Estudo mostra que área desmatada da Caatinga fica em propriedades privadas

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Pesquisadores brasileiros identificaram que metade do bioma está destruído, mas que 90% das terras a serem restauradas têm “donos”; pecuária extensiva, ovinocultura e extração de madeira são os principais responsáveis

Por Mariana Franco Ramos

Um estudo publicado na revista científica Journal of Applied Ecology mapeou as áreas prioritárias para restauração da Caatinga, bioma exclusivamente brasileiro que já conta com 50% de seu território desmatado. A conclusão é de que as terras estão concentradas nas mãos de grandes e pequenos proprietários, em especial pecuaristas e madeireiros, responsáveis também pela devastação e pela desertificação de 13% do território.

A Folha repercutiu a pesquisa na segunda-feira. Este observatório ouviu um dos pesquisadores para identificar os principais responsáveis pela devastação do bioma, informação não explorada pelo jornal paulista.

Mapeamento da Caatinga. (Imagem: Reprodução)

O trabalho foi realizado entre 2014 e 2021, por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e das universidades federais do Rio Grande do Norte (UFRN) e do ABC (UFABC), e divulgado, em inglês, em março. A ideia é apontar caminhos, sobretudo aos governos federal, estaduais e municipais, para que espécies ameaçadas de extinção não sumam do mapa em um curto período.

O bioma foi dividido em 10.406 mil microbacias hidrográficas, classificadas em três critérios: o valor de cada uma para a conservação da biodiversidade de plantas endêmicas (que só existem nesses locais) ameaçadas, a quantidade de cobertura vegetal e a importância para a conectividade da paisagem. Segundo o levantamento, 939 das bacias são consideradas de alta prioridade para restauração, enquanto 86 foram consideradas de prioridade máxima.

“Devido a diversos estressores, como pecuária extensiva e ovinocultura, extração de madeira, infraestrutura, fogo, caça e outras atividades humanas, a maioria dos fragmentos de Caatinga sofre distúrbios antropogênicos crônicos”, diz trecho da publicação. “No entanto, nossos resultados apontam que 90% da área designada como alta prioridade para restauração está hoje em terras privadas”.

A Caatinga ocupa uma área de 844.453 km², no norte de Minas Gerais e em nove estados do Nordeste: Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia e Maranhão. Conforme o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), a área corresponde a 11% do território nacional e abrange cerca de 27 milhões de pessoas, a maioria delas dependente dos recursos do bioma para sobreviver.

PROFESSOR AFIRMA QUE HÁ MÁ DISTRIBUIÇÃO DE TERRAS NO BIOMA

Em entrevista por telefone ao observatório, o professor associado Carlos Roberto Fonseca, do Departamento de Ecologia da UFRN, contou que a pesquisa é resultado de diversos trabalhos. O dado sobre desmatamento, por exemplo, é de 2018. “O que sobra está distribuído em 47 mil fragmentos, ou seja, a Caatinga está bastante desmatada e também fragmentada”.

Posteriormente, os pesquisadores chegaram à conclusão, em 2020, que mesmo esses fragmentos estão muito perturbados. “As pessoas entram, caçam, retiram madeira, colocam gado e essas ações acabam perturbando o ecossistema natural”, explica Fonseca, um dos coautores do estudo.

“Dado isso, eu e o professor Eduardo Venticinque, da UFRN, coordenamos um exercício junto ao Ministério do Meio Ambiente que definiu as áreas de conservação do bioma”, completa. “E esse artigo de agora é complementar. Tem áreas que a gente precisa conservar e outras que a gente precisa restaurar”. Além deles, assinam o texto Marina Antongiovanni, Leandro Tambosi, Marcelo Matsumoto e Jean Paul Metzger.

Pecuaristas estão entre os responsáveis pela devastação da Caatinga. (Foto: Tamires Kopp/MDA)

ÁREAS ESTÃO SOB LEGISLAÇÃO DO CÓDIGO FLORESTAL, QUE RURALISTAS BUSCAM ALTERAR

Mas quem são os “donos” da Caatinga brasileira, geralmente pouco citados e responsabilizados? Segundo Fonseca, existe uma má distribuição de terras. “Alguns donos são de famílias tradicionais, que têm mais terras e mais poder dentro dos estados, e outros são micro-proprietários, que produzem lá”.

Essas áreas privadas estão sob legislação do Código Florestal, conjunto de normas prestes a completar dez anos, que legisladores ligados ao agronegócio mais uma vez buscam modificar. De Olho nos Ruralistas mostrou, na semana passada, que a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) destacou dois expoentes da bancada para articular a aprovação de projetos que enfraquecem o Código e anistiam desmatadores.

Ruralistas comemoram mudança no Código Florestal. Vitória esmagadora. 25/04/2012. Foto: J.Batista/Câmara dos Deputados.
Ruralistas comemoram mudança no Código Florestal, em 2012. (Foto: J.Batista/Câmara).

O PL 2.374/2020, do campeão de desmatamento Irajá Abreu (PSD-TO), e o PL 1.282/2019, de Luis Carlos Heinze (PP/RS), o arrozeiro negacionista, estavam na pauta da reunião da Comissão de Reforma Agrária e Agricultura (CRA) da última quinta-feira (19), que acabou adiada. Ambos são considerados preocupantes por líderes e organizações ambientalistas.

Leia mais aqui.

CRIAÇÃO DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO ESTAGNOU NOS ÚLTIMOS DEZ ANOS

O professor destaca a importância da implementação de políticas públicas e do cumprimento da lei. “Há ali as reservas legais e as áreas de preservação permanente, que deveriam estar conservadas, exatamente para se garantir a existência da biodiversidade”, comenta. “Se a gente desmata do lado dos rios, sobra menos água para a população”.

Pesquisadores trabalharam com 350 espécies de plantas ameaçadas. (Foto: ICMBio)

“Como fazer que respeitem o Código e que haja incentivo para que restaurem essas áreas desmatadas?”, questiona, em referência aos proprietários das terras. Por outro lado, ele lembra que a Caatinga tem uma rede de restauração muito pobre, com poucas unidades de conservação, e que isso é histórico.

“Na época do Fernando Henrique e do primeiro governo Lula, houve um avanço bastante significativo, principalmente na Amazônia, depois, com a Dilma, estagnou, e hoje deixou de ser política nacional”, conta. “Essas unidades de conservação, que podem ser federais ou estaduais, são fundamentais para se manter a biodiversidade”.

Fonseca destaca que estamos na década da restauração da Organização das Nações Unidas (ONU). “O mundo todo está fazendo esse esforço para conter a crise climática e tentar ir contra o declínio da perda da diversidade”.

Os pesquisadores trabalharam com 350 espécies de plantas ameaçadas. “Para se ter uma ideia, tem uma área na Bahia, na Chapada, com mais de cem espécies ameaças numa única área”, afirma o professor da UFRN. “O governo federal ou o estadual poderia muito bem fazer uma unidade de conservação ali e, mesmo assim, ações de restauração para evitar que essas espécies desapareçam do mundo”, opina. “É nossa responsabilidade”.

| Mariana Franco Ramos é jornalista. |

Foto principal (Divulgação/Fundaj): Caatinga compreende 11% do território nacional e abrange cerca de 28 milhões de pessoas

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FPA destaca ruralistas “raiz” para alterações no Código Florestal

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