Questão agrária se destaca entre ameaças a direitos no Congresso

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Lista de 40 ameaças a direitos humanos mostra risco para terras indígenas, alimentação, reforma agrária e movimentos sociais

Uma lista de 40 ameaças aos direitos humanos no Congresso mostra a centralidade da questão agrária entre os conflitos no Brasil. São projetos aprovados ou em tramitação, reunidos pelo presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara, Padre João (PT-MG). O levantamento foi feito em parceria com o Laboratório de Estudos de Mídia e Esfera Pública da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UFRJ), a partir também de pesquisas realizadas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), da Conectas Direitos Humanos e do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap). Aqui nos baseamos na edição feita por Camila Rodrigues da Silva para o jornal Brasil de Fato: “40 ameaças do Congresso Nacional aos direitos humanos“.

Dez entre os 40 itens tratam diretamente de questão agrária, reunida nos seguintes temas: meio ambiente, acesso à terra e a alimentação. Mas outros itens (como os trabalhistas) também trazem impacto direto. Fizemos uma lista específica, com 23 itens:

1) Reforma Agrária. A Medida Provisória 759/2016 visa liberar terras para o mercado. Com pagamento em dinheiro e título de propriedade aos assentados, “o que é uma janela para a reconcentração fundiária”. A proposta também desconsidera a existência de acampados organizados em movimentos sociais.

2) Rotulagem de Transgênicos. Aprovado pela Câmara, o PLC 34/2015 retira a exigência do símbolo “T” nos produtos com até 1% de componentes transgênicos. O projeto está no Senado.

3) Função Social. O Projeto de Lei 5288/2009 restringe os requisitos da função social da propriedade, como os critérios ambiental e trabalhista para comprovação de produtividade. Está na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara.

4) Venda de Terras para Estrangeiros. O PL 4059/2012 tem urgência desde 2015, para aprovação em plenário na Câmara. Para se ter uma ideia, a ditadura de 1964 promoveu uma CPI no Congresso, no fim dos anos 69, em combate à aquisição – muitas vezes a partir de grilagem – de terras por estrangeiros.

5) Monopólio das Sementes. O PL 827/2015 restringe a possibilidade de multiplicação de sementes protegidas. O agricultor passa a precisar de autorização do detentor da patente para comercializar a colheita. Os beneficiados são as multinacionais.

6) Agrotóxicos. Uma Comissão especial da Câmara analisa proposta que fragiliza o controle dos agrotóxicos no Brasil, líder mundial de consumo de veneno na comida. Os PL 6299/2002 e 3200/2015 mudam até o nome de agrotóxicos, que se tornam “defensivos fitossanitários”. Com restrições à ação do Ministério do Meio Ambiente e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

7) Mineração. O novo Código da Mineração (PL 37/2011) incentiva a atividade, mais do que se propõe a regulá-la.  Diminui o controle estatal e a capacidade de planejamento do poder público no setor.

Bento Rodrigues, povoado rural destruído em Mariana (MG). (Foto: Rogério Alves/TV Senado)
Bento Rodrigues, povoado rural destruído em Mariana (MG). (Foto: Rogério Alves/TV Senado)

8) Fim do Licenciamento Ambiental. O PL 3729/2004 estaria acordado com o governo federal, segundo o presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária. Ele permite o licenciamento a partir do preenchimento de um formulário. Novamente o Estado perde o controle sobre empreendimentos.

9) Fim das Demarcações Indígenas. A Proposta de Emenda à Constituição 215 transfere do Executivo para o Legislativo – dominado pela bancada ruralista – a competência para demarcar terras. E essas terras tradicionais seriam transformadas em equivalentes da propriedade rural: poderiam ser arrendadas, divididas e receber empreendimentos econômicos.

10) CPI do Incra e da Funai. A Comissão Parlamentar de Inquérito já teve duas versões, desde 2015, dominada pela bancada ruralista. A Fundação Nacional do Índio e o Instituto de Colonização e Reforma Agrária são os alvos principais, no que se refere à demarcação de terras indígenas e quilombolas, mas sobra também para ONGs e para o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), entre outros.

As mudanças nos direitos trabalhistas também atingem diretamente os povos do campo:

11) Reforma Trabalhista. O Projeto de Lei 6787/16 prevê negociações entre empresas e sindicatos, à margem da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) e jornada diária de trabalho de até 12 horas. No campo, ainda mais nociva que na cidade. A autoria é do próprio presidente Michel Temer. O projeto segue em regime de urgência e, segundo o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, deve ser aprovado no primeiro semestre.

12) Terceirização. O Projeto de Lei 4302/1998 permite a terceirização das atividades-fim. Foi aprovado pela Câmara e está no Senado. No campo, atividades como o corte de cana de açúcar estão entre as que mais matam e mutilam trabalhadores.

(Foto: Cícero R. C. Omena/Creative Commons)
(Foto: Cícero R. C. Omena/Creative Commons)

13) Trabalho escravo. A Emenda Constitucional de n° 81 foi aprovada em 2014. Ela determina a expropriação de áreas nas quais for utilizado trabalho escravo. Mas precisa ser regulamenta por lei. O PLS 432/2013, porém, inviabiliza a atual fiscalização feita pelo Ministério Público do Trabalho. Os ruralistas tentam também reduzir a definição de trabalho escravo.

14) Redução da idade de trabalho. A PEC 18/2011 pretende autorizar o trabalho a partir dos 14 anos. O trabalho infantil já é um problema no campo, em atividades que ferem, mutilam e matam. A proposta é inconstitucional.

Outros temas também têm implicações diretas ou indiretas na questão agrária:

15) Reforma Educacional. A Medida Provisória que muda a educação no Brasil diminui o peso de disciplinas como história e geografia. Sem elas, como discutir questão agrária?

16) Escola sem partido. O PL 867/2015 prevê precedência dos “valores de ordem familiar”. Quer despolitizar um sistema que é, inexoravelmente, político. Novamente a discussão de temas agrários (como os conflitos de terra) seriam diretamente afetados.

17) Armamento. A revogação do Estatuto do Desarmamento permitiria o porte de armas a qualquer pessoa com requisitos mínimos. No campo, isso pode significar o aumento da violência – e da matança de povos originários e tradicionais.

19) Desmonte do Estado. A Emenda Constitucional nº 95, que congela os gastos públicos por 20 anos, afeta diretamente orçamentos relacionados à questão agrária, como as políticas para camponeses e as verbas para Funai e Incra, entre outros.

20) Reforma da Previdência. A PEC 278/2016, pelo aumento do tempo de contribuição, pode tornar a inviável a aposentadoria de trabalhadores rurais.

21) Orçamento. O Projeto de Lei Orçamentária para 2017 reduz em R$ 430 milhões políticas públicas que atendem a agricultura familiar, a reforma agrária, os povos e as comunidades tradicionais. E estabelece um teto de R$ 110 milhões para despesas discricionárias da Funai, o menor dos últimos dez anos.

22) Terrorismo. A lei que tipifica o terrorismo no Brasil tem ressalva excluindo a atuação de movimentos reivindicatórios, mas pode ser utilizada – conforme a interpretação do Judiciário – para a criminalização de movimentos sociais.

23) Criminalização dos movimentos sociais. Outros dois projetos de lei (PLS 272/2016 e PL 5065/2016) pretendem agravar a legislação antiterror, restringindo movimentos reivindicatórios ou oferecendo pena excessiva a condutas contra o patrimônio – como se alega em algumas ocupações.

O documento da Comissão de Direitos Humanos – em protesto contra esses projetos de lei e essas políticas – será entregue ao Relatório Periódico Universal do Brasil à Organização das Nações Unidas (ONU).

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