Pandemia entre indígenas já atinge sete dos nove estados do Nordeste

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Povo Fulni-ô, em Pernambuco, tem maior número de mortes no NE. (Foto: Coletivo Thul’sê Audiovisual)

Somente Piauí e Sergipe ainda não têm etnias com casos de Covid-19, porque os próprios povos decretaram lockdown no início da crise; levantamento do De Olho nos Ruralistas mostra ainda que o Ceará lidera o número de infectados; Pernambuco já tem dez mortes

Por Maria Fernanda Ribeiro

Os casos de coronavírus entre indígenas já atingem sete dos nove estados do Nordeste. Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte somam 186 casos e 25 óbitos. O Ceará ocupa o primeiro lugar no ranking de infectados, com 96 registros. Pernambuco lidera o número de mortes, com dez casos. Somente no Piauí e em Sergipe não há registros da Covid-19 entre as etnias.

O levantamento realizado pela reportagem do De Olho nos Ruralistas reúne os dados divulgados pela Articulação dos Povos e Organização Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme), da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) — que concentra os dados do Maranhão —, da Federação dos Povos e Organizações Indígenas do Ceará (Fepoince) e da Rede de Monitoramento de Direitos Indígenas em Pernambuco (Remdipe).

Dos quinze municípios cearenses com territórios indígenas, segundo o último boletim divulgado pela Fepoince, onze registram casos. São 162 confirmações (62 casos já recuperados) desde que a pandemia começou. A evolução nos casos da Covid-19 entre os indígenas no Ceará começou a entrar em alta na segunda semana de maio e ainda está crescendo. As cidades que concentram os maiores índices são Caucaia e Itararema.

‘ESTAMOS PEDINDO FORÇA AOS ENCANTADOS’

De acordo com Ceiça Pitaguary, coordenadora da Fepoince, a reação tardia de órgãos competentes como a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e a Fundação Nacional do Índio (Funai) deixou-os largados à própria sorte. “Esses órgãos nem se preocuparam em fazer o plano de contingenciamento nas aldeias”, afirma. “Nós, com o apoio da Arquidiocese de Fortaleza, começamos uma campanha de doação e conseguimos comprar cestas básicas, máscaras, kits de higiene e enviamos  para as aldeias”.

Ceiça Pitaguary: angústia. (Foto: Drawlio Joca/SPS-Ceará)

Ela conta como foi essa mobilização à margem do Estado:

— Se tivéssemos ficado esperando, estaria com o número de infectados mais elevado. Estamos nessa peleja de concentrar os parentes para ficar dentro de casa, mas muitos precisam ir para as cidades porque não conseguimos suprir tudo. Estamos pedindo forças aos encantados para que os nossos povos não sejam mais atingidos. Os casos e mortes nos angustiam bastante.

Somente no dia 8 de junho, a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) confirmou a morte de dois indivíduos no Ceará, sendo um indígena da etnia Tapeba, de 85 anos, e outro da etnia Anacé, de 51 anos. Também já foram registrados óbitos entre os povos Pitaguary e Tabajara. A agente de saúde indígena Daniela Teodozio Tabajara, 30 anos, foi a primeira indígena no Ceará com confirmação de óbito.

Conforme o De Olho nos Ruralistas divulgou, em maio, ela estava em uma ambulância sendo transferida para uma unidade hospitalar de alta complexidade em Sobral, no Ceará, quando o automóvel deslizou e caiu em um barranco. Ninguém se feriu, mas o acidente impediu que a profissional chegasse até o destino final. Com a saturação baixa, ela não conseguiu o respirador para tentar sobreviver à infecção pelo coronavírus.

BARREIRAS SANITÁRIAS EVITARAM MORTES

Em Pernambuco, a etnia mais atingida é a dos Fulni-ô, com quatro óbitos e 67 infectados desde o começo da pandemia. Espremidos em uma pequena aldeia com 7 mil moradores no município de Águas Belas, a 273 quilômetros da capital Recife, eles denunciaram a falta de máscaras, testes e álcool em gel. Os Fulni-ô são o único grupo do Nordeste que conseguiu manter viva e ativa a língua materna, o Ia-tê. Foi em Pernambuco que também morreu uma bebê de três dias, da etnia Pipipã.

O último boletim divulgado pela Remdipe informa que os Fulni-ô, a partir de suas articulações com o município de Águas Belas e com o Distrito Sanitário Especial Indígena, conseguiram aumentar a testagem, o que resultou no aumento de casos identificados. Apesar desse aumento, há relatos de que atualmente poucos apresentam sintomas.

As barreiras sanitárias, realizadas pelas próprias comunidades, continuam sendo a principal estratégia de enfrentamento ao avanço da pandemia nas terras indígenas. Segundo Alexandre Pankararu, da Apoinme, a pandemia não chegou entre os indígenas do Piauí e do Sergipe porque eles decretaram o próprio lockdown desde o início da pandemia.

Maria Fernanda Ribeiro é repórter do De Olho nos Ruralistas |

Foto principal (Coletivo Thul’sê Audiovisual): Povo Fulni-ô tem o maior número de mortes no Nordeste

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