Relatório “A COP dos Lobbies” mostra como empresas usam a conferência climática em Belém para lavar imagem ambiental; gigante alemã dos agrotóxicos foi denunciada em 2024 por violar direitos de comunidades rurais na Argentina, Bolívia, Brasil e Paraguai
Por Bruno Stankevicius Bassi
A fabricante de agrotóxicos e sementes transgênicas Bayer organizará, durante a COP30, um debate com o tema “Multiplicando as melhores práticas em direitos humanos na agropecuária”. Realizado em parceria com a rede empresarial Pacto Global, o evento ocorrerá no dia 14 de novembro, às 10h, no auditório 1 da AgriZone — espaço patrocinado pela gigante alemã.

Em 2024, uma coalizão formada por seis organizações — entre elas, a brasileira Terra de Direitos — elaborou uma denúncia pública contra a fabricante do glifosato por violações contínuas cometidas contra comunidades tradicionais na Argentina, Bolívia, Brasil e Paraguai. O documento apresentado à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) mostra que a Bayer e suas filiais violam suas diretrizes de conduta responsável ao contribuir para a expansão de cultivos transgênicos e o uso irresponsável de agrotóxicos.
A empresa enfrenta uma onda de ações judiciais em tribunais nos Estados Unidos. Segundo a agência Reuters, a Bayer já empenhou cerca de US$ 10 bilhões em disputas judiciais por contaminação envolvendo produtos à base de glifosato. O valor já corresponde a 16% do total gasto na aquisição da Monsanto, concluída em 2018, por US$ 63 bilhões.
Essa disparidade entre as narrativas e as práticas do setor privado em relação à sustentabilidade são o tema central do relatório “A COP dos Lobbies“, lançado na segunda-feira (10). Produzido pelo De Olho nos Ruralistas em parceria com a Fase – Solidariedade e Educação, o estudo mapeia a influência crescente de grandes corporações brasileiras e de multinacionais nas negociações e nos espaços de deliberação da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, em Belém.
Além da Bayer, a lista de empresas analisadas inclui as mineradoras Vale e Hydro, o frigorífico MBRF (Marfrig e BRF), a sucroalcooleira Cosan, a gigante do papel e celulose Suzano e os bancos Itaú e BTG Pactual.
LOBBY DOS AGROTÓXICOS TEM ESPAÇO GARANTIDO NA COP
A estratégia da Bayer para a COP30 passa por múltiplas frentes. Segundo a Repórter Brasil, a fabricante do glifosato desembolsou R$ 1 milhão para patrocinar a AgriZone, um espaço paralelo idealizado pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) para ser a sede do agronegócio durante a cúpula. Montada na unidade Amazônia Oriental, a 1,8 km dos pavilhões oficiais da Blue Zone e Green Zone, a AgriZone abriga auditórios e salas de reunião, além de servir de sede provisória para o Ministério da Agricultura.
Além da Bayer, também patrocinam a AgriZone a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e a Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), as duas organizações que comandam desde 2021 o Instituto Pensar Agro — think tank responsável por escrever as proposições antiambientais defendidas pela Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA). Entre os grupos que financiaram o espaço estão a suíça Nestlé, a sucroalcooleira francesa Tereos e a Fundação Bill & Melinda Gates.

A AgriZone não é a única casa da Bayer em Belém. A empresa anunciou em junho que reformaria um casarão centenário na Avenida Nazaré, a poucos metros de onde acontece o Círio, para sediar suas atividades durante a cúpula climática. Inaugurado em 1925 pelo Barão de Guajará, o casarão é um marco do estilo eclético e abriga uma casa de cultura, com cursos e atendimento psicossocial para pessoas em situação de vulnerabilidade. Durante os dias da COP30, ela recebe o lobby dos agrotóxicos.
A empresa também atua por meio da CropLife, associação formada por 52 fabricantes de agrotóxicos, sementes transgênicas e bioinsumos. Assim como a CNA e a OCB, patrocinadoras da AgriZone, a CropLife é uma das organizações mantenedoras do Instituto Pensar Agro — e, portanto, da bancada ruralista.
Para a COP30, a associação vem organizando uma série de workshops em parceria com o Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA), órgão vinculado à Organização dos Estados Americanos (OEA). Os encontros são apoiados pela Embrapa e pelo “enviado especial” de Agricultura para a COP30, o ex-ministro Roberto Rodrigues.
Nomeado pelo presidente da COP, o diplomata André Corrêa do Lago, Rodrigues foi o principal responsável por introduzir no Brasil o conceito de “agronegócio”, importado do agribusiness estadunidense. Ele é reconhecido como um dos principais ideólogos do setor — senão “o” principal. Foi ministro da Agricultura durante o primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006) e ajudou a fundar a Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), mais uma integrante do Pensar Agro e mantenedora da FPA.
Para a COP30, Roberto Rodrigues quer emplacar o conceito de “agricultura tropical sustentável”, uma versão 2.0 da Revolução Verde. Segundo ele, o Brasil deve aproveitar a cúpula para ofertar um novo pacote tecnológico aos países do sul global, integrando noções corporativas de sustentabilidade, agricultura de precisão, inteligência artificial, fomento a bioinsumos e defesa da propriedade intelectual em sementes. As bases dessa estratégia foram consolidadas em um documento intitulado “Agricultura Tropical Sustentável: Cultivando Soluções para Alimentos, Energia e Clima”, apresentado por Rodrigues à diretoria da FPA em 28 de outubro.
O discurso vem sendo reproduzido pela CropLife, que tratará do tema em quatro palestras realizadas na AgriZone, durante o período da COP, e pela Bayer, que anunciou em agosto uma parceria com o IICA para avançar em ações vinculadas com “carbono em milho e soja” e a promoção da “agricultura sustentável” nas Américas.

POR TRÁS DO LOBBY, COMUNIDADES CONTAMINADAS
A denúncia apresentada à OCDE pelo Centro Europeu de Direitos Humanos e Constitucionais (ECCHR, na sigla em inglês) documenta uma série de violações cometidas contra comunidades tradicionais no Cone Sul.
No Brasil, a coalizão cita o caso de três comunidades do povo Avá Guarani — Pohã Renda, Y’Hovy e Tekoha Ocoy, todas no oeste do Paraná —, cercadas por monoculturas de soja que utilizam herbicidas à base de glifosato fabricados pela Bayer, com a marca Roundup. Os indígenas relatam graves impactos à saúde, contaminação de nascentes, perda de acesso às terras tradicionais e o uso de agrotóxicos como instrumento de guerra química para expulsar as comunidades através da pulverização aérea sobre as aldeias.

Cruzando a tríplice fronteira rumo à Argentina, a denúncia cita a comunidade de Villa Alicia, na zona periurbana de Buenos Aires. Moradores do bairro foram contaminados por agrotóxicos, resíduos de glifosato e ácido aminometilfosfônico (Ampa) foram detectados em amostras de solo, água e sedimentos. O caso levou à abertura de ação criminal contra sojicultores da região, que adquiriam sementes Intacta RR2 e herbicidas da Bayer.
No Paraguai, as colônias agrícolas de Yeruti e Yvypè, localizadas entre os departamentos (estados) de Caaguazú, San Pedro e Canindeyú, veem-se cercadas pela soja e relatam casos recorrentes de intoxicação, contaminação d’água e de roças familiares, além de conflitos fundiários com os fazendeiros. Em 2011, a morte do agricultor Rubén Portillo Cáceres, por exposição a pesticidas, gerou ampla repercussão nacional e internacional.
A denúncia cita ainda casos de contaminação no departamento de Santa Cruz, na Bolívia, uma região de forte expansão agrícola, onde o cultivo de soja transgênica tolerante ao glifosato tem causado desmatamento, degradação do solo e degradação dos recursos hídricos locais. Esse processo resultou em deslocamento de populações camponesas e indígenas e na perda de modos de vida tradicionais.
Em resposta ao relatório submetido à OCDE, a Bayer afirma que os reclamantes não substanciam a afirmação de que a empresa causou diretamente as violações de direitos humanos e ambientais listadas. Afirma ainda que não trabalha mais com a comercialização de sementes transgênicas nesses mercados e que não violou as diretrizes da OCDE. O processo encontra-se em tramitação.
A empresa também respondeu, de forma sucinta, aos dados do relatório “A COP dos Lobbies“:
— O combate às mudanças climáticas requer esforços coletivos de toda a cadeia. A Bayer historicamente tem sustentabilidade como um dos seus principais pilares estratégicos e contribui globalmente com soluções inovadoras e iniciativas ligadas à agricultura, saúde, transição energética e sistemas alimentares sustentáveis. Na COP, estaremos, portanto, envolvidos nas discussões sobre soluções embasadas em ciência na luta contra as mudanças climáticas.
Baixe o relatório completo aqui.
Foto principal (Divulgação/Coopavel): Bayer sediará debate sobre direitos humanos na COP30
| Bruno Stankevicius Bassi é coordenador de pesquisa do observatório. |
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