FHC, o Fazendeiro – Em Teodoro Sampaio (SP), Jovelino Mineiro arrenda fazenda para Odebrecht

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Eles eram: o nome mudou para Atvos. (Foto: Divulgação)

Terras no Pontal foram ocupadas pelo MST no último ano do governo Fernando Henrique; propriedade dos Abreu Sodré foi definida por pesquisador da Unesp como grilada

Por Alceu Luís Castilho

A Fazenda Santa Maria, em Teodoro Sampaio (SP), foi uma das propriedades de Jovelino Carvalho Mineiro Filho que mais tiveram visibilidade na imprensa, no início do século. Isso porque ela foi ocupada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), que protestavam contra a conexão entre o pecuarista e os filhos de Fernando Henrique Cardoso, sócios numa fazenda em Buritis (MG).

O que nunca se contou é que Jovelino Mineiro – chamado por FHC de Nê – arrenda as terras de 5.416 hectares para a Odebrecht Agroindustrial, o braço usineiro da família baiana, agora renomeado para Atvos Agroindustrial. O empreiteiro baiano e o fazendeiro paulista são amigos e sócios em uma empresa de genética, a Recepta Biopharma, e já foram representados em assembleia de acionistas pelo advogado de Fernando Henrique.

Em 2009, Serra inaugurou usina da Odebrecht. (Foto: Divulgação)

A Odebrecht Agroindustrial foi doadora de campanha para vários políticos – de diversos partidos – envolvidos na Operação Lava-Jato. Entre as doadoras estão as duas usinas da região, a Conquista do Pontal e a Destilaria Alcídia. A Conquista do Pontal foi inaugurada em 2009, com a presença de Marcelo Odebrecht – hoje em prisão domiciliar – e do governador tucano José Serra. A empresa ainda se chamava ETH Bioenergia.

ESPÓLIO DE EX-GOVERNADOR PAULISTA

Face empresarial da Santa Maria, a Fazenda SanMaria Ltda possui um capital social de R$ 5,7 milhões e está registrada em três nomes: o de Jovelino Mineiro, o da Fazenda Santanna S.A (representada pelo próprio pecuarista, que possui outras terras no Pontal do Paranapanema) e de sua mulher, Maria do Carmo de Abreu Sodré Mineiro.

Os sobrenomes Mellão (da mãe de Carmo) e Abreu Sodré são importantes para entender a história das propriedades da família no Pontal, região de grilagem, desmatamento e conflitos no oeste paulista. Algumas fazendas pertenciam ao ex-governador Roberto de Abreu Sodré, sogro de Jovelino. Outras a João Mellão, avô de Maria do Carmo. A origem da Santa Maria ora é atribuída a uma família, ora a outra.

A informação de que o fazendeiro arrenda as terras em Teodoro Sampaio para a Atvos consta de pesquisa realizada no campus de Presidente Prudente da Universidade Estadual Paulista (Unesp). Em monografia para o Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária (Nera), Michele Cristina Martins Ramos escreveu em 2015 que a Santa Maria tinha sido “recentemente incorporada pela Odebrecht para o plantio de cana”.

Outra pesquisadora da Unesp ouvida pelo De Olho nos Ruralistas confirmou e atualizou a informação. Em 2014, até um site especializado em agronegócio, o Beef Point, contava, em perfil simpático a Jovelino Mineiro, que ele era “um dos principais fornecedores das usinas do grupo Odebrecht”. Emílio Odebrecht já se declarou “muito amigo” de Jovelino Mineiro.

As usinas da Odebrecht na região já foram mencionadas como doadoras ilegais de campanha para políticos, em meio ao escândalo da Lava-Jato. Entre eles o próprio Fernando Henrique: “FHC, o Fazendeiro – Denúncia de Emílio Odebrecht contra Fernando Henrique foi arquivada em um mês“.

MST ALEGA QUE TERRAS SÃO PÚBLICAS

A quarta das ocupações da Fazenda Santa Maria pelo MST, em 2002 (último ano dos governos Fernando Henrique Cardoso), foi noticiada pela grande imprensa da seguinte forma, na época: “MST invade fazenda de sócio de filhos de FHC”.

A Folha informou naquele ano que a Fazenda Pública do Estado de São Paulo entrara com uma ação discriminatória, em 2000, para considerar as terras devolutas. Um dos advogados de Jovelino Mineiro, Takeo Konishi, confirmou que o 1º Tribunal de Alçada considerara procedente o pedido – decisão em que se baseava José Rainha Júnior, na época líder do MST na região.

Para Mançano, da Unesp, terras são griladas. (Reprodução/YouTube)

Os proprietários recorreram e depois, segundo o Estadão, o Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp) informou que a área não era devoluta. Não era o que observava o geógrafo Bernardo Mançano Fernandes, professor livre-docente da Unesp-Presidente Prudente: “Ele comprou terras griladas sabendo que eram griladas. Todos ali compraram”.

Antigo dono do famoso “apartamento de FHC em Paris”, onde mora o filho do ex-presidente com a jornalista Mirian Dutra, o ex-governador Roberto de Abreu Sodré (1917-1999) era o dono dessas terras. Durante uma das ocupações do MST, em 2000 (quando famílias foram ameaçadas por seguranças), Jovelino Mineiro era apenas o procurador da viúva de Sodré, Maria do Carmo Mellão de Abreu Sodré, falecida em 2012.

Em 2002, a negociação para a desocupação da fazenda no Pontal foi feita por policiais civis e por militares. O general Alberto Cardoso, então ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, considerou a ocupação “uma provocação contra a democracia e contra o governo”. Ele acompanhava, em Minas, as manifestações contra a propriedade da família Cardoso em Buritis.

SEM-TERRA SOFRERAM ATENTADO EM 2015

O MST voltou a reivindicar as terras da Odebrecht em outras ocasiões. Em 2008, tentou ocupar a Destilaria Alcídia, contra a expansão da cana de açúcar na região. O diretor da usina, na época, era Lamartine Navarro Neto, ainda dono de 15% da empresa após vender 85% para a Odebrecht. Foi a primeira usina comprada pelo grupo baiano no estado de São Paulo.

Em 2015, os sem-terra montaram um acampamento, o 1º de Maio, no município vizinho de Euclides da Cunha. Ele era composto por trabalhadores demitidos da Destilaria Alcídia. Segundo a Rede Brasil Atual, o terreno da antiga Ferrovia Paulista S.A. (Fepasa) estava abandonado e era invadido para plantio de cana e plantação de gado.

Em 2015, acampamento do MST foi destruído. (Foto: MST)

O MST alega que a área faz parte de 92 mil hectares – o 15º Perímetro do Pontal do Paranapanema – de terras que já foram julgadas como devolutas, em 2010, pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Mesmo assim, os sem-terra foram vítimas de um atentado.

Cinco homens chegaram de carro e cercaram o acampamento, conforme o texto de Sarah Fernandes para a Rede Brasil Atual. E começaram a atirar contra alguns barracos. Só havia um homem no local. Ele tentou fugir. Um dos pistoleiros o alcançou e disse a ele que as famílias tinham 24 horas para sair.

“Em seguida, deram dois tiros em um cachorro que vivia no acampamento”, narra a repórter, “e atearam fogos aos barracos, queimando roupas, eletrodomésticos, móveis e pertences pessoais dos acampados”.

ATVOS RECEBEU 22 MULTAS AMBIENTAIS POR USINAS

Em 2009, o Ministério Público do Estado de São Paulo arquivou um processo contra a Fazenda Sanmaria Ltda, localizada próxima do Córrego dos Macacos. A instituição apurava “eventual dano ambiental consistente na supressão de vegetação em área de preservação permanente e ausência de averbação de reserva legal na matrícula do imóvel”.

Quase dez anos depois, a reserva legal está lá. Após receber 22 multas entre 2011 e 2018, num total de R$ 2,67 milhões, a Atvos – antes Odebrecht Agro – passou a fazer parte do Programa de Conversão de Multas da Secretaria de Estado do Meio Ambiente. A informação foi veiculada pela pasta em abril, que apontou um passivo de R$ 6 milhões do setor sucroenergético.

Essa compensação pela Atvos – que faturou R$ 4,4 bilhões na última safra – ocorrerá a partir da adesão a um projeto do Instituto Ipê, o Corredores de Vida: Resgate da Biodiversidade e Geração de Renda no Pontal do Paranapanema. Um corredor ecológico ligará a Estação Ecológica Mico-Leão-Preto à reserva legal da Fazenda Santa Maria, uma grande propriedade dotada de aeródromo.

Mas de multas ambientais a Fazenda Santa Maria não escapou, informa o Diário Oficial do Estado de São Paulo. A regional de Presidente Prudente da Coordenadoria de Fiscalização Ambiental da Secretaria de Meio Ambiente informou em agosto que o proprietário do imóvel não compareceu ao órgão para firmar o Termo de Compromisso de Recuperação Ambiental estipulado em notificação anterior. A multa por dano ambiental foi de R$ 7,56 mil.

Um dos destinos da cana de açúcar produzida nas terras de Jovelino Mineiro, a Usina Conquista do Pontal foi inaugurada pelo governador Serra, em 2009, como “primeira do Estado a cumprir na íntegra as normas ambientais da atual gestão”.

EMPRESA RENEGOU O NOME ODEBRECHT

Marcelo Odebrecht, preso na Lava-Jato. (Reprodução/Congresso em Foco)

Fundada em 2007, a Odebrecht Agroindustrial chamava-se ETH Bioenergia até 2013, quando vendeu 1/3 de suas ações para o conglomerado japonês Sojitz Coporation. A mudança do nome para Atvos Agroindustrial, em dezembro de 2017, foi uma tentativa de dissociar a Odebrecht Agro das denúncias da Operação Lava-Jato.

(Curiosamente, uma das peças de campanha da empresa trazia funcionários com uma faixa onde se lia: “Sou Odebrecht Agro”.)

Mas as doações de campanha em 2014 ainda eram feitas pela Odebrecht Agroindustrial. A maior delas, de R$ 200 mil, foi para o deputado estadual Barros Munhoz (PSDB, agora no PSB), ministro da Agricultura durante o governo Itamar Franco. No ano passado, dois executivos da Odebrecht – delatores da Lava-Jato – disseram que ele recebeu R$ 50 mil da empresa por caixa 2, em 2010.

A Destilaria Alcídia e a Usina Conquista do Pontal também fizeram doações de campanha.

LEIA A SÉRIE COMPLETA:
“FHC, o Fazendeiro – tudo sobre as terras da família, os amigos pecuaristas e a Odebrecht”.

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