Face mais contundente da bancada ruralista, Alceu Moreira (PMDB-RS) teria recebido R$ 200 mil por meio de um representante da indústria da carne
Por Alceu Luís Castilho
O presidente da CPI da Funai, deputado Alceu Moreira (PMDB-RS), é um dos seis políticos gaúchos acusados em depoimento à Polícia Federal de um diretor da JBS, Ricardo Saud. Três deles são da bancada ruralista. Ele teria recebido R$ 200 mil “em dinheiro vivo”, por meio do presidente da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec), Antônio Jorge Camardelli.
A informação foi divulgada ontem pelo G1: “Políticos do RS são citados em delação de diretor da JBS“. Saud fez o depoimento – gravado em vídeo – no dia 5 de maio, durante a Operação Lava-Jato. Moreira é relator da PEC da reforma da Previdência, uma das principais bandeiras do governo de Michel Temer.
O delator menciona mais dois membros da bancada ruralista gaúcha. Um deles é Jerônimo Goergen (PP-RS), coordenador de Direito de Propriedade da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA). Onyx Lorenzoni (DEM-RS) também faz parte da FPA. Eles teriam recebido R$ 100 mil e R$ 200 mil, respectivamente.
Camardelli, o emissário responsável pelo suposto pagamento de R$ 200 mil, é definido pelo delator como um companheiro da JBS: “Ele já foi do Ministério da Agricultura, é um cara do bem, muito ligado a eles e sempre ajudava”.
Ainda segundo o delator, os pagamentos foram um “reservatório da boa vontade”. “É para o cara não chatear e nem nos atrapalhar”, definiu. Com a seguinte contrapartida: “apoiar o Grupo [JBS], não deixar ninguém falar mal do grupo”.
UMA TRAJETÓRIA CONTUNDENTE
Alceu Moreira é uma faces mais salientes da bancada ruralista. Em novembro, na sede da FPA, em uma mansão no Lago Sul em Brasília, ele abandonou uma entrevista com o De Olho nos Ruralistas após bradar contra as perguntas, que considerou “provocações”. Confira aqui: “Almoço da bancada ruralista tem ira de deputados e expulsão de repórteres“.
O deputado ficou conhecido por emitir opiniões controversas e acima do tom. Em outubro, chamou os aposentados de “vagabundos remunerados“. “O tempo da vagabundização remunerada acabou”, repetiu, em plenário. Um colega pediu respeito aos trabalhadores. “Não adianta gritar”, disse. “É que dói. Mas vagabundo remunerado não receberá”.
Moreira negou ter se referido aos aposentados. E sim às pessoas envolvidas em fraudes no seguro-defeso. O parlamentar acionou a Polícia Federal contra o que chama de “vídeo falso“.
Sua trajetória em relação a camponeses e povos indígenas não pode ser acusada de incoerente. Em novembro de 2013, durante uma audiência pública, convidou fazendeiros a expulsar pessoas que disputam o direito à propriedade das terras:
– Nós, os parlamentares, não vamos incitar a guerra. Mas não deixem um vigaristas desses dar um passo na sua propriedade. Nenhum! Usem todo tipo de rede, todo mundo tem telefone, liguem um pro outro imediatamente, reúnam as verdadeiras multidões e expulsem do jeito que for necessário.
O Supremo Tribunal Federal arquivou o inquérito onde ele e o deputado Luis Carlos Heinze (PP-RS) eram acusados de racismo. Confira aqui o vídeo com as falas dos parlamentares. O primeiro é Heinze, que se refere aos gays, lésbicas, quilombolas e povos indígenas como “tudo que não presta”:
RELATÓRIO CRIMINALIZA INDÍGENAS
Como presidente da CPI da Funai, Moreira aprovou nesta semana um relatório que indicia mais de 7o pessoas, entre indígenas e defensores dos direitos dos povos indígenas, como representantes do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e Centro de Trabalho Indigenista (CTI). Antropólogos e procuradores também foram indiciados. Eles repudiam a criminalização. Confira aqui: “Relatório da CPI da Funai criminaliza antropólogos, procuradores, Cimi, CTI e ex-ministro“.
Controlada pela bancada ruralista, a CPI defende a revisão no processo de demarcação de terras indígenas. A CPI foi gestada na mansão da Frente Parlamentar da Agropecuária – um bunker financiado por entidades de defesa do agronegócio.
Moreira representa, na Câmara, setores como o do tabaco. Ele critica o que chama de “coerção” contra os produtores. “Se plantar chuchu ou morango, como dizem, sequer vão ter para quem vender, é coisa de quem não conhece a realidade e quer decidir a vida das pessoas sentado em salas com carpete e ar condicionado a quilômetros de distância”.
As doações oficiais para sua campanha, em 2014, tinham valores mais tímidos em relação aos R$ 200 mil da JBS. A Bracol Holding, do setor de calçados, doou R$ 100 mil. A Gerdau, R$ 60 mil. A CMPC Celulose Brasil, R$ 54 mil. A Construtora Giovanella, R$ 30 mil. A Associação Brasileira de Sementes e Mudas, a Fibria Celulose e a construtora Pavicom doaram R$ 20 mil cada, mesmo valor oferecido pela Associação Nacional da Indústria de Armas.
OUTRO LADO
Em nota, segundo o G1, Alceu Moreira disse ter convicção da licitude de suas condutas. Ele “garante que os valores recebidos durante a campanha em 2014 foram de forma regular e declarados à Justiça Eleitoral”. Jerônimo Goergen, também em nota, afirmou que as doações da JBS foram declaradas na Justiça Eleitoral. Ele dise que o único contato com Camardelli foi feito desta forma: “Olha, se tiver alguém que possa colaborar na campanha, avisa”.