Governo reduziu de 500 metros para 250 metros distância mínima de povoados para a pulverização aérea; ONG diz que medida foi feita sob medida para atender o Vale do Ribeira, onde Bolsonaro e família têm ligações diretas com bananeiros e pulverizadores
Por Leonardo Fuhrmann
Uma chuva de agrotóxicos na cabeça das populações rurais. É assim que o Greenpeace vê a decisão do governo Bolsonaro de reduzir de 500 metros para 250 metros a distância mínima para pulverização aérea nos cultivos de banana. A instrução normativa foi publicada em abril e entrou em vigor no mês passado. “Tínhamos um limite já perigoso, hoje, se tornou, vergonhoso e chega a ser criminoso”, diz a nota da organização ambiental, que destaca ainda a decisão do governo de fazer tal liberação bem na época da pandemia de Covid-19.
De Olho nos Ruralistas mostra, desde a campanha eleitoral de 2018, as conexões entre Jair Bolsonaro e os fazendeiros do Vale do Ribeira, inclusive da própria família: “Bolsonaro pressionou Ministério da Agricultura para facilitar agrotóxicos a aliados em SP“. O Greenpeace lembra que a pulverização já é perigosa em si, tanto que é proibida em países da União Europeia, por exemplo, desde 2009: “Pulverização aérea de agrotóxico nos bananais, ampliada por Bolsonaro, é proibida na UE desde 2009“.
Pesquisas de organizações ligadas aos agrotóxicos e ao agronegócio estimam que 30% do material aplicado vai para a água e o solo quando a aplicação é feita corretamente. Dependendo das condições climáticas e da altura em que a aplicação é feita, diz a ONG ambientalista, esse percentual pode chegar a 70%. As falhas de monitoramento, fiscalização e controle no Brasil podem tornar a situação mais grave.
Em julho de 2018, a Human Rights Watch publicou um relatório sobre contaminações causadas pela pulverização e fez uma série de recomendações aos órgãos públicos. Entre elas estava a suspensão da pulverização aérea pelo menos até a realização de um estudo de impactos ambientais e à saúde humana, além da proibição de substâncias altamente tóxicas. O contrário do que tem sido feito.
LOBBY DOS VENENOS VETA INICIATIVAS LOCAIS DE CONTROLE
Para Marina Lacôrte, porta-voz da Campanha de Agricultura e Alimentação do Greenpeace, a mudança foi feita sob medida para atender os interesses dos bananicultores do Vale do Ribeira. “É uma região cheia de pequenos povoados, o que dificultava, e até inviabilizava, em muitos casos, o uso da pulverização aérea”, afirma. Entre as populações que serão atingidas estão comunidades tradicionais e originárias. Ali existem dez aldeias Guarani Mbyá e Ñandeva, mais de oitenta comunidades caiçaras e 98 dos 142 territórios quilombolas existentes no estado de São Paulo, 36 deles oficialmente delimitados.
Marina lembra que muitos estados e municípios fizeram leis ou tentaram fazer leis para restringir a pulverização aérea. “Muitos desses projetos acabam vetados ou seu efeito é suspenso por determinação judicial. Existe um lobby muito forte em favor dos agrotóxicos”, diz. A situação pode ficar ainda pior caso o pacote do veneno seja aprovado no Congresso. A proposta impede que estados e municípios criem restrições próprias ao uso dessas substâncias.
Região mais pobre de São Paulo, com municípios com baixo índice de desenvolvimento social, o Vale do Ribeira tem a produção de banana como uma de suas mais importantes atividades econômicas. Segundo dados do Instituto de Economia Agrícola de São Paulo (IEA-SP), o estado foi, em 2018, o segundo maior produtor de bananas do país, atrás da Bahia. O Vale do Ribeira foi responsável por quase 68% da produção paulista naquele ano.
OBSERVATÓRIO ALERTA SOBRE O TEMA DESDE A CAMPANHA
Como tem mostrado o De Olho Nos Ruralistas, a medida que amplia o alcance da pulverização beneficia diretamente aliados de Bolsonaro. Desde que foi eleito, o presidente tem recebido empresários do setor, em reuniões com a presença da ministra da Agricultura, Tereza Cristina. Foi o caso de Rene Mariano, produtor e dono de uma empresa de pulverização aérea na região. Outro participante das reuniões é Valmir Beber, que foi candidato a deputado federal com o apoio direto do clã Bolsonaro. Ambos têm em comum o histórico de infrações ambientais.
O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) afirma, em nota enviada ao observatório, que a nova instrução atende demanda apresentada pela Confederação Nacional dos Bananicultores do Brasil (Conaban) em 2017, “mais de um ano antes do início da atual gestão”. O presidente da Conaban, naquele ano, presidia também a Associação dos Bananicultores do Vale do Ribeira (Abavar), em São Paulo, e a Cooperativa Mista dos Bananicultores do Vale do Ribeira (Coopervale): fazendeiro na região, Jeferson Reginaldo Magário é dirigente do PSL na região, com a bênção da família Bolsonaro.
Segundo a geógrafa Larissa Mies Bombardi, autora da publicação Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia, a produção de banana é a terceira que mais recebe agrotóxicos no estado de São Paulo, atrás apenas da cana-de-açúcar e da laranja. Em 2017, dos 44 agrotóxicos cujo uso era autorizado para a cultura no Brasil, 7 eram proibidos pela União Europeia. “No caso da banana, a pulverização é feita com inseticidas, que são neurotóxicos e também causam desregulação endócrina”, diz a pesquisadora.
Apesar de ter uma política rigorosa para o uso de agrotóxicos em seu território, a União Europeia não controla os produtos fabricados por empresas de seus países, como mostrou um estudo recente do Greenpeace da Alemanha. Muitas vezes, os agrotóxicos proibidos chegam a ser produzidos em território europeu e exportados para países com legislação mais permissiva, caso do Brasil. Nas regiões em que são utilizados, esses agrotóxicos causam danos à saúde das pessoas, contaminação da água e do solo e desequilíbrio ambiental, como a mortandade de abelhas no Rio Grande do Sul.
Foto principal (Greenpeace): Marina Lacôrte com deputados ambientalistas em Brasília
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