Coordenador de agricultura familiar da Frente Parlamentar da Agropecuária, deputado Celso Maldaner (MDB-SC) assina relatório de MP que reduzia pausa para trabalhadores de frigoríficos; parlamentar é dono de 3 mil hectares no Pará, onde apostou na pecuária
Por Sarah Fernandes
A polêmica Medida Provisória (MP) 927/2020, que regulamenta direitos trabalhistas durante a pandemia do novo coronavírus, tem como relator Celso Maldaner (MDB-SC) um dos principais nomes da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), que teve terras e patrimônio multiplicados nas duas últimas eleições. Ao longo de seus mandatos ele declarou terras no sudeste e no oeste do Pará pelo mesmo preço, com centavos exatos.
A apreciação da medida pelo plenário da Câmara estava prevista para a tarde desta terça-feira (09), mas foi adiada devido à falta de tempo hábil para votação. Até o começo da manhã de ontem, o parecer de Maldaner previa redução do tempo de pausa dos trabalhadores de frigoríficos que atuem em ambientes com temperatura de 5º C a 15º C.
Pela proposta, apenas os profissionais que trabalhem em ambientes abaixo de 4º C ou que transportem produtos a câmaras frias teriam direito a 20 minutos de descanso a cada 1 hora e 40 minutos trabalhada, o que é regra no setor. A proposta, que continuaria vigente depois da pandemia, foi retirada do parecer pouco antes de ser encaminhada à Câmara.
Gaúcho do município de Carazinho, Celso Maldaner, exerce a quarta legislatura como deputado federal por Santa Catarina. Oriundo de uma tradicional família da região, trabalhou no transporte de produtos agrícolas no município catarinense de Maravilha, onde foi prefeito por três mandatos, o primeiro deles com 28 anos, em 1982. Atualmente, sua esposa, Rosimar Maldaner, ocupa o cargo no município pela segunda vez, também pelo MDB.
O deputado, que desde a primeira legislatura, em 2006, possuí terras fora de Santa Catarina, teve seu patrimônio multiplicado ao longo da vida política. Naquele ano, Maldaner declarou ao Tribunal Superior Eleitoral um patrimônio de R$ 1,6 milhão. Em 2018, os bens declarados do deputado saltaram para R$ 10,3 milhões. O salto mais expressivo foi entre 2010 e 2014, quando seu patrimônio triplicou de R$ 2,9 milhões para R$ 8,3 milhões.
TERRAS DISTANTES NO PARÁ TÊM O MESMO PREÇO
Desde a primeira legislatura, o deputado já possuía duas propriedades de terra na Amazônia, uma no município mato-grossense de Tapurah e outra em São Felix do Xingu, no sudeste do Pará, local que coleciona recordes de desmatamento ano a ano. Só em 2019, o município registrou o maior número de alertas de desmatamento do país, 1.716 no total, segundo o Relatório Anual de Desmatamento no Brasil, produzido pela iniciativa MapBiomas.
A propriedade em São Félix do Xingu, uma das capitais brasileiras da pecuária, constou na relação de bens do parlamentar até a eleição de 2010. O preço da terra nua em São Félix se manteve em R$ 66.294,94. Exatamente o mesmo valor, centavo, por centavo, dos dois lotes de terra declarados no oeste e sudoeste do Pará em 2014 e 2018.
Foi em 2014 que o parlamentar catarinense declarou pela primeira vez dois lotes de terra nos municípios paraenses de Santarém (com 1.413,98 hectares) e Aveiro (com 1.381,416 hectares), ambos na Gleba Mamuru, que passou por concessão florestal. Esse modelo de gestão dá a empresas o direito de explorar “sustentavelmente” recursos florestais.
A distância entre Santarém e São Félix do Xingu é de 556 quilômetros em linha reta. Aveiro fica ao sul de Santarém, já na região sudoeste, mais próxima de São Félix. O tamanho da propriedade no Projeto Trairão, em São Félix, era de 2.861 hectares — apenas um pouco mais que os 2.795 hectares em Santarém e Aveiro.
De Olho nos Ruralistas mostrou, no ano passado, que deputados e senadores eleitos em 2018 concentram suas propriedades rurais nas fronteiras agropecuárias: “Mapa das Terras dos Parlamentares mostra que eles acumulam fazendas na Amazônia e no Matopiba“.
REGRA PARA FRIGORÍFICOS ERA AMEAÇA DURANTE PANDEMIA
A possibilidade prevista por Maldaner de restringir as pausas de trabalhadores de frigoríficos foi duramente criticada por associações profissionais, sindicatos e pesquisadores do mundo do trabalho. Eles apontaram que a mudança exporia ainda mais os profissionais ao risco de adoecimento, inclusive pelo novo coronavírus, já que a condição de trabalho do setor pode interferir na saúde do trato respiratório.
Frigoríficos das empresas BRF e JBS, em Santa Catarina e Rio Grande do Sul, foram interditados por se tornarem focos de transmissão do novo coronavírus, com relação direta com mais da metade dos casos de Covid-19 em algumas das cidades mais afetados pela pandemia nos estados, segundo o Ministério Público de Santa Catarina e o Ministério Público do Trabalho.
Isso porque os frigoríficos concentram grande quantidade de trabalhadores, em ambientes refrigerados sem circulação de ar. A Justiça aponta responsabilidade das empresas nas contaminações. Em Dourados, um dos principais municípios com população indígena no país, em Mato Grosso do Sul, foi um frigorífico o vetor da pandemia: “Contaminação em aldeia em Dourados (MS) começou na fábrica da JBS, diz cacique“.
Em março, a MP 927/2020, apresentada pelo presidente Jair Bolsonaro, teve forte repercussão por autorizar a suspensão do contrato de trabalho por até quatro meses sem salário. Após duras críticas de especialistas e instituições da sociedade civil, a proposta, prevista no artigo 18 da MP, foi revogada.
Em sua atuação como deputado, Maldaner defendeu que o Congresso seja o responsável pela demarcação das terras indígenas e pela criação de Unidades de Conservação, bandeiras da bancada ruralista.
Em 2016, durante a votação do pedido de impeachment de Dilma Rousseff, ele votou sim, a pedido da filha. Foi um presente de aniversário para ela, que completava 15 anos.
| Sarah Fernandes é repórter do De Olho nos Ruralistas |
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