Proprietária que reivindica terras em Jericoacoara é sobrinha de governadores da ditadura

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Tios de Iracema Correia São Tiago governaram o Ceará e o Piauí durante os anos de chumbo; os três ocupavam cargos no Congresso quando família adquiriu terras em Jeri, em 1983; Flávio Marcílio era presidente da Câmara; Virgílio Távora e Alberto Silva, senadores

Por Bruno Stankevicius Bassi

Quem é a família que reivindica 80% da Vila de Jericoacoara, um dos principais destinos turísticos do Brasil? Na última quarta-feira (7), De Olho nos Ruralistas publicou uma reportagem em vídeo mostrando as conexões — até então ignoradas — entre Iracema Correia São Tiago, reclamante de três fazendas sobrepostas ao Parque Nacional de Jericoacoara, e o banco cearense Bancesa, liquidado em 1995 após uma série de fraudes contra a União.

Virgílio Távora deixou o Palácio da Abolição um ano antes da chegada do clã Machado a Jeri. (Foto: Acervo/Memória da Eletricidade)

A instituição pertencia à família de José Maria de Morais Machado, ex-marido de Iracema, e deixou uma dívida em tributos e contribuições previdenciárias de R$ 134 milhões — equivalentes hoje a R$ 1,4 bilhão. Os dois se divorciaram no mesmo ano da liquidação pelo Banco Central, conforme aponta a matrícula de um dos imóveis. A Fazenda Junco I foi transferida para o nome de Iracema na mesma semana em que a Justiça confirmou a falência do Bancesa, em agosto de 2003: “Clã que se diz dono de Jericoacoara foi condenado por fraude milionária em banco cearense“.

Embora o patrimônio da família venha, em grande parte, do clã Machado, a proprietária que reivindica as terras de Jericoacoara possui conexões importantes no universo político.

A tia materna de Iracema São Tiago, Luísa Correia Távora, era esposa de Virgílio Távora, que governou o Ceará por dois mandatos. De 1963 a 1966, quando apoiou o golpe militar e ajudou a fundar o Arena, partido de sustentação da ditadura. Ele teve uma segunda passagem pelo Palácio da Abolição de 1979 a 1982, bem na época em que o clã Machado chegou a Jeri. Virgílio foi ainda senador, ficando no cargo até sua morte, em 1988.

Segundo reportagem assinada por Carlos Madeiro, do UOL, o clã chegou à região em 1979 sob incentivo do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), órgão criado pela ditadura. O projeto envolvia a instalação de monoculturas de coco e caju na região, então pertencente ao município de Acaraú. Segundo as matrículas fundiárias, a compra das fazendas foi efetivada em 1983.

TIOS ARENISTAS, SOBRINHA EXILADA

Outros dois tios de Iracema foram políticos durante a ditadura. Flávio Portela Marcílio comandou o Ceará nos anos 1950 e foi o presidente da Câmara dos Deputados que passou mais tempo no cargo. Somando as três passagens, ele ocupou a cadeira durante seis anos: de 1972 a 1975, no governo Médici; e nos biênios 1979-1981 e 1983-1985, ambos sob João Figueiredo.

Irmã de Iracema, Moema São Tiago foi deputada constituinte. (Foto: Divulgação/PSDB)

Alberto Tavares Silva teve duas passagens pelo governo do Piauí: a primeira de 1971 a 1975, e a segunda de 1987 a 1991. Ele presidiu a Empresa Brasileira de Transportes Urbanos (EBTU) durante o governo Geisel, entre 1976 e 1978. Com a redemocratização, ocupou assentos no Senado e na Câmara até 2009, quando faleceu. Tanto Marcílio quanto Alberto Tavares pertenceram ao Arena de sua fundação até 1979.

Os dados sobre o histórico familiar de Iracema vêm da biografia política de sua irmã, a deputada constituinte Moema Correia São Tiago. Exilada pelo regime militar, ela foi líder estudantil e participou da Ação Libertadora Nacional, de Carlos Marighella. Passou por Chile, Cuba, Argentina e Portugal.

Moema retornou ao Brasil em 1979, com a reabertura, e ajudou a fundar o PDT, pelo qual concorreu à prefeitura de Fortaleza em 1985. No ano seguinte, foi eleita deputada constituinte — sendo a primeira mulher a representar o Ceará no parlamento — e assumiu o posto de vice-líder do partido na Câmara. Após romper com Leonel Brizola, tornou-se uma das fundadoras do PSDB. Em 2018, tentou se eleger deputada federal, sem sucesso.

OBSERVATÓRIO LANÇA EDITORIA SOBRE O LITORAL BRASILEIRO

O caso de Jericoacoara marca a estreia de uma nova editoria audiovisual deste observatório. De Olho no Litoral explora a fome de empresários — do agronegócio, da energia, do setor imobiliário — pelas praias brasileiras. Quem são esses senhores? Como eles dobram o Estado sob o peso do capital?

Do outro lado, mostramos a resistência de pescadores, marisqueiras, indígenas e camponeses para defender seus territórios e proteger os ecossistemas marítimos.

No primeiro episódio, sobre Jeri, mostramos os relatos de agricultores e posseiros da região sobre as pressões que sofriam para vender lotes a José Maria Machado desde os anos 1980. Segundo as ações instauradas na Justiça do Ceará, o banqueiro costumava derrubar cercas e impor acordos para que pequenos proprietários deixassem a região. Confira no YouTube:

Imagem principal (Reprodução): clã que reivindica Jeri governou Ceará e Piauí.

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