Presidente da Funai vai ao Mato Grosso e prefere se encontrar com ruralistas

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Em meio às mortes de indígenas por Covid-19, Marcelo Xavier se encontrou com representantes da Federação da Agricultura e Pecuária e falou em “nova Funai”; diretor da instituição assinou TAC após ser flagrado pela Operação Polygonum por fraudes no CAR

Por Poliana Dallabrida

Enquanto o número de indígenas mortos pelo novo coronavírus chegou a 85 em Mato Grosso, segundo o último boletim divulgado pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), o presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Marcelo Xavier, encontrou espaço na agenda para se reunir com fazendeiros do estado.

Em visita à Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso (Famato), realizada na terça-feira (01), Xavier ouviu as demandas do setor e citou uma “nova Funai” ao falar dos planos de sua gestão:

Xavier e Tomain: planos para incentivar agronegócio em terras indígenas. (Foto: Funai)

— A Nova Funai trabalha para que os indígenas conquistem a autonomia a partir de atividades sustentáveis, o que requer planejamento e qualificação. Estamos buscando parceiros que possam contribuir nesse sentido, como é o caso da Famato.

Entre os “parceiros” presentes no encontro estava Vilmondes Sebastião Tomain, diretor administrativo e financeiro da federação. Tomain mora em Cuiabá e é dono de uma fazenda no município de Ribeirão Cascalheira. Em 2019, o Ministério Público Estadual de Mato Grosso (MPMT) identificou uma fraude nas informações do Cadastro Ambiental Rural (CAR) da propriedade.

O esquema revelado pela Operação Polygonum envolvia servidores da Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Sema), fazendeiros e engenheiros florestais, beneficiando cerca de 280 propriedades com inconsistências nos dados cadastrais.

Segundo o MPMT, os engenheiros contratados pelos proprietários apresentavam informações falsas para o órgão ambiental com o objetivo de deslocar a localização do imóvel rural de áreas já desmatadas para outras em que a floresta ainda estava preservada. Com isso, os proprietários escapavam de multas e tinham o CAR regularizado pela Sema.

DIRETOR DA FAMATO RECONHECEU ERRO E ASSINOU TAC

Em abril de 2019, Tomain assinou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o MPMT reconhecendo ter desmatado 17,5 hectares sem autorização do órgão ambiental e sem o pagamento de reposição florestal entre 2009 e 2010. No acordo, o fazendeiro se comprometeu a corrigir as informações apresentadas ao sistema estadual do CAR e a recuperar a cobertura vegetal da área desmatada.

Operação Polygonum indiciou 69 infratores ambientais por fraudes no CAR. (Foto: Sema)

Na reunião com Xavier, o fazendeiro afirmou que a Famato tem interesse na qualificação de produtores rurais “índios ou não índios” para “produzir mais em menos”.

Até 2019, Tomain foi presidente do Sindicato Rural de Barra do Garças (MT), um município familiar ao presidente da Funai. Marcelo Xavier foi chefe da Delegacia da Polícia Federal no município entre 2012 e 2017. Na função, Xavier comandou o processo de retirada de invasores da Terra Indígena Marãiwatsédé, nos municípios de Alto da Boa Vista, Bom Jesus do Araguaia e São Félix do Araguaia, no oeste de Mato Grosso, entre 2013 e 2014.

A pedido do procurador Wilson Rocha Fernandes Assis, representante do Ministério Público Federal (MPF) no processo de desintrusão da TI, Xavier foi afastado da operação. Segundo o procurador, interceptações telefônicas indicaram que Xavier era visto como um aliado pelos invasores de terras: “Esplanada da Morte (II) — Chefe da Funai foi aliado de invasores de terra indígena no MT“.

O presidente da Funai nega e afirma que as acusações são “afirmações levianas, absurdas e abusivas, típica de pessoas desqualificadas e que por isso mesmo não merecem crédito algum”.

GESTÃO BOLSONARO QUER AGRONEGÓCIO EM TERRAS INDÍGENAS

O estado de Mato Grosso é central para a ideia de “etnodesenvolvimento” proposta por Marcelo Xavier, segundo a qual os povos indígenas terão melhores condições de vida ao abrir suas terras para o agronegócio e a mineração.

Em fevereiro, durante um encontro com indígenas de ao menos nove etnias, o presidente da Funai afirmou que mesmo pequenas áreas de terras podem ser usadas para a agricultura dentro dos territórios. “Com pouco espaço, você proporciona não só autonomia e desenvolvimento, mas acima de tudo dignidade às famílias indígenas”, ressaltou na ocasião.

Mauro Mendes e Marcelo Xavier discutem “etnodesenvolvimento”. (Foto: Michel Alvim/Secom-MT)

Entre os presentes na reunião, estavam membros da etnia Paresí, que desde 2003 arrendam parte de seu território para a produção de grãos, incluindo a soja transgênica, cujo plantio é proibido pela Lei nº 11.460/2007, o que levou o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) a autuar dezesseis fazendeiros em 2018: “Funai e Incra certificam latifúndio em território dos ‘índios sojeiros’“.

Um dia antes da reunião com a Famato, no dia 31 de agosto, Xavier se encontrou com o governador de Mato Grosso, Mauro Mendes (DEM), para discutir a política indigenista do estado. Os dois assinaram um protocolo de intenções que, entre os itens prioritários, lista o “incentivo ao desenvolvimento de atividades produtivas nas aldeias”.

A visita ao estado incluiu ainda uma homenagem concedida pela Assembleia Legislativa do Estado a Xavier pelo trabalho realizado à frente da Funai. Em junho, a casa havia aprovado o Projeto de Lei Complementar (PLC) nº 17/2020, que autoriza o registro de propriedades em sobreposição a 27 terras indígenas em fase de estudo, delimitadas ou declaradas pela Funai no estado: “Assembleia do Mato Grosso aprova em 1º turno projeto que incentiva invasão de Terras Indígenas“.

O projeto, de autoria do governador Mauro Mendes, repetiu os princípios da Instrução Normativa nº 9/2020, escrita a quatro mãos por Xavier e pelo secretário de Assuntos Fundiários e ex-presidente da União Democrática Ruralista (UDR), Luiz Antônio Nabhan Garcia.

VISITA INCLUIU UM DOS MAIORES PECUARISTAS DO ESTADO

A visita contou com a presença de outro grande expoente do agronegócio mato-grossense. Francisco Olavo Pugliesi de Castro, conhecido como Chico Paulicéia, é vice-presidente da Famato e vem de uma das famílias mais ricas da pecuária do estado. Durante os anos 90, seu pai, Antonio Luis de Castro, foi uma uma das principais referências na criação e nos leilões de bois nelore no país.

Com sua morte, em 2003, a antiga fazenda da família em Rondonópolis, a AL Paulicéia foi dividida entre Chico, que fundou a fazenda Chic Paulicéia, e a irmã Dora de Castro, cuja propriedade foi vendida em 2012 a um antigo assessor de Antonio Palocci, ministro da Casa Civil durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva.

Além da vice-presidência da Famato, Chico também é superintendente do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural de Mato Grosso (Senar-MT), vice-presidente da Comissão de Bovinocultura de Corte da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e conselheiro da Associação Brasileira de Criadores de Zebu (ABCZ).

A Funai foi procurada pelo observatório para comentar a visita à Famato e os planos para a “nova Funai”, mas não respondeu até o fechamento desta reportagem.

| Poliana Dallabrida é repórter do De Olho nos Ruralistas |

Foto principal (Funai): presidente da Funai em reunião com diretores da Famato

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