Responsáveis por 80% das titulações no Brasil, eles não fizeram nenhuma em 2016; governo federal titula a primeira do ano hoje, Dia da Consciência Negra
A Comissão Pró-Índio informa: nenhuma terra quilombola tinha sido titulada até ontem, em 2016, nem pelo governo federal, nem pelos governos estaduais. O governo federal entrega a primeira neste domingo, Dia da Consciência Negra, em Alagoas. Mas as perspectivas, que já não eram boas, são ruins: o orçamento da União para 2017 é 87% inferior ao do ano passado.
A estimativa da Comissão Pró-Índio é de que 92% das famílias quilombolas – não custa lembrar, descendentes de escravos – vivem em terras não tituladas.
O Brasil tem 757 mil hectares de terras quilombolas tituladas, beneficiando 16.230 famílias. No total, são 165 terras tituladas. Outras nove têm concessão de direito real de uso – enquanto a titulação não vem. Outras 114 foram reconhecidas, mas não tituladas. Estão exatamente à espera dessas ações dos governos, que não estão sendo feitas.
De Olho nos Ruralistas ouviu Otavio Penteado, assessor de programas da Comissão Pró-Índio de São Paulo, sobre o tema. Confiram a entrevista dada a Alceu Luís Castilho:
Os números sobre legalização de terras quilombolas mostram uma súbita paralisação em 2016. Qual o motivo?
O cenário em 2016 não se mostrou muito diferente dos demais em número de publicações. Se manteve o padrão de baixa efetividade do direito dos quilombolas à suas terras.
É verdade que ainda não tivemos titulações esse ano, mas o Incra anunciou a titulação de uma terra quilombola (TQ Tabacaria –AL) em 20 de novembro e de outras quatro até o final do ano.
Confirmado esse total de 5 terras, ficaríamos na baixa média dos anos anteriores.
O que cenário de 2016 tem de diferente é a ausência de terras tituladas até agora por governos estaduais, os responsáveis por praticamente 80% das 164 terras quilombolas tituladas no Brasil.
O Pará, estado pioneiro na regularização de terras quilombolas e que titulou um total de 50 terras, diminuiu consideravelmente o ritmo de titulações nos últimos anos. Uma das razões é a limitação do orçamento para a titulação de terras quilombolas.
Houve algum momento (algum ano, por exemplo), nessa série histórica, que se poderia chamar de aceitável em relação às demandas dos povos quilombolas?
Não, o número de terras quilombolas tituladas por ano sempre foi muito abaixo da demanda. Não há um ano que fuja a essa regra.
Desde 1995 (quando pela primeira vez uma terra quilombola foi titulada) até hoje o governo federal regularizou apenas 36 terras e desse total 19 foram apenas parcialmente tituladas.
O contrate com o número de processos em tramitação é gritante, já que atualmente são mais de 1.500 processos abertos no Incra; um terço deles abertos há mais de 10 anos.
Estimamos que 92,5% das famílias quilombolas do Brasil vivem em terras não tituladas.
Qual a provável perspectiva com o governo Temer?
O governo de Michel Temer ainda não se posicionou de forma mais clara sobre o que pretende para a política de regularização de terras quilombolas. Porém, há duas medidas que podemos tomar como sinais sobre suas intenções e, assim, considerar nada animadoras as perspectivas para os próximos anos.
A mudança da atribuição de regularizar as terras quilombolas do extinto Ministério do Desenvolvimento Agrário para a Casa Civil, o que pode indicar que o processo deixa cada vez mais de ser técnico e influenciado por decisões políticas.
E a proposta de cortar pela metade o orçamento para a regularização de terras quilombolas no Projeto de Lei Orçamentária Anual de 2017 apresentada pelo governo ao Congresso Nacional.
Estão previstos apenas R$ 4 milhões disponíveis – valor 87% inferior ao disponível em 2015. Com tão pouco recurso, a titulação pode se tornar uma realidade ainda mais distante para as comunidades quilombolas.