Madero: o hambúrguer com sabor de desmatamento

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Obsessão de Junior Durski pela madeira vai além do nome do restaurante e de sua decoração; empresário e sua família têm histórico de destruição ambiental e ligações com acusados de grilagem e assassinato de camponeses

Por Juliana Fronckowiak, de O Joio e o Trigo, e Leonardo Fuhrmann, do De Olho nos Ruralistas

Junior Durski: madeireiro e bolsonarista. (Foto: Divulgação)

A relação do empresário Luiz Renato Durski Junior, o Junior Durski, com o ramo da madeira fica evidente no nome do seu negócio mais vistoso atualmente: a rede de hamburguerias Madero. Porém, as atividades de Junior e de sua família envolvem desmatamento e acusações de fraude documental, principalmente para a exportação de madeira de lei e de árvores ameaçadas de extinção. Não é só isso: há ligações com grileiros e acusados de assassinato de camponeses.

Além dos negócios, Durski chamou a atenção para si por declarações políticas no início da pandemia de covid-19, quando deu seu apoio ao presidente Jair Bolsonaro e com manifestações contra o isolamento social como forma de reduzir a velocidade de contaminação pelo vírus.

“Estou 100% com Bolsonaro”, disse no início de março de 2020. No final daquele mês, falou sobre o isolamento social em um vídeo publicado em seu perfil do Instagram. Para ele, o Brasil não poderia parar porque “5 ou 7 mil pessoas morrerão”. Depois de suas afirmações serem divulgadas, ele se disse triste por considerar que sua declaração havia sido “distorcida”. Depois disso, um ano e meio se passou e a pandemia de covid-19 matou mais de 600 mil pessoas no Brasil, em um dos maiores descasos governamentais da história do país.

Apesar de a gastronomia ser a aposta mais recente de Durski como empresário – e com maior visibilidade, óbvio –, foi a exploração de madeira na Amazônia que bancou, em parte, seus investimentos no ramo de fast food – assunto que será abordado em outra reportagem.

EMPRESÁRIO PERTENCE À 5ª GERAÇÃO DE FAMÍLIA ‘ERRANTE’

A Polônia passou 123 anos sendo disputada por Prússia, Rússia e Áustria. Em busca de mais liberdade, os recém-casados Jerônimo Durski e Vitória, filha de um conde, decidiram emigrar para o Brasil. O objetivo era fugir das guerras na região.

Revoltada com a ideia de que Jerônimo trouxesse a filha para cá, Pelágia, a condessa, amaldiçoou o noivo: “Tua família haverá de ser errante até a quinta geração”, profetizou.

Mesmo assim, Jerônimo e Vitória viajaram. Tiveram José, que por sua vez teve o Juca, que teve o Renato, que teve o Luiz Renato Durski Junior, o dono da rede do Madero. Jerônimo é trisavô de Durski Junior, que é, portanto, da quinta geração dos errantes. O empresário teve cinco filhas: duas do primeiro casamento, com Giselda Ditzel – filha de tradicionais madeireiros de Prudentópolis –, e três do segundo, com Kethlen Ribas.

Jerônimo e Vitória chegaram de navio, junto com imigrantes alemães, à Colônia Dona Francisca, onde fica hoje o município de Joinville, em Santa Catarina, em 1851. São considerados oficialmente os primeiros poloneses vindos ao Brasil.

ERVA-MATE, POLÍTICA E MADEIRA

Com dificuldades de adaptação às colônias alemãs, os poloneses passaram boa parte da vida migrando para outros municípios, principalmente no estado do Paraná. Pouco se sabe sobre a vida de Vitória, mas Jerônimo Durski é nome de uma rua importante em Curitiba. Músico e professor, o polonês é também conhecido como autor da primeira publicação didática polono-brasileira, chamada Manual para as Escolas Polonesas no Brasil, vendida aos imigrantes que chegavam da Europa e não sabiam falar português.

Antepassado de Junior Durski foi figura importante da comunidade polonesa no Brasil. (Imagem: Reprodução)

A história conta que o casal permaneceu algum tempo na Colônia Tomás Coelho, em Curitiba, no Paraná. Foi quando Jerônimo começou a criar relações com o governo brasileiro.

No final do século 19, o coronel José Durski, filho de Jerônimo e Vitória, foi um dos chefes da colonização, participando da grande migração dos poloneses em direção a Prudentópolis, Paraná, onde a família permaneceu por anos.

O livro As Linhas de Prudentópolis, de Luiz Francisco Guil, conta que, naquela época, o governo concedia um lote de dez alqueires de terras para cada família de colonos. “O coronel José Durski, que mantinha um diálogo intenso entre os colonos e os agentes federais, registrou sete lotes em seu nome”. Isso não era comum. O segundo colono a adquirir mais lotes foi o padre ucraniano Silvestre Kisyma, com seis registros.

Em poucos anos, José prosperou como comerciante de erva-mate e construiu um pequeno império econômico e político. Em 1906, foi escolhido como camarista – uma espécie de prefeito – da cidade. Foi o início da trajetória política da família.

Na década de 1920, o filho de José, Juca, se elegeu prefeito de Irati, município vizinho de Prudentópolis, também no Paraná. Lá, foi um dos criadores da Moageira, indústria de trigo. No entanto, o que vingou foi um escritório de contabilidade em Prudentópolis, mais tarde herdado pelo filho de Juca, Luiz Renato Durski.

Além do escritório de contabilidade, Luiz Renato tentou vários negócios, mas fracassou. Construiu depósito de bebidas, granjas de porcos, fábrica de brinquedos e algumas serrarias. Somente o escritório de contabilidade sobrevivia e, assim, a família mantinha o elevado padrão de vida. Casou-se com Maria Ossowski, do município de Reserva, Paraná, com quem teve os filhos Mônica, Simone, Luiz Renato Durski Junior e Dalton.

Prefeito Coronel José Durski e vereadores. (Fonte: Luiz Francisco Guil)

DE VEREADOR A MADEIREIRO

Junior Durski acompanhou desde cedo as atividades do pai. E quando este se endividou, em 1983, presenciou um oficial de Justiça levar caminhões, carros, geladeira e camas da casa. Recém-formado em Direito e eleito vereador de Prudentópolis, Junior, já com conhecimentos de alguns procedimentos “legais”, escondeu o maquinário e as telhas de uma das serrarias na propriedade de um conhecido empresário de Imbituva.

“Meu avô foi o primeiro prefeito da cidade”, disse Junior Durski em uma entrevista à TVE Paraná, em 2013. “A família era muito conhecida, mas porque eu fazia Direito, eu estagiava no escritório de um grande advogado que tinha em Curitiba, que trabalhava em Prudentópolis, doutor Josué Corrêa Fernandes, e ele tinha sido prefeito da cidade”. “Como eu estagiava no escritório de advocacia, ele foi candidato a prefeito e me convidou para ser candidato a vereador para ajudá-lo na eleição”, revelou.

Apesar de ter se tornado uma figura conhecida nacionalmente, Durski ainda tem uma trajetória pouco conhecida. Os negócios com madeira fazem parte de sua história oficial, numa versão edulcorada e sem muitos detalhes, para reforçar a imagem de empreendedor. O paranaense foi eleito vereador aos 20 anos, pela antiga Arena, partido de sustentação da ditadura civil-militar. Dois anos depois, largou a política e decidiu ir para Machadinho D’Oeste, em Rondônia, município onde abriu uma madeireira e viveu por 15 anos.

Antes do Madero, Junior Durski foi candidato a vereador. (Foto: Divulgação)

“O ciclo da madeira no Paraná estava no fim e se falava muito na Amazônia. Naquele tempo, o presidente da República era o João Figueiredo, aquele governo militar, e tinha um chamamento: ‘Amazônia, ocupe ou perca’”, contou Junior Durski, também na entrevista à TVE Paraná. “Tinha um monte de incentivo pras pessoas do Brasil inteiro irem pra Amazônia. Eu acabei indo conhecer, me encantei – até por causa da madeira – e mudei pra Amazônia, mudei pra Rondônia, numa cidade chamada Machadinho D’Oeste, que tinha lá três mil pessoas, e fui ser madeireiro lá”.

Junior Durski afirmou, ainda, que foi garimpeiro. A história aparece quase como troça em uma entrevista que deu para a revista Poder, em 2018. Contou que comprava, nos garimpos de Rondônia, cassiterita – minério de onde se retira o estanho – para revender em São Paulo e outros mercados consumidores. Como os negócios eram feitos em dinheiro vivo, ele o colocava em um saco e andava sempre acompanhado de dois seguranças.

“Ele [Durski] lembra de um colega que fazia promoção de sua virilidade, ao dizer seguidamente que dispensava os seguranças. Um dia deu ruim: o trader tomou um tiro, caiu e morreu na hora. O ladrão pegou o saco de dinheiro e mal se preocupou com os seguranças de Durski, logo ao lado”, narra a reportagem, com base no relato do empresário.

A ATUAÇÃO EM MACHADINHO D’OESTE

Machadinho D’Oeste é um município cercado de áreas de preservação ambiental, como o Parque Nacional dos Campos Amazônicos, o Parque Estadual Tucumã e as Florestas Nacionais Jamari e Jacundá.

Nesse município, em 1996, Durski deixou a primeira marca como madeireiro: a devastação do meio ambiente. O Ibama aplicou duas multas à empresa Luiz Renato Durski Junior Madeiras, fundada em 1989 em Machadinho D’Oeste, por destruição de vegetação no município. Outras duas multas foram aplicadas em Várzea Grande, no Mato Grosso, cujos valores são cobrados na Justiça. Durski conseguiu cancelar outras três multas naquele ano no município mato-grossense sob a alegação de duplicidade.

Desmatamento em Machadinho D’Oeste (RO). (Foto: Patrulha Ambiental da Brigada Militar)

Em 1997, foram mais doze multas, em Machadinho, Ariquemes e Vilhena, na mesma região de Rondônia. As duas de valor mais alto são de R$ 5,8 mil cada uma. Uma delas, segundo o site do Ibama, ainda está em fase de recurso no processo administrativo. A outra, está sendo cobrada na Justiça. Durski voltou a ser autuado por desmatamento em 1998 e 1999. Ao todo, superam R$ 196 mil em multas não pagas, com valor atualizado pelo IGPM até março deste ano. Veja os relatórios das autuações ambientais aplicadas a Durski.

Mas Junior não foi o pioneiro em multas por desmatamento: sua família já teve, pelo menos, dez empresas de extração, beneficiamento ou exportação de madeira nos estados de Rondônia, Mato Grosso e Paraná, das quais duas permanecem em atividade. Nem todas essas empresas foram criadas em nome dele, mas as que eram registradas em nome da mãe ou da ex-mulher tinham a nítida participação de Junior.

Mais: um ano antes de suas primeiras multas, o irmão Dalton foi multado por desmatamento em Machadinho D’Oeste. Foi em 1995, uma autuação de R$ 30 mil. Dalton permanece até hoje com empresas de máquinas e terraplanagem em diferentes estados, mas, assim como Junior, é também chef de cozinha. Daquela época até hoje, outros integrantes da família entraram no negócio de madeira, como a irmã Simone Durski e a mãe, Maria Ossowski Durski.

Analisamos vários processos que correm nos tribunais federais do Mato Grosso, do Paraná e de Rondônia, que envolvem empresas ativas e baixadas em nome da família Durski.

Autuação mais recente do Ibama contra família Durski. (Imagem: Ministério do Meio Ambiente)

O DESTINO É A CHINA, MAS COM ESCALA EM MATO GROSSO

De todas as empresas da família Durski ligadas à atividade madeireira, três são as que mais movimentaram capital e chamaram a atenção nacional e internacional: a MGM Agroflorestal, Industrial e Exportadora, sediada em Colniza, a AXN Madeiras, de Várzea Grande, ambas em Mato Grosso, e a Marine Box, de Curitiba, no Paraná.

Emancipada de Aripuanã em 1998, Colniza foi considerado o município mais violento do país em 2007, pelo Mapa da Violência, da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), como divulgado pelo G1. A região norte mato-grossense, especialmente nas proximidades da divisa com o estado do Amazonas, é um dos locais onde se verificou, em 2017, uma das maiores taxas de desmatamento do país.

Isso porque elas exportavam grande parte da produção para a Shanghai Anxin Flooring Co. Ltd. e a A&W Woods Co Ltd nos anos 2000, a maior importadora de madeira do Brasil bem no início da demarcação de uma Terra Indígena (TI) dos Kawahiva de Rio Pardo, em Colniza. Era uma época em que os conflitos agrários e indígenas estavam muito violentos nessa região.

Segundo uma reportagem publicada na revista Remade – a Revista da Madeira, em 2003, a Marine Box se dedicava notadamente ao mercado chinês, embora declarasse também negócios com a Europa, com Israel e os Estados Unidos. A empresa destinava ao mercado chinês 70% da produção brasileira, o que, naquele ano, representou 300 contêineres por mês. A trading, fundada em 1999 pela família Ditzel, ostentava no escritório a logomarca da Anxin Flooring Co. E, por mais que Durski tenha passado um bom tempo estampando o nome de Bolsonaro na sua biografia do Instagram, o apoiador do atual presidente do Brasil enfeitava a parede da sala de reuniões da empresa com a figura de Weiguang ao lado do presidente Lula e do diplomata Rubens Ricupero.

Durski Junior (de calça jeans) ao lado de Lu Weiguang, observados por Blairo Maggi, no Palácio Paiaguás. (Foto: Ednilson Aguiar/Secom-MT)

É nessa fase que começa a aparecer a relação de Durski com o empresário chinês Lu Weiguang, dono da produtora de pisos de madeira e importadora Shanghai Anxin – considerado em 2006, segundo a revista Forbes daquele ano, um dos 400 empresários mais ricos da China. Mais do que fornecedor de madeira a Lu Weiguang – que, nos anos 2000, era o maior importador de madeira bruta brasileira –, o empresário paranaense passou a ser apresentado como o braço direito dele no Brasil.

Uma das moradoras mais antigas de Prudentópolis, que não quis ter o nome publicado, contou a seguinte história à nossa reportagem, que ilustra um pouco dessa relação:

“Uma vez, eu estava aqui em casa e a mãe do Junior veio me visitar… E veio com ela uma chinesa. Pelos gestos, a gente mais ou menos se entendeu. Aí, eu fiquei sabendo que essa chinesa era mulher de um dos clientes do Junior e essa mulher tinha se mudado para o Brasil porque na China não podia ter o segundo filho. Ela ficou grávida e veio pro Brasil, teve o filho dela aqui, junto com a mãe do Junior, que atendeu ela no parto. Depois que o filho dela nasceu, eles voltaram para a China, porque, daí, tinham mais um filho brasileiro, não era chinês”.

A CHINA E A MADEIRA DO BRASIL

A relação de Junior Durski com os chineses se tornou cada vez mais estreita. Em 2001, Junior Durski levou empresários brasileiros a Xangai e Pequim. Depois, trouxe comerciantes chineses para fechar negócios no Brasil. Ele também administrava a AXN Madeiras Ltda., de Várzea Grande, negócio registrado em nome da mãe, Maria Ossawski Durski, e a MGM Agroflorestal, Industrial e Exportadora Ltda.

A MGM, com sede e filial em Colniza, foi fundada em 2003. Maria Ossowski Durski, representada no ato pelo filho, abriu uma sociedade limitada com Siderlei Luiz Mason e Gentil Perdoncini nesse município.

Em abril de 2002, quando a Presidência da República era ocupada por Fernando Henrique Cardoso (PSDB), o então ministro Sérgio Amaral, do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) – extinto em janeiro de 2019 –, foi à China discutir sobre a criação de um conselho binacional de empresários.

Novos encontros ocorreram até abril de 2004, quando uma delegação chinesa veio ao Brasil. O empresário Luiz Fernando Furlan já havia assumido o MDIC. A comitiva, formada pelos maiores e mais influentes grupos chineses da mineração, aço, aviação, silvicultura e outros setores, foi recebida pelo então presidente Lula durante um café da manhã. Entre eles, estava a Shanghai Anxin Flooring Co. Ltd.

Weinguang ao lado de Lula, florestas virgens e de toras de madeira aparentemente vindas do Brasil. (Fotos: Axinfloors)

Na época, Durski chegou a participar, ao lado de Lu, de reuniões com autoridades brasileiras. O chinês se encontrou com o então governador gaúcho Germano Rigotto (MDB) e, posteriormente, com Blairo Maggi (PP), grande produtor de soja e ministro da Agricultura no governo Michel Temer, à época governador do Mato Grosso. No encontro com Maggi, o proprietário da Anxin anunciou investimentos de US$ 30 milhões para a instalação de uma fábrica de assoalhos no Mato Grosso.

No entanto, os movimentos de Weiguang começaram a fazer barulho quando, em 2006,  o jornal O Globo publicou uma matéria sobre a possível compra de 100 mil hectares de floresta em uma área indígena do Mato Grosso pelo chinês. A notícia foi divulgada também pelo Instituto Socioambiental e por diversos veículos de comunicação e levou a Funai a interpelar o empresário judicialmente.

“Eu lembro desse chinês. (Risos) Eu lembro, porque, na época, tinha aprovado uma lei que podia comprar uma quantidade X de terra”, disse um funcionário da Funai por telefone à nossa reportagem. Ele, que preferiu não se identificar, prosseguiu: “Não daria pra comprar isso tudo. Mas esse chinês, eu não sei se foi através desse Durski ou do Marinho Brandão que ele comprou essas terras por aqui. Só que não foi pra frente. Ficou aquela conversa que comprou, mas nunca apareceu, não teve ninguém para ocupar as terras dele nem nada”.

A compra de parte da floresta foi contestada por Junior Durski meses depois, no Diário de Cuiabá. Ele disse desconhecer qualquer negociação envolvendo a compra de fazenda ou área de terras pertencentes a povos indígenas pela pessoa física do empresário Lu Weiguang ou pela pessoa jurídica Anxin Flooring. Seu secretário, na época Giovanni Miguel, considerou ter havido um mal-entendido, afirmando que, por ser chinês, seria  “absurdo” que Lu tivesse terras no Brasil e que a empresa localizada em Várzea Grande,  da qual o jornal O Globo fazia menção – a AXN –, não tinha nenhuma relação direta com a chinesa Anxin. “A relação existente […] é de natureza estritamente comercial”, disse.

E esse não foi o único envolvimento de Weiguang com indígenas. Ele patrocinou a viagem de cinco indígenas Bakairi da Reserva Pakuera, de Paranatinga (MT), para a China, entre março e junho de 2005. Os Bakairi não têm ligação com a suposta compra de terras por Weiguang, mas, entre março e junho de 2005, percorreram 14 municípios da China, apresentando danças e ritos tradicionais. A viagem foi autorizada pela Funai e assessorada pelo então superintendente de Políticas Indígenas do Mato Grosso Idevar José Sardinha.

Toda relação de Weiguang com os indígenas estimulou o Carlyle Group, um fundo de investimento privado estadunidense, a investir, em 2006, US$ 27,5 milhões para adquirir novas ações da Shanghai Anxin Flooring Co. Ltd.

Esse mesmo grupo de investidores tinha, em 2021, a segunda maior fatia do Madero. Era dono de 27,61% das ações da rede de fast food de Junior Durski e ainda fez um novo aporte no final do ano, após a desistência do IPO e um prejuízo milionário. O paranaense responde por 64,80% do total de ações.

VIOLÊNCIA E DESMATAMENTO CONTÍNUOS

Um relatório feito pelo Greenpeace em 2014 cita a Marine Box como exportadora de madeira extraída por madeireiros envolvidos em irregularidades no Pará, como Céser Busnello. Assassinado em 2012, o madeireiro era acusado de participar de um esquema de falsificação de documentos de manejo para vender madeira ilegal. Não é o único parceiro complicado dos negócios de Durski com madeira. Uma reportagem da Revista da Madeira de 2003 entrevistava outros dois fornecedores da Marine Box acusados de desmatamento ilegal: Valdir Capelasso e Atanázio José Schneider.

Capelasso foi condenado criminalmente em 2012 pela Justiça por venda de madeira ilegal. Schneider foi multado pelo Ibama, em julho de 2015, por desmatamento em Lábrea, no sul do Amazonas. As duas multas ainda estão em fase de recurso no processo administrativo e totalizam pouco mais de R$ 1,2 milhão. Em valor corrigido pelo IPCA, pouco menos de R$ 1,6 milhão.

Schneider também é citado no Mapa de Conflitos elaborado pela Fiocruz. Ele é acusado de ter grilado terras de um acampamento do Incra no município. “Desde então, os acampados passaram a sofrer diversos tipos de pressões e violências. Ao longo do processo, diversos trabalhadores foram assassinados ou sofreram algum tipo de violência física ou coação”, descreve o relatório. Schneider morreu em 2019.

Segundo dados do Programa de Cálculo do Desflorestamento da Amazônia (Prodes), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o Mato Grosso é o segundo estado com maior taxa de desmatamento acumulado na série histórica iniciada em 1988, com 31,93%, atrás apenas do Pará, com 34,57%. Isso se explica pelo modo como ocorreu a ocupação dessa área, caracterizada pelo avanço de empresas e grupos ligados ao setor madeireiro, ao agronegócio e ao extrativismo mineral. E em 2020, dado mais recente, o Mato Grosso foi o segundo estado com maior desmatamento no ano da região, com 16,39%.

Contínuos grupos de colonizadores saídos do Sul e Sudeste do país, interessados na exploração de recursos naturais, modificaram a economia local e, aos poucos, foram substituindo a população originária – pequenos grupos espalhados por grandes áreas.

Em 2008, Colniza foi incluída pelo Ministério do Meio Ambiente na lista dos municípios prioritários para ações de prevenção, monitoramento e controle do desmatamento na Amazônia. Lá, vive uma das últimas comunidades indígenas isoladas do Mato Grosso, os Kawahiva do Rio Pardo.

À esquerda, Weinguang e indígenas Bakairi e, à direita, indígenas Bakairi em Pequim. (Foto: Ascom/MT)

OS KAWAHIVA DO RIO PARDO

O povo Kawahiva é um dos 13 grupos indígenas em situação de isolamento no Brasil. O grupo do Rio Pardo é, ainda hoje, vítima de frentes de exploração florestal que têm como principais práticas a invasão e grilagem de terras públicas, o desmatamento ilegal e a pecuária extensiva.

A Terra Indígena Kawahiva do Rio Pardo se insere no centro do chamado “arco do desmatamento”, região que possui os maiores índices de derrubadas e degradação florestal do país e, por consequência, concentra elevado grau de conflitos fundiários. A etnia foi considerada pela Funai como uma das mais ameaçadas, embora exista um processo de regularização fundiária dos Kawahiva, iniciado há, pelo menos, 20 anos.

Em 1999, a Funai identificou os primeiros vestígios da existência da etnia no Rio Pardo. Os Kawahiva do Rio Pardo e os Piripkura seriam os últimos sobreviventes de povos que foram dizimados por décadas de exploração e de ocupação violenta de territórios.

Em maio de 2001, a área de mais de 400 mil hectares foi pela primeira vez interditada ao acesso de “pessoas estranhas”. A oposição da Sul Amazônia Madeiras e Agropecuária Ltda. (Sulmap), empresa possuidora de terras na área demarcada, foi imediata. Representantes do agronegócio local e estadual, como a Associação dos Proprietários Rurais de Colniza e a Federação da Agricultura e Pecuária do Mato Grosso (Famato), além de políticos de Colniza, intensificaram as pressões sobre a Funai. Iniciou-se, assim, em setembro de 2001, uma disputa jurídica entre a Sulmap e a Funai.

A juíza Maisa Giudice, da 17ª Vara Federal, concedeu uma liminar favorável à Sulmap, na qual suspendia a Portaria n° 447/2001, e obrigava os funcionários da Funai a saírem do local. Nesse período, o acampamento da equipe da Funai foi queimado por madeireiros que ameaçavam a equipe de campo. Os Kawahiva ficaram isolados e expostos a um elevado grau de vulnerabilidade socioambiental.

Em abril de 2002, a Funai conseguiu mudar o resultado, após entrar com recurso contra a decisão da juíza, mas, no mesmo mês, a madeireira conseguiu novamente suspender a interdição. Em fevereiro de 2003, a Funai recorreu mais uma vez ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região, conquistando decisão favorável à portaria.

Além da exploração intensiva da região por empresas madeireiras, havia relatos de que os Kawahiva seriam caçados e mortos por pessoas interessadas em impedir a demarcação da área.

Isolados, Kawahiva do Rio Parto sofrem com invasões. (Foto: Reprodução)

Em 2005, os funcionários da Funai Jair Candor e Rieli Franciscato identificaram um processo de grilagem no interior da área da TI Kawahiva do Rio Pardo. Segundo os funcionários, havia aberturas de lotes, picadas e estradas para extração de madeira no local executadas pela Associação dos Proprietários Rurais de Colniza (APRC). Eles também encontraram bombas caseiras.

A partir de fevereiro de 2006, o Ministério Público Federal no Mato Grosso caracterizou a atuação dos madeireiros e grileiros como genocídio, pois as invasões tinham o objetivo de expulsar os índios isolados do local, bem como exterminá-los.

Nessa operação, o MP protocolou uma medida cautelar (2005.36.00.015366-4), em outubro de 2005, contra a Associação dos Proprietários Rurais de Colniza, Claudinei Correia de Almeida e contra a MGM Agroflorestal, a empresa de Junior Durski. A Justiça Federal do Mato Grosso denunciou a empresa de Durski por homicídio simples e crimes contra a flora.

O processo correu sob sigilo e foi para a Justiça Federal em Mato Grosso em 2008, porém, em 2010, acabou arquivado.

Os funcionários da Funai sofreram e ainda sofrem ameaças dos madeireiros e proprietários rurais que, nesse longo período, conseguiram paralisar o processo de demarcação por meio de ações judiciais, alegando que há “muita terra para pouco índio”, bem como contestando a existência do povo isolado.

Foi somente em 2007 que a Funai publicou, no Diário Oficial da União, a Portaria nº 170, que estabelece restrições ao direito de ingresso, locomoção e permanência de pessoas estranhas na Terra Indígena dos Kawahiva e aumentou o território da TI de 116 mil para 411 mil hectares. No mesmo ano, houve acirradas disputas judiciais em torno desta portaria – entre madeireiros e fazendeiros com a Funai. Só em 2018, a Fundação finalizou o processo de desocupação de não indígenas na TI.

UMA BRIGA ANTIGA

Entre junho de 1999 e outubro de 2006, equipes da Funai realizaram 30 expedições a regiões entre os rios Guariba e Aripuanã, no Mato Grosso. Foram identificados 45 acampamentos, habitações permanentes e desmatamentos promovidos por madeireiros, fazendeiros, posseiros e grileiros.

À época, esses grupos ameaçavam exterminar índios isolados para evitar a consolidação da TI Kawahiva Rio Pardo, rica em madeiras de lei. No entanto, em março de 2001, a Funai restringiu o uso de uma área com 166 mil hectares e perímetro de 170 quilômetros para fins de estudos e ocupação da reserva nativa.

Dez trechos do Inquérito 519/2005 da Polícia Federal tratam de “notícias de que pessoas estão se associando a Associação dos Proprietários Rurais de Colniza, que com as empresas Madeireira Sulmap e MGM Agroflorestal, Industrial e Exportadora Ltda, estão coordenando ações para invadir e ocupar a TI Kawahiva do Rio Pardo, em Colniza/MT, que está sob a interdição da Funai, que busca reconhecer a existência de índios isolados na área, visando à exploração ilícita da floresta, sendo que essas mesmas pessoas estão adotando medidas visando ao genocídio do grupo indígena isolado ‘Baixinhos’ […]”.

O inquérito também pedia que fossem levantados dados pessoais e identificação de Siderlei Luiz Mazon, sócio de Durski na MGM. O fazendeiro teve prisão temporária solicitada pelo Ministério Público Federal, acusado por um funcionário da Funai de, junto a outros envolvidos, “estimular e fornecer meios para que uma frente de ocupação de grandes proprietários se instale nos limites e entorno da TI Kawahiva do Rio Pardo”.

A 1ª Vara Federal da Seção Judiciária do Mato Grosso expediu Mandado de Busca e Apreensão para Mason e também para Gentil Perdoncini, ambos sócios de Durski.

A “SAÍDA” DO RAMO

“Lá atrás, era bonito ser madeireiro […] Era um status muito bom”, diz Junior Durski em palestra na ExpoGestão 2017. “Mas chegou um momento que, quando eu falava que eu era madeireiro, era mais ou menos como um político sério, a gente sabe que tem, mas são exceções […] Eu falava que era madeireiro e o pessoal: ‘Onde você corta madeira? Na Amazônia?’ […] Pensei: eu tenho dois negócios: um da alimentação fora do lar, o Madero, e o outro é a madeireira. Pensei: alimentação fora do lar vai crescer cada vez mais. E, na madeireira, talvez eu vá preso. Então, pra evitar esse caminho, vou cortar por aqui […] Em 2011, deixei de ser madeireiro”.

Mas foi só em 2018 que Durski e sua mãe fecharam registros empresariais ou deixaram de constar como sócios de madeireiras. A Marine Box permaneceu com suas atividades. Em 2019, foi multada pelo Ibama em Paranaguá, em valor pouco superior a R$ 7 mil por estar de posse de madeira vinda de desmatamento. A empresa está em nome de Xavier Antoine Bazarra e Ulysses Sanches. O segundo já aparecia como diretor quando Durski e a primeira esposa estavam na empresa. Ambos constam como sócios de uma trading de madeira no Panamá, a Select Timber Company.

A panamenha é citada em relatório do Greenpeace de 2018 como receptadora de madeira de ipê originária de planos de manejo florestal sustentável, com suspeita de superestimativa de densidades de ipê em seus inventários, no período de março de 2016 a setembro de 2017. Ou seja, madeira com indícios de ter origem em desmatamento. A panamenha exportou mais de 130 toneladas de madeiras brasileiras nos últimos três anos (peso bruto), como maçaranduba, ipê e jatobá, segundo dados de mercado. A Marine Box exportou mais de 1.270 toneladas de madeiras nobres brasileiras de 2014 para cá.

MADEIRA DESDE SEMPRE

Além da Luiz Renato D J Madeiras, em 1994, entrou como sócio na Imatro, empresa de extração de madeira com sede em Ouro Preto do Oeste, também em Rondônia, na qual teve participação por pouco menos de dois anos.

A família Durski não se desligou totalmente do setor de madeira. Cícero Emmanuel Durski Santos e Deborah Crystina Durski Meirelles, sobrinhos de Durski, continuam como sócios da Cidemad, de Machadinho D’Oeste. Assim como as outras empresas citadas, seu nome é envolvido em diversas acusações de irregularidades. Em 2018, a empresa foi autuada em R$ 23 mil em Paranaguá, por posse de madeira ilegal. No mesmo ano foram duas multas em Manaus, que somam pouco mais de R$ 37,5 mil. No ano retrasado, recebeu uma multa de pouco mais de R$ 11 mil em Itajaí (SC), pelo mesmo motivo.

A empresa já havia sido investigada em 2017 pela Operação Arquimedes, da Polícia Federal e do Ministério Público Federal, que encontrou irregularidades no Documento de Origem Florestal (DOF) de madeira que seria exportada via Manaus para diversos países. A Cidemad também aparece, segundo o DOF, como fornecedora para uma empresa citada no relatório Madeira Manchada de Sangue, do Greenpeace. É a Cedroarana, do empresário Valdelir João de Souza, o Polaco, que conseguiu exportar madeira para os Estados Unidos mesmo quando estava foragido. Ele era acusado de ter articulado o Massacre de Colniza, em que nove camponeses foram torturados e mortos, em abril de 2017. De 2014 para cá, a Cidemad exportou mais de 5.600 toneladas de madeira, segundo levantamento feito pelo Greenpeace.

Junior também enfrentou problemas judiciais à frente do Madero. Ele foi condenado a pagar R$ 569 mil por conta de 80 autuações nas empresas do grupo por irregularidades trabalhistas.

Simone Durski, mãe de Débora e Cícero e irmã de Junior, também fundou, em 1994, a Beta Madeiras, em Campo Novo de Rondônia/RO, mas, em 2005, interrompeu as atividades após se envolver em um caso emblemático no município de Ouro Preto D’Oeste.

Por volta das 18h45 de 11 de outubro de 1999, Damião dos Santos Santana, que trabalhava na propriedade de Simone, retirou uma tora de madeira da serra e, ao empurrá-la para uma máquina que corta o topo das toras, a destopadeira, sua perna foi puxada. Ele sofreu uma amputação próxima ao joelho. Perdeu, naquele fim de tarde, cerca de 80% da perna direita. Na época, a propriedade de Simone Durski era usada para o armazenamento e beneficiamento de madeiras.

Damião foi admitido para trabalhar na propriedade da irmã de Junior Durski no dia 4 de outubro de 1999 e ganhava um salário mensal de R$ 155, pouco mais de um salário mínimo, cujo valor na época era de R$ 136,00.

De acordo com o primeiro processo, que corre no Tribunal de Justiça de Rondônia, Damião não usava botas antiderrapantes e nenhum outro equipamento de proteção individual nem havia recebido treinamento para exercer as atividades.

O processo aponta que ele “tinha a função de retirar a madeira serrada e transferir para a destopadeira”. Não havia carrinho de mão e tampouco as serras estavam protegidas para evitar qualquer contato dos operadores com as máquinas.

O advogado de Damião citou o artigo 159 do Código Civil brasileiro, que determina que o empregador tem o dever de prevenir os riscos das condições de trabalho, devendo fornecer os equipamentos de proteção individual para melhor segurança dos trabalhadores, além de treinamento específico para aqueles que operam em máquinas.

Simone teria de assumir, portanto, toda e qualquer responsabilidade pelos danos causados à integridade física de Damião. No entanto, o que ocorreu foi o contrário. Apesar da decisão favorável da Justiça de Mato Grosso a Damião, Simone entrou com um embargo e, mesmo perdendo o processo, mudou o nome da propriedade, que seria leiloada para pagar Damião, para o nome dos filhos, Deborah e Cícero.

Damião não quis falar com a reportagem por receio de retaliações, mas o advogado que responde por ele disse que, até hoje, o trabalhador não recebeu a indenização e vive com uma pensão do INSS por invalidez.

Cícero e Deborah continuam atuando na Amazônia. Suas duas empresas somam mais de R$ 150 mil em multas aplicadas pelo Ibama desde 2002 em dez municípios de Mato Grosso, Rondônia, Paraná e Santa Catarina. Juntas, todas as empresas de extração de madeira ligadas a Junior Durski somam mais de R$ 1 milhão em multas aplicadas pelo Ibama desde 1996.

Imagem principal (Denise Matsumoto): passado madeireiro de Junior Durski é celebrado na rede de restaurantes Madero

| Juliana Fronckowiak é repórter de O Joio e o Trigo. |

|| Leonardo Fuhrmann é repórter do De Olho nos Ruralistas.||

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