente da Comissão Mista Permanente sobre Mudanças Climáticas (nas quais não acredita) e membro da Frente Parlamentar da Agropecuária.
ELE POSSUI LATIFÚNDIO NA ILHA DO MARAJÓ
Figura importante no setor siderúrgico paraense, Mendonça liderou três empresas na área: Copala Indústrias Reunidas, Empresa de Construções Civis e Rodoviárias (Eccir) e Companhia de Agregados Leves do Pará (Cialpa). As três estão inativas.
A Copala é listada pelo Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região como uma das cem empresas com maior número de execuções trabalhistas no Pará e Amapá: catorze ao todo. Ré em 28 processos, a empresa fechou as portas em 2018. Também ré, a Cialpa foi condenada pelo Tribunal de Contas da União à inscrição na dívida ativa da União pelo recebimento irregular de créditos pelo Banco da Amazônia. Ao todo, Mendonça possui R$ 43,3 milhões em dívida ativa.
A empreiteira Eccir foi alvo de denúncia, em 2001, após o empresário estadunidense George Alfred Méllen, proprietário da Madeira Itália Americana Comécio e Indústria, afirmar que um empréstimo de US$ 2 milhões, concedido à empresa pelo Banco do Estado do Pará (Banpará) em 1984, teria sido repassado ao então governador e atual senador, Jader Barbalho (MDB-PA), sob a orientação de Mendonça, então tesoureiro de campanha de Jader.
“Ele falou em nome do governador e disse que precisavam de US$ 2 milhões para tapar um rombo no Banpará”, disse, em entrevista à revista IstoÉ. “Respondi que não tinha esse dinheiro e eles propuseram que minha empresa fizesse um empréstimo no próprio Banpará. Como garantia, me ofereceram ações da Eccir”. A própria empreiteira, que tinha contratos ativos com a Secretaria de Transportes do Pará, foi destinatária de empréstimos irregulares do banco, então repassados à família Barbalho.
Além das atividades no setor siderúrgico, o presidente do Centro das Indústrias do Pará também se destaca como dono de terras na baía do Marajó, onde possui 12.841 hectares — equivalentes à metade da área urbana de Belém —, divididos entre os municípios de Portel e Melgaço. Este último ocupou, até 2013, o inglório posto de pior IDH do Brasil.
Boa parte das fazendas, no entanto, está parada. De acordo com dados do Certificado de Cadastro do Imóvel Rural (CCIR), do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), seis dos catorze imóveis de Mendonça são classificados como grande ou média propriedade improdutiva. Em área, 8.377 hectares.
DIRETORES TÊM HISTÓRICO DE CRIMES AMBIENTAIS
Apesar de não assinarem a nota de apoio a Ricardo Salles, o ataque à legislação ambiental faz parte da biografia de outros líderes da Fiepa. Em 2017, o presidente da organização, José Conrado Santos, escreveu uma carta ao então presidente Michel Temer solicitando a “imediata suspensão do Fundo Amazônia”. Segundo ele, essa seria a forma mais adequada para “recuperamos o respeito internacional, pois o que sentimos hoje é o desrespeito à nossa condição de amazônida e, com isso, ver a nação brasileira ser humilhada quando de sua presença na Noruega”.
Candidato ao Senado em 2018, o ex-deputado estadual Shydney Jorge Rosa — ou Sidney, como prefere ser chamado — assumiu a vice-presidência da Fiepa após a derrota no pleito. Dono de mais de 10 mil hectares, único proprietário de uma madeireira que leva seu nome e sócio em outras três empresas exportadoras do produto, Rosa acumula acusações por crimes contra a flora, em 2018 e 2009, e por trabalho análogo à escravidão, em 2003, quando 41 trabalhadores foram libertados na Fazenda Vitória, então propriedade do político em Carutapera, município maranhense na divisa com o Pará.
Rosa é coordenador da Frente Pró-Floresta da Amazônia Legal, grupo composto por representantes do setor madeireiro e parlamentares que, em 6 de novembro de 2019, reuniu-se com Ricardo Salles pedindo a destinação de parte do Fundo Amazônia para o manejo florestal.
Poucos antes, em 25 de junho de 2019, representantes da Fiepa foram recebidos pelo ministro para tratar da mudança de categoria da Reserva Extrativista (Resex) Mãe Grande de Curuçá/PA para Área de Preservação Ambiental, com status de proteção inferior, de modo a permitir a construção de um porto na região.
Outro membro da Fiepa com histórico de crimes ambientais, Luiz Carlos da Costa Monteiro foi proprietário da Companhia Siderúrgica do Pará (Cosipar), maior reincidente em multas do Ibama por desmatamento, segundo levantamento realizado pelo De Olho nos Ruralistas, que compilou e analisou mais de 280 mil multas aplicadas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama) entre 1995 e 2019.
Ao todo, a empresa levou multas milionárias em 16 dos 25 anos pesquisados, entre 1995 e 2013. Nesse período, só não levou autuações na categoria flora em 1997, 2008 e 2010. As últimas multas para a Cosipar foram lavradas um ano após o anúncio de fechamento de sua sede, em Marabá, quando Monteiro ocupava a vice-presidência da Fiepa. Com o fechamento, 400 trabalhadores foram demitidos. Dos R$ 156,9 milhões aplicados em multas, mais de R$ 155 milhões não foram quitados.
Durante o período em que esteve ativa, a Cosipar foi beneficiada pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) em um investimento de US$ 50 milhões para a construção de embarcações para o escoamento da produção pela hidrovia Araguaia-Tocantins. Durante a inauguração da hidrovia, que contou com a presença do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2010, uma embarcação da empresa fez o primeiro transporte.
Foto principal (Divulgação/Fiepa): José Maria Mendonça, ao centro, em evento da Fiepa