Cidade palco de chacina pode ter novas vítimas; reserva conquistada após campanha global sofre ameaça de madeireiros e plantadores de soja
Por Cauê Seignemartin Ameni
A cidade de Colniza, no Centro-Oeste do Mato Grosso, virou manchete em todos os jornais do país por causa do assassinato brutal de nove camponeses na região de Taquaruçu do Norte, no dia 19. Com medo de uma nova chacina, encomendada pelos fazendeiros da região, os assentados estão saindo às pressas do local. Mas não são apenas os camponeses que estão em risco. Os últimos membros da tribo isolada Kawahiva, que vivem há anos em fuga para sobreviver, também podem estar com os dias contados.
O prefeito de Colniza, Esvandir Antonio Mendes (PSB-MT), e os vereadores da cidade, se reuniram com o ministro da Justiça, Osmar Serraglio (PMDB-RS), para planejar a redução do território indígena Rio Pardo. No local pretendem abrir terreno para rodovias, madeireiros e plantadores de soja, revelou reportagem da Survival – ONG internacional dedicada em defender os direitos dos povos indígenas.
Em 2007, a cidade de Colniza ganhou destaque nacional ao ganhar o prêmio de “cidade mais violenta do Brasil” pelo Mapa da Violência 2017. O relatório é elaborado anualmente pela Organização dos Estados Ibero-americanos (OEI). Segundo reportagem de Felipe Milanez, publicada na revista Rolling Stone, dois fatores contribuem para essa dramática situação: 1) abandono e corrupção das autoridades federais; e 2) a voracidade dos madeireiros e sojeiros.
Os indígenas isolados da etnia Kawahiva dependem completamente da floresta para sua sobrevivência. Eles são conhecidos como caçadores-coletores.
Apenas em 2016, após uma campanha global do Survival, o território Rio Pardo foi reconhecido. A campanha contou com apoio do ator Mark Rylance, vencedor do Oscar e embaixador da ONG, para liderar a campanha que culminou na portaria para garantir o território aos indígenas.
No entanto, a situação agora pode ser revertida. O diretor da Survival, Stephen Corry, declarou:
– O Brasil deve respeitar os direitos de seus povos indígenas. As tribos isoladas, como os Kawahiva, claramente querem ser deixadas sozinhas para viverem como quiserem. Mas os líderes atuais do Brasil estão reunindo-se às escuras com políticos corruptos, e cedendo às pressões da bancada ruralista, claramente a fim de negar os indígenas isolados desse direito. Os riscos não poderiam ser mais altos: povos inteiros estão em risco de genocídio como resultado dessa abordagem cruel.
De acordo com o levantamento feito pela ONG, “estradas, fazendas e exploração de madeira ameaçam expô-los à violência de estranhos que roubam suas terras e recursos, e a doenças como a gripe e o sarampo, às quais não têm resistência”.
A reportagem lembrou da polêmica declaração de Osmar Serraglio, que simpatiza com o interesse do prefeito e de vereadores de Colniza: “Vamos parar com essa discussão sobre terras [indígenas]. Terra enche a barriga de alguém?”
UM MINISTRO NA PAREDE?
Nas última semanas, Osmar Serraglio evitou aparição em público para não desgastar ainda mais o governo. O ministro foi interceptado pela Polícia Federal (PF) na Operação Carne Fraca. No áudio, Serraglio chamava Daniel Gonçalves Filho, ex-superintendente do Ministério da Agricultura no Paraná, líder da organização criminosa, na definição da PF, de “grande chefe”.
A situação dele piorou na semana passada, quando a Procuradoria Geral da República (PGR) intimou o ministro a dar explicações sobre o envolvimento com Gonçalves Filho. Dependendo da reposta, a PGR pode pedir ao STF a abertura de inquérito contra Serraglio. Na terça-feira, a Justiça acolheu as denuncias da PF e transformou 59 investigados em réus.
Ao Estadão, a assessoria de Serraglio informou que apresentou sua defesa à PGR na última semana e que o ministro tentou preservar os empregos do frigorífico investigado.
2 commentsOn Em Colniza, ministro da Justiça e fazendeiros têm planos genocidas para tribo isolada, revela ONG
Os europeus contam as vítimas dos atentados terroristas e choram seus mortos acendendo velas e colocando fotos nos locais onde foram brutalmente assassinados, mas os brasileiros não lamentam o massacre de índios da etnia Waimiri-Atroari ocorrido no início da década de 1970. Sequer conhecem o número exato de vidas interrompidas nesse triste episódio, estimado em torno de 2.000, porém quem respeita valores humanitários e tem sangue indígena correndo nas veias não esquece tal ato de violência. As vítimas – todos indígenas – não mereceram ter os nomes incluídos na lista elaborada pela Comissão Nacional da Verdade, que continha a identidade dos mortos em violações de Direitos Humanos ocorridos durante a vigência da Ditadura Militar. Os Waimiris habitavam um território que se estendia de Manaus até o sul de Roraima, naquela época escolhido para ser atravessado pela rodovia que ligaria Manaus a Boa Vista, a BR-174. A estrada foi projetada para captar investimentos de companhias mineradoras multinacionais, com o objetivo de viabilizar a extração de minérios estratégicos descobertos na região do alto do rio Uatumã e preparar a construção da usina hidrelétrica de Balbina. Em vez de alterar o traçado da rodovia, desviando-o de aldeias onde viviam os nativos evitando previsíveis conflitos com os operários que trabalhariam na sua construção, o governo da época decidiu expulsar os índios utilizando um aparato bélico descomunal. Nas operações contra os indígenas foram utilizados aviões e helicópteros. As bombas de napalm e as metralhadoras provocaram o mesmo efeito devastador dos bombardeios efetuados pelo exército americano na Guerra do Vietnã. Os relatos dos sobreviventes ficaram registrados no relatório entregue à Comissão Nacional da Verdade. Um dos waimiris conta que “o homem civilizado jogou, de um avião, um pó que queimou a garganta dos índios, que logo morreram”. De acordo com o relatório, depoimentos idênticos foram dados por outros indígenas. O documentário “AmazôniAdentro”, dirigido pelo jornalista Edílson Martins e veiculado pela TV Brasil, relata o depoimento do waimiri Viana Womé Atroari: “Foi assim, tipo bomba, lá na aldeia. Dos índios que estavam na aldeia, não escapou ninguém. Ele veio no avião e de repente esquentou tudinho, aí morreu muita gente. Foi muita maldade na construção da BR-174. Aí veio muita gente e pessoal armado …, isso eu vi. Eu sei que me lembro bem assim: tinha um avião assim, desenho de folha, assim, um pouco vermelho por baixo. Passou isso aí, morria rapidinho pessoa. Desse aí que nós víamos.” A solução encontrada pelo Governo Brasileiro para resolver o litígio com os indígenas que obstruíam a construção da BR-174 lembra o conceito de “guerra justa”, banalizado durante o Período Colonial, que não era nada mais nada menos que uma autorização para exterminar índios considerados belicosos, tratando como belicosos todos os nativos que não cooperassem com os invasores de suas terras. Desprezando a opção de iniciar um processo de contato, através de indigenistas da FUNAI, visando transferir as aldeias para outro local, as autoridades brasileiras optaram pela solução rápida. O massacre dos índios da etnia Waimiri-Atroari foi apenas mais um ato genocida cometido pelo Estado Brasileiro contra populações nativas e soma-se a inúmeros outros, pouco documentados ou intencionalmente omitidos nos registros históricos, ocorridos durante o Período Colonial e o Período Imperial. Mais detalhes podem ser conferidos nos links abaixo:
http://www.cartacapital.com.br/politica/2000-waimiri-atroari-desaparecidos-na-ditadura
http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/508652-waimiri-atroari-desaparecidos-politicos-entrevista-especial-com-egydio-schwade
http://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2012/11/12/comissao-da-verdade-apura-mortes-de-indios-que-podem-quintuplicar-vitimas-da-ditadura.htm
É preocupante ver situações como essa em Colniza. Para quem busca uma forma de se informar e talvez contribuir para causas importantes, sugiro visitar o Lucky Jet em https://luckyjet.net.br/. É um espaço onde você pode encontrar insights e até mesmo explorar maneiras de apoiar causas sociais através de iniciativas conscientes.