Órgão instaurou “notícia de fato” após publicação de reportagem do De Olho Nos Ruralistas; Luciano Alves, que atua em retransmissora pertencente à família do governador Ratinho Júnior, disse que “polícia pode descer a bala” em jovens Kaingang
Por Mariana Franco Ramos
O Ministério Público Federal (MPF) anunciou nesta quarta-feira (9) que instaurou um procedimento — que chama de Notícia de Fato — para apurar a prática de incitação de violência e discriminação contra indígenas por parte de policiais e jornalistas no Paraná. O procedimento foi aberto no dia 24 de novembro, após publicação de uma reportagem do De Olho Nos Ruralistas, que repercutiu a conduta racista do apresentador Luciano Alves, do programa Tribuna da Massa, da TV Naipi. Alves e a emissora, que pertence à família do governador Ratinho Júnior (PSD), têm 15 dias para se manifestarem.
No dia 17 de novembro, em transmissão ao vivo, o apresentador acusou os Kaingang, sem provas, de colocar óleo na pista da BR-277 para provocar acidentes e saquear os motoristas. E defendeu uma intervenção urgente das autoridades. O MPF destaca trechos das falas, reproduzidos na notícia do observatório, para embasar a investigação:
— Agora vai ter mais: a polícia pode descer bala. Agora é bala de borracha, é bomba, é gás em cima desses índios. E que sejam punidos. Vocês sabem das regras, vocês não andam pelados, com a cara pintada, não têm aquelas gotas de prato não. Então vocês prestem atenção. Vocês vão para a cadeia. Quadrilha!
Os programas são geralmente retransmitidos na íntegra no Facebook da TV Naipi. Após a repercussão do caso, contudo, a emissora retirou a edição do ar.
Os moradores da TI Rio das Cobras, entre os municípios de Nova Laranjeiras e Laranjeiras do Sul, na região central do Paraná, passaram a sofrer discriminação e ameaças, inclusive de morte, quando quatro jovens da comunidade foram presos. Os rapazes foram acusados de saquear a carga de um caminhão e de pisotear o corpo de um homem após um grave acidente na BR-277. Atualmente, 826 famílias — 3.326 pessoas no total — vivem no território.
‘SENTA O DEDO, PRF’, ESCREVEU POLICIAL EM GRUPO DE MENSAGENS
Na quinta-feira (03), o procedimento do MPF foi atualizado para verificar também a prática de incitação de violência e discriminação contra os indígenas por repórteres e policiais, depois que o site “Brasil de Fato PR” mostrou trechos de uma conversa entre agentes e jornalistas em um grupo de mensagens virtual. José Batista dos Santos, capitão da 6ª Companhia da Polícia Rodoviária Estadual (PRE) do Paraná, escreveu que a Polícia Federal (PF), a PRF e o Exército deveriam bater em indígenas até “deixar o lombo mais mole que a barriga”.
De acordo com o documento, outras frases discriminatórias foram proferidas virtualmente: “‘Esses seres’ não respeitam nada nem ninguém”, “Senta o dedo PRF”, “Fazer essas ‘coisas’ aprenderem na marra a respeitar a lei e os outros”, “Audácia, alguém tem q fazer alguma coisa, tá difícil” e “Essa gente vai acabar matando mais pessoas inocentes na rodovia”. O Comando da PRE e a Secretaria de Estado da Segurança Pública do Paraná (Sesp) têm quinze dias para se manifestarem.
| Mariana Franco Ramos é repórter do De Olho nos Ruralistas. |
Imagem principal (Reprodução/Globoplay): programa Tribuna da Massa, apresentado por Luciano Alves, é exibido ao vivo para Foz do Iguaçu e região
|| A cobertura sobre segurança e soberania alimentar durante a pandemia tem o apoio da Fundação Heinrich Böll Brasil ||