Gravação da PF mostra fiscal e funcionário da Seara – do grupo JBS – referindo-se a Loures como braço-direito de Temer; Serraglio era protetor de um empresário
Por Alceu Luís Castilho
Ao nomear o deputado federal Osmar Serraglio (PMDB-PR) ministro da Justiça, em 7 de março, Michel Temer matou dois coelhos com uma só cajadada: colocou o ruralista no comando da Fundação Nacional do Índio (Funai), para atender os interesses da bancada do agronegócio, e abriu uma vaga para Rodrigo Rocha Loures (à esquerda, na foto principal), o primeiro suplente do PMDB paranaense , voltar à Camara – e, assim, obter foro privilegiado.
Temer está sendo acusado, segundo O Globo, de ter sido flagrado, em um vídeo feito pela JBS, de indicar Rocha Loures (quando este era seu assessor especial) para “resolver um assunto da J&F”, a holding da JBS. Pouco tempo depois, segundo a reportagem de Lauro Jardim, o deputado apareceu recebendo de Joesley Batista, dono da J&F e agora delator, uma mala com R$ 500 mil.
Pois bem: um único diálogo da Operação Carne Fraca, deflagrada em março pela Polícia Federal, une todos esses personagens: Temer, Serraglio, Rocha Loures e uma empresa do grupo J&F, a Seara. Vejamos este trecho do relatório da operação, divulgado pela própria PF:
Como se vê, o paranaense Rocha Loures – um empresário agropecuário – é descrito como o braço direito de Temer. Daniel (Gonçalves Filho) era o superintendente do Ministério da Agricultura no Paraná, indicado pela bancada paranaense do PMDB. Preso e indiciado, foi apontado pela PF como “um dos líderes da organização criminosa”. Serraglio o chamava de “grande chefe”.
Os dois participantes da conversa, Flávio e Renato, dizem que ele era ligado a Rocha Loures e Osmar Serraglio, na época deputado federal e presidente do PMDB. Em outro trecho, Serraglio é acusado – junto com Daniel – de beneficiar um empresário concorrente: ““Carne Fraca”: Record mostra que Osmar Serraglio protegia frigorífico“.
O diálogo que destacamos acima ocorre entre o fiscal Renato Menon, do Ministério da Agricultura, e Flavio Evers Cassou, funcionário da Seara. Uma empresa do grupo J&F, que controla a JBS.
Maior frigorífico do mundo, a JBS teve participação ativa na eleição de Serraglio para a Câmara. Confira neste texto publicado há dois meses pelo observatório: ““Carne Fraca”: JBS foi maior doadora de campanha de Osmar Serraglio“.
A empresa também foi a maior doadora de campanha para a eleição da chapa Dilma-Temer, que reelegeu Dilma Rousseff como presidente e Michel Temer como vice-presidente – até ele ser levado ao poder de forma indireta, há um ano.
Apesar dessa menção direta a Rocha Loures na Carne Fraca, somente nesta terça-feira (18/05) a Polícia Federal fez busca e apreensão nos endereços do político-empresário em Curitiba. Os mandados foram expedidos pelo STF.
UM PERSONAGEM OCULTO
Há mais um personagem nessa trama, que passou quase despercebido pela grande imprensa. Muito embora reforce a conexão Curitiba-Brasília. Chama-se Fabio Zanon Simão. Preso e indiciado pela PF, ele era o chefe da assessoria parlamentar do Ministério da Agricultura. Responsável, portanto, pelas negociações com os deputados.
Segundo o Estadão, ele foi indicado a esse cargo por um deputado do PMDB de Santa Catarina, Rogério Peninha Mendonça. A PF gravou conversa entre um executivo da BRF, outra grande empresa investigada na Carne Fraca, e o parlamentar.
Quando foi preso, porém, Zanon estava no Ministério da Integração Nacional, comandado por Helder Barbalho (PMDB-PA). Por indicação do Secretário Nacional de Desenvolvimento Regional, Marlon Cambraia – que trabalhara com Simão no Ministério da Agricultura (Mapa). Sob a influência, portanto, do PMDB paranaense.
Qual a relação entre Zanon e Rocha Loures? O contato sistemático com políticos. Em novembro, o prefeito eleito de Cascavel (PR), Leonaldo Paranhos, foi para Brasília em busca de verbas. Visitou quatro ministérios. Deputados. Esteve com o senador Alvaro Dias (PV). Depois, ele mesmo conta: “Encerrando a agenda de hoje (terça-feira) em Brasília em mais um dia bastante produtivo nas audiências com o ministro da Saúde, Ricardo Barros, com o diretor nacional do Ministério da Integração, Fábio Zanon Simão e com o chefe de Relações Institucionais da Presidência da República, Rodrigo Rocha Loures”.
O AMIGO DOS POLÍTICOS
Dessas conexões emerge outro personagem oculto – ou quase. Segundo a PF, Zanon negociou R$ 300 mil em propinas “para autorizar a abertura de um abatedouro de cavalos”, a pedido do empresário Nilson Umberto Sachelli Ribeiro e de seu pai, Nilson Alves Ribeiro, sócios da Frigobeto Frigoríficos e Comércio de Alimentos e de diversas outras empresas em Apucarana (PR). Segundo a PF, Nilson Umberto explicou a um fiscal agropecuário como ele deveria proceder, diante dos contatos prévios feitos com Daniel Gonçalves – o “grande chefe”.
Solto no fim de abril, após pagar uma fiança de R$ 325 mil, Sachelli Ribeiro recebeu do governador paranaense Beto Richa (PSDB), em dezembro de 2014, a principal honraria oferecida pelo estado, a Ordem Estadual do Pinheiro. Richa também teve sua campanha financiada pela JBS, em 2014, com R$ 1 milhão. O site 28 News fez o seguinte registro sobre o amigo de Richa, quando o empresário era considerado foragido pela PF:
– Em seu blog, o empresário Nilson Umberto Sacchelli Ribeiro sempre fez questão de revelar momentos de sua vida profissional e particular. Com fácil acesso, o comendador mantinha contato frequente com prefeitos, deputados, governador e até com o presidente Michel Temer.
De Olho nos Ruralistas confirmou o bom trânsito político do empresário. Em dezembro, Sacchelli postou fotos em Brasília com os senadores Álvaro Dias (PV-PR) e Roberto Requião (PMDB-PR) – que aparecem com ele em diversas outras imagens. Em inúmeros meses, fotos com Beto Richa. Em outubro, com o presidente do Tribunal de Contas do Estado. Em março de 2016, com Dias. Em janeiro de 2016, com o secretário de Segurança Pública do Paraná. Em dezembro de 2015, com o deputado João Arruda (PMDB-PR) – num dia em que esteve até no plenário da Câmara, participando de votações. (Um assessor de Arruda também foi alvo da Carne Fraca.) Em julho de 2015, com o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), que recebeu, junto com o colega Edson Fachin, a Ordem do Pinheiro. E em junho de 2015 lá ele estava, no STF, na posse de Fachin, em fotos com o magistrado e com o então ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo.
O próprio empresário se autointitula Comendador do Estado do Paraná, por conta da honraria criada em 1972 e recebida das mãos de Beto Richa no Palácio Iguaçu. E, em seu blog, descreve assim o seu trabalho, na terceira pessoa: “Intercede junto ao poder público em defesa dos interesses da classe empreendedora, agindo com determinação em prol do empresariado paranaense e brasileiro”.
No dia 28 de janeiro de 2016, Sacchelli esteve com Michel Temer – como se pode ver na foto ao lado, ou aqui. Ele relata que o então vice-presidente esteve em um hotel em Curitiba, para reunião com empresários, o senador Requião e o atual ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, além de deputados estaduais e federais. Temer falou sobre a Lava-Jato. Disse que, caso as investigações comprovassem os desvios de dinheiro da Petrobras, veria tudo com “olhos de quem vê escândalo”.