FHC, o Fazendeiro – Superintendente da Fundação FHC nega conflito de interesses em relação a patrocínios

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Empresas do agronegócio como Cosan e Raizen estão entre as apoiadoras dos eventos; Suzano e Votorantim estiveram entre as que financiaram o início do instituto, após jantar em 2002

Por Alceu Luís Castilho

O superintendente da Fundação FHC, Sérgio Fausto, foi o escolhido pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso para falar, em nome da organização, sobre a série de reportagens “FHC, o Fazendeiro”. O cientista político teceu um discurso conciliador, identificando no agronegócio uma atividade importante para o Brasil, mas reconhecendo a importância de uma observação crítica – como a que faz o De Olho nos Ruralistas.

Fernando Henrique enviou, por meio do principal executivo da fundação, uma resposta específica para as perguntas feitas pelo observatório, sobre as propriedades da família e a relação que ele tem com pecuaristas, em especial o amigo – e antigo parceiro na fazenda Córrego da Ponte, em Minas Gerais –  Jovelino Carvalho Mineiro Filho. Confira aqui: “FHC, o Fazendeiro – Fernando Henrique diz que propriedade em Botucatu custou R$ 4 milhões”.

“O presidente não vai dar entrevista”, informa Sérgio Fausto. Ele explica que não pode falar por outros conselheiros procurados pela reportagem, como Jovelino Mineiro e o advogado José de Oliveira Costa – que deixou a direção da fundação, embora ainda apareça com a função no site e em registros recentes da pessoa jurídica. “O que posso falar é sobre a fundação”, afirmou, em entrevista por telefone nesta segunda-feira (21/05).

Sérgio Fausto diz que o agronegócio é um tema caro à fundação, por ser “evidentemente” um tema muito importante para o Brasil:

– Nossa posição é que o agro é atividade que tem de ser praticada dentro de determinadas bases e parâmetros, como a sustentabilidade ambiental – uma matéria controversa. Não é papel da fundação tomar posição específica. E sim que precisa olhar o agro, setor fundamental para o Brasil, como um vetor importante, desde que se dê nos moldes da sustentabilidade.

CIENTISTA POLÍTICO DEFENDE PLURALIDADE

Sérgio Fausto, superintendente da Fundação FHC. (Foto: Fundação Astrojildo Pereira)

O cientista político cita um debate sobre Código Florestal, realizado em 2010, como exemplo da pluralidade defendida pela fundação. Dele participaram o deputado Aldo Rebelo, então no PCdoB, um representante do Greenpeace e o ambientalista João Paulo Capobianco, secretário-executivo do Meio Ambiente durante a gestão de Marina Silva à frente da pasta. Rebelo e Capobianco não se bicaram.

“Ideia sempre foi colocar os dois mundos para conversar”, afirma Sérgio Fausto. “Tem uma pluralidade de pontos de vista presentes”. Antes que o repórter pergunte sobre a ausência dos movimentos sociais nos debates, Fausto se adianta. “Nos últimos anos esse diálogo ficou muito difícil. Mas não tem nenhum problema receber movimento social. O presidente recebia o MST no Palácio do Planalto”.

O superintendente relata também um seminário recente na fundação sobre questão agrária, no fim de abril, com a participação do pesquisador Zander Navarro, da Empresa Brasileira de Agropecuária (Embrapa). O sociólogo já foi defensor do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) e se tornou uma voz em defesa do agronegócio:

– Ele diz que os benefícios que o agro traz ao Brasil são muito significativos. Mas que é um modelo de produção concentrador. E que a Embrapa precisa pensar nesse dilema, pois perdeu a capacidade de pensar o mundo rural brasileiro também sob a ótica dos perdedores. Porque tem perdedores. Você precisa ter políticas públicas para os perdedores.

Fausto menciona uma posição contundente de Fernando Henrique em relação a trabalho escravo – ele definiu uma portaria do governo Temer, em outubro, como “desastrosa” e “inaceitável” – como um exemplo de que o contraponto é importante. “Quando vejo o De Olho nos Ruralistas, claro que não concordo com muita coisa, mas é saudável. Porque tem um pedaço do agronegócio que é o Brasil truculento, atrasado”.

‘NÃO SOU CONTRA NEM A FAVOR DA RURAL’

Ciente de que o observatório tem uma postura crítica em relação ao agronegócio, o cientista político se adianta a várias perguntas. Entre elas, um questionamento sobre eventual conflito de interesses no caso dos patrocínios para os eventos – as logomarcas da Cosan e da Raízen estão entre as mais assíduas nos seminários. “Isso nunca condicionou o debate aqui dentro”.

Mas não teve um seminário sobre arbitragem com a participação de um advogado da Cosan? Ele responde que o debatedor tem experiência na área: “Significa que tem uma proximidade? Sim. Mas por que ele foi chamado? Porque participou de processos de arbitragem. Fala bem, entende do assunto? Venha, fale. Isso não compromete a independência da fundação”.

Fundação FHC fica no mesmo prédio que a Rural. (Foto: Divulgação/GovernoSP)

Em relação à proximidade física da fundação (no 6º andar do prédio na Rua Formosa) com a Sociedade Rural Brasileira (19º), o executivo também não vê problemas: “É um fato, funciona no mesmo prédio. Isso não quer dizer nada. Não cria afinidades entre a fundação e a Rural. Também não cria desafinidades. A gente tem nossa pauta, a Rural tem a dela. Quando o presidente fez a manifestação sobre trabalho escravo, a Rural tinha outra opção”.

A Sociedade Rural Brasileira, porém (desta vez a pergunta é do repórter), diz ter sido a primeira instituição a defender o impeachment de Dilma Rousseff, isso não representa um problema político?

– Você sabe que a posição do impeachment dividiu o país. Podemos ter posições diferentes, sobre ruptura ou não. A Fundação FHC não tomou posição nenhuma. Aliás, não toma posição em relação à política partidária. Posição é ter espaço plural para temas de política pública que nos parecem relevantes. Se a Rural se manifestou é uma questão da Rural, não é da Fundação. Ela está no mesmo prédio e tem uma pessoa, que é o Jovelino Mineiro, que é associado da Rural e da Fundação. Não tenho nada contra, também não tenho a favor.

‘IDEIAS DE LULA ESTIVERAM MAIS PRÓXIMAS DO FHC DO QUE DO MST’

FHC e Lula: ideias distantes do MST? (Foto: EBC)

FHC fez um governo neoliberal? A pergunta novamente não é do repórter, mas de Fausto. Ele diz: “Espera um pouquinho. Quando você olha os dados, é difícil dizer que foi um governo de matriz liberal. Evidentemente a concepção de mundo defendida pelo MST não é a defendida pelo governo Fernando Henrique. Lula e FHC foram muito mais próximos entre si, nesse caso, do que ambos em relação ao MST”.

Perguntado sobre opiniões do presidente, contidas, por exemplo, em seus diários, como a definição do conceito de campesinato como algo arcaico, e a associação do agronegócio à modernidade, Sérgio Fausto responde que a pequena propriedade familiar, no governo do sociólogo, se expressou na reforma agrária e na criação do Programa Nacional de Fortalecimento à Agricultura Familiar (Pronaf). “E o governo Lula foi uma continuidade disso, o Pronaf se expandiu’.

O cientista político considera que Fernando Henrique se manifestou simbolicamente, ao receber delegações do MST no Palácio do Planalto, logo no início de seu mandato. “Ele brinca que era mais de esquerda que seu governo”, diz. “Teve, claro, a famosa Medida Provisória que proibiu reforma agrária para quem invadisse prédio público”. Fausto pensa um pouco, mede as palavras – sempre prevendo o contraponto do interlocutor – e complementa o raciocínio: “Ou ocupasse, como você preferir”.

LEIA A SÉRIE COMPLETA:
“FHC, o Fazendeiro – tudo sobre as terras da família, os amigos pecuaristas e a Odebrecht”.

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