Apesar da série de déficits fiscais iniciada em 2014, já na casa dos R$ 159 bilhões, governo aumenta a renúncia; a deste ano supera despesas com saúde e educação
Por Cauê Seignemartin Ameni
Em 2014, a Receita Federal deixou de arrecadar em impostos R$ 23,3 bilhões com as atividades econômicas de setores da agricultura. Essa renúncia específica do governo saltou para R$ 26,58 bilhões em 2017 – um aumento de 14,08% nos últimos três anos. Somando todas as “renúncias tributárias” concedidas este ano, com caráter “compensatório” ou “incentivador”, e os créditos e benefícios financeiros para algumas atividades econômicas o Fisco deixará de arrecadar R$ 406 bilhões.
O valor supera todas as despesas com saúde e educação e equivale um aumento de 7,4% em relação a 2016, que teve uma renuncia de R$ 378 bilhões. Os dados foram publicados no G1, a partir de informações da Receita Federal e do Tribunal de Contas da União (TCU): “Renúncia fiscal soma R$ 400 bi em 2017 e supera gastos com saúde e educação“.
A renúncia para o setor agrícola se refere aos seguintes itens:
-> Desoneração da Cesta Básica: R$ 17,58 bilhões
-> Exportação da Produção Rural: R$ 6,26 bilhões
-> Seguro rural: R$ 218 milhões
-> Zona Franca de Manaus: R$ 1,24 bilhão
Um dos itens da renúncia fiscal no setor energético também diz respeito diretamente ao agronegócio. É aquele relativo ao biodiesel: R$ 65 milhões do total de R$ 4,14 bilhões do setor.
QUAL O PAPEL DO AGRONEGÓCIO?
Em paralelo a essas desonerações bilionárias, o governo sofre com a falta de caixa para fechar as contas num cenário de crise. Desde 2014, a União soma déficits fiscais após uma longa série de superávits iniciada em 1998. Em 2016, o governo Temer chegou ao ponto mais alto registrado pela série histórica do Tesouro Nacional, com um rombo fiscal de R$ 161,29 bilhões. A meta vigente para o déficit fiscal deste ano foi revisada de R$ 139 bilhões para R$ 159 bilhões.
Os pacotes de desoneração têm como objetivo incentivar alguns setores da economia. A estratégia foi utilizada tanto pelo governo de Dilma Rousseff quanto pelo governo Temer. Para este ano, os benefícios financeiros e creditícios estão estimados em R$ 121,13 bilhões. A desoneração tributária está avaliada no valor de R$ 284 bilhões.
O agronegócio está entre os setores mais beneficiados com a medida. Metade dos votos para a derrubada de investigação contra Michel Temer na Câmara, no início de agosto, diante da denúncia de corrupção passiva movida pela Procuradoria-Geral da República, saiu da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA). E essa dependência é ainda maior: o Congresso tem dezenas de deputados e senadores ruralistas – proprietários de terras ou empresas agropecuárias, por exemplo – que não fazem parte da FPA. Esses parlamentares, em sua maioria, também apoiam Temer.
MENOS QUE UM CAFEZINHO POR HECTARE
O relatório Terrenos da desigualdade: terra, agricultura e desigualdade no Brasil rural, publicado pela Oxfam, esmiúça os benefícios tributários para o agronegócio e alerta sobre os riscos embutidos. Um deles é a Lei Kandir, editada em 1996, que isenta o pagamento de ICMS aos produtos primários e produtos industrializados destinados à exportação, gerando perdas aos estados em torno de R$ 22 bilhões por ano.
Em 2014, ainda durante o governo Dilma, a bancada ruralista conseguiu a isenção de 9,25% na cobrança do PIS (Programa de Integração Social) e Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social) na venda de soja para todos os fins comerciais. O ministro da Agricultura, Blairo Maggi, é um dos maiores produtores de soja do mundo.
O estudo da Oxfam também mostra como o Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR), principal tributo no meio rural, é ineficaz. Embora seja um imposto progressivo em relação ao tamanho e utilização do terreno, a cobrança foi responsável por apenas 0,0887% da carga tributária em 2014, percentual médio constatado desde 1990.
Como consequência dessa injustiça fiscal, os grandes e médios proprietários passaram a pagar menos ITR por hectare. A média caiu de R$ 1,59 por hectare, em 2003, para R$ 1,52 em 2010.
OS DEMAIS SETORES
Outros setores que tiveram desonerações em 2017 são:
– Comércio e Serviços: R$ 82,78 bilhões (29% do total)
– Trabalho: R$ 43,17 bilhões (15,16% do total)
– Indústria: R$ 35,13 bilhões (12,34% do total)
– Saúde: R$ 36,01 bilhões (12,64% do total)
– Educação: R$ 14,17 bilhões (4,98% do total)
– Assistência Social: R$ 12,73 bilhões (4,47% do total)
– Habitação: R$ 11,25 bilhões (3,95% do total)
– Ciência e Tecnologia: R$ 10,1 bilhões (3,55% do total)
– Transporte: R$ 4,99 bilhões (1,75% do total)
– Energia: R$ 4,14 bilhões (1,46% do total)
– Cultura: R$ 1,83 bilhão (0,64% do total)
– Direitos da Cidadania: R$ 753 milhões (0,26% do total)
– Desporto e Lazer: R$ 706 milhões (0,25% do total)
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