Ricardo Salles beneficiou Suzano em São Paulo; futuro ministro é acusado de fraude ambiental

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Dona de 1,17 milhão de hectares e protagonista de conflitos agrários, gigante da celulose foi favorecida em mudanças de zoneamento; mecenas da “nova direita”, família Feffer patrocinou evento do Endireita Brasil, fundado por Salles

Por Leonardo Fuhrmann e Bruno Stankevicius Bassi

O futuro ministro do Meio Ambiente do governo Jair Bolsonaro, Ricardo de Aquino Salles (Novo), é acusado pelo Ministério Público do Estado de São Paulo de tentar alterar de maneira irregular o Plano de Manejo da Área de Proteção Ambiental (APA) Várzea do Rio Tietê com o objetivo de favorecer uma série de indústrias. Salles comandou a Secretaria de Estado do Meio Ambiente entre julho de 2016 e agosto de 2017, durante o governo tucano de Geraldo Alckmin, sendo removido após tornar-se réu no inquérito.

Ex-diretor da SRB, Salles recebeu expoentes da bancada ruralista. (Foto: Governo de São Paulo)

De Olho nos Ruralistas teve acesso à íntegra da ação civil pública ambiental e de improbidade administrativa. O observatório identificou, entre as empresas beneficiárias da suposta fraude ambiental, um dos gigantes do agronegócio brasileiro: a Suzano Papel e Celulose S/A.

Segundo a denúncia, o conglomerado comandado pelos irmãos Feffer foi citado em pelo menos duas reuniões, convocadas por uma assessora técnica do gabinete de Ricardo Salles, Roberta Buendia Sabbagh. Nesses encontros, a assessora pressionou representantes do Núcleo de Planos de Manejo da Fundação Florestal – órgão responsável pela gestão das Unidades de Conservação no estado de São Paulo – para alterar o zoneamento da APA Várzea do Tietê, a pedido da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).

O objetivo das alterações seria favorecer a Suzano. Segundo um dos depoentes do inquérito, a empresa “seria prejudicada caso fosse mantido o mapa original”. Daniel Feffer, diretor da Suzano ao lado do irmão David, é um dos integrantes do Conselho Superior Estratégico da Fiesp. Salles, por sua vez, foi membro do Conselho Superior do Agronegócio da federação. A empresa não foi denunciada na primeira ação proposta à Justiça sobre o caso.

SE CONDENADO, SALLES PODE PERDER FUNÇÃO PÚBLICA

APA Várzea do Tietê visa preservar as várzeas do rio, principal foco de poluição. (Foto: SMA)

A Área de Proteção Ambiental (APA) Várzea do Rio Tietê foi criada em 1987 e tem 7.400 hectares. Seu objetivo principal é preservar as várzeas do rio, principal foco de poluição de suas águas, e engloba doze municípios, nas regiões Leste e Oeste da Grande São Paulo. Além da importância ambiental, a várzea é importante também para o controle das enchentes. Segundo os promotores, Salles participou diretamente das fraudes, em 2016, quando era secretário do Meio Ambiente do governo Alckmin.

As investigações apontaram a participação de funcionários da secretaria, lotados em cargos de confiança, e da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) como autores das manipulações durante a discussão do plano de manejo da APA Várzea do Tietê.

Como uma das representantes da sociedade civil no Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema), a Fiesp apresentou uma proposta para afrouxar o zoneamento ambiental em regiões onde estavam instaladas as indústrias citadas na ação. Levada a voto, a proposta foi rejeitada pela maioria dos integrantes do conselho, que tem soberania para decidir sobre o assunto. A secretaria e a Fiesp, segundo o MP, com a participação direta de Salles, articularam para que as mudanças rejeitadas fossem contrabandeadas para o projeto final, por meio da falsificação de mapas.

Na ação civil, apresentada à Justiça em maio de 2017, os promotores pedem a condenação de Salles e dos outros réus por improbidade administrativa, com perda da função pública, impedimento de contratos com o setor público, pagamento de multa e de indenização por dano moral coletivo.

Em entrevista ao canal Globo News, Salles afirmou que, não fosse sua atuação à frente da Secretaria do Meio Ambiente, o plano de manejo seria “absolutamente desconectado da realidade”, já que algumas das fotos usadas para delimitar a área, em 2014, foram tiradas em 2007.

Segundo o novo ministro do Meio Ambiente, a experiência de São Paulo será levada para todo Brasil: “[nós vamos ter que] verificar onde está sendo feita a atuação do Estado de maneira adequada e onde há distorções, seja por falta de rigor técnico, seja por dogmatismo ideológico”.

Além da Suzano, outras empresas com atividades na várzea do rio favorecidas pelo esquema – de acordo com o Ministério Público – foram a Jofegê Pavimentação e Construção, os Laboratórios Griffith do Brasil, a Miranda Industrial e a Preferida Indústria e Comércio.

FEFFER FOI FUNDADOR DO INSTITUTO MILLENIUM

Salles agradeceu apoio de David Feffer em evento da “nova direita”. (Foto: Agência Brasil)

A relação do novo ministro do Meio Ambiente com os Feffer não se restringe ao benefício que ele tentou dar à Suzano. Na posição de fundador e presidente do Movimento Endireita Brasil, Ricardo Salles foi um dos oradores na abertura do seminário “Que Brasil queremos”, do Fórum Liberdade e Democracia, realizado em setembro de 2014, onde agradeceu especialmente a David Feffer e a outros grandes empresários pelo apoio na realização do evento.

O agradecimento não foi à toa. Nos últimos anos, a família Feffer se notabilizou como uma das principais mecenas da “nova direita brasileira“. Daniel Feffer é um dos fundadores do Instituto Millenium, junto a Paulo Guedes, virtual ministro da Fazenda de Bolsonaro. O irmão David participou, em 2007, da criação do Instituto de Formação de Líderes, um dos organizadores do Fórum Liberdade e Democracia, ao lado de José Salim Mattar Junior, dono da locadora de automóveis Localiza Hertz e futuro secretário geral de Desestatização do governo Jair Bolsonaro (PSL).

Dono de uma fazenda em Matozinhos (MG), Mattar foi um dos principais doadores da campanha derrotada de Salles a deputado federal. O valor? R$ 200 mil. A Rede Brasil Atual publicou nesta segunda-feira uma lista dos financiadores do futuro ministro.

Salles candidatou-se com o número 3006, em alusão a um calibre utilizado pelos Estados Unidos até a guerra do Vietnã. O mote da campanha era segurança no campo. Contra “a praga do javali”, “a esquerda e o MST”, “o roubo de trator, gado, insumos” e “a bandidagem no campo”.

FAMÍLIA TAMBÉM FINANCIOU FUNDAÇÃO FHC

Salles também recebeu verba de outros empresários do agronegócio, conforme apurado pela Rede Brasil Atual. Dos 17 doadores que contribuíram com valores superiores a R$ 25 mil, 12 são donos de terras. Entre os não-fazendeiros, outros dois estão ligados ao setor: Luis Stuhlberg, gestor do Fundo Verde do Credit Suisse Hedging-Griffo (CSHG), e Elie Horn, presidente da incorporadora Cyrela e sócio-fundador da BrasilAgro, uma das principais imobiliárias agrícolas do país e dona de 135 mil hectares.

David Feffer também deu sua contribuição para a criação do Instituto Fernando Henrique Cardoso (iFHC). A entidade, hoje chamada Fundação FHC, fica alguns andares abaixo da Sociedade Rural Brasileira (SRB), onde Ricardo Salles foi diretor jurídico, organização com a qual o ex-presidente tem vínculos estreitos. De Olho nos Ruralistas explorou as relações entre o líder tucano e a Rural no especial FHC, o Fazendeiro.

David Feffer e sua esposa, ao lado de FHC, em 2002. (Foto: Reprodução)

Mas nem tudo são flores no jardim neoliberal de Salles. Na última terça-feira (11/12), a Procuradoria Regional Eleitoral de São Paulo entrou com um pedido de cassação do registro e inelegibilidade por abuso de poder econômico. Segundo a denúncia, o ex-secretário de Alckmin utilizou verba do Movimento Endireita Brasil para contratar anúncios publicitários às vésperas do período eleitoral, o que é proibido pela legislação.

Salles disputava uma vaga de deputado federal pelo Partido Novo, que teve o banqueiro João Amoêdo como candidato à Presidência da República. Caso seja condenado, poderá perder seus direitos políticos, o que não o impedirá de exercer o cargo de ministro.

SUZANO TEM FLORESTAS TRANSGÊNICAS

Mais conhecida pelas indústrias, a Suzano é uma das principais empresas do agronegócio brasileiro. Segundo o plano de governança ambiental de sua Unidade Florestal, de 2017, o grupo é dono de 1,17 milhão de hectares, espalhados por oito estados, com uma área plantada de 523 mil hectares, equivalente a 5% de todo o cultivo de eucalipto e pinus no Brasil. Somente em São Paulo, as terras da Suzano englobam 192.141 hectares.

Em março, a família Feffer anunciou a compra de 46,6% da Fibria (ex-Aracruz Celulose), segunda maior empresa de papel e celulose do Brasil, atrás da própria Suzano, por R$ 29 bilhões. Com a fusão, a Suzano se tornará o maior grupo empresarial do agronegócio brasileiro, com 11 fábricas e produção anual de 11 milhões de toneladas de celulose e 1,4 milhão de toneladas de papel.

Mapa aponta fazendas da Suzano em unidades de conservação. (Imagem: Divulgação)

A compra da Fibria também elevará a Suzano ao patamar de uma das maiores proprietárias de terras do Brasil – e do mundo. Com a negociação, a família Feffer somará ao seu “portfólio” 1,09 milhão de hectares controlados pela antiga competidora, totalizando 2,26 milhões de hectares – equivalente à área de Israel.

Os negócios do conglomerado não se restringem às fazendas e às indústrias. Em 2010, a Suzano comprou, por US$ 82 milhões, a FuturaGene, empresa de biotecnologia dedicada ao desenvolvimento genético de mudas florestais. Cinco anos depois, em abril de 2015, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) aprovou o uso comercial do eucalipto transgênico, conhecido como H421.

No mês anterior à aprovação, cerca de mil mulheres do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) ocuparam o laboratório da FuturaGene, em Itapetininga (SP), denunciando os impactos do H421 sobre a produção de mel orgânico – cuja contaminação por material transgênico inviabiliza a rotulagem orgânica ou agroecológica – e no aumento da crise hídrica.

EMPRESA PROTAGONIZA CONFLITOS NO MARANHÃO

A ocupação da FuturaGene não foi o primeiro atrito entre Suzano e MST. Desde julho de 2014, a fazenda Rodominas, em Bom Jesus das Selvas (MA), é palco de um conflito envolvendo 150 famílias camponesas, que reivindicam a destinação da área, com 6 mil hectares, para a reforma agrária.

Mulheres do MST ocuparam laboratório da FuturaGene em Itapetininga. (Foto: MST)

Lideranças do movimento dizem que a fazenda, arrendada pela Suzano, seria fruto de grilagem e acusam funcionários da empresa pela pulverização ilegal de agrotóxicos sobre o acampamento e pela tentativa de atropelamento de uma mulher grávida. A área em disputa está a 200 quilômetros da planta de processamento da Suzano, em Imperatriz (MA), que recebe eucalipto de fazendas no Maranhão, Pará, Tocantins e Piauí.

Em outubro de 2016, a Justiça do Maranhão proibiu a empresa de expandir os plantios de eucalipto no Baixo Parnaíba, região nordeste do estado. De acordo com a decisão proferida pelo desembargador Souza Prudente, é imposto à Suzano Papel e Celulose S/A que “se abstenha de expandir os plantios de eucalipto, com interrupção do processo de desmatamento do cerrado maranhense e de implantação de florestas de eucalipto, ressalvada a manutenção dos plantios já existentes”.

A Suzano também herdará um longo histórico de disputa da Aracruz Celulose (integrada à Fibria em 2009) no norte do Espírito Santo. Desde os anos 1970, a comunidade quilombola Sapê do Norte denuncia a invasão de seus territórios tradicionais pela empresa. Em 2010, cerca de 500 quilombolas retomaram uma área ancestral no município de Conceição da Barra (ES), onde eles vêm realizando mutirões de plantio tradicional visando a recuperação do território, degradado após quarenta anos de monocultura de eucalipto.

Nos anos 1990, a Aracruz Celulose se tornou internacionalmente conhecida pelo conflito contra as etnias Tupiniquim e Guarani Mbyá, que reivindicavam a demarcação de suas terras, tomadas por particulares e posteriormente adquiridas pela Aracruz. Em 2007, um acordo entre a empresa e lideranças indígenas pôs fim à disputa, reconhecendo o direito à titulação de 11 mil hectares que se tornariam as Terras Indígenas Tupiniquim e Comboios.

SUZANO DIZ QUE SEGUIU AS REGRAS

De Olho nos Ruralistas enviou à Suzano Papel e Celulose S/A uma série de perguntas indagando se a empresa tinha conhecimento sobre as ações da Secretaria do Meio Ambiente e da Fiesp em seu favor. Abaixo, a íntegra da resposta:

“A unidade da empresa em operação na região da Várzea do Tietê está instalada no local desde período anterior à lei número 5.598, de 06 de Janeiro de 1987, que se refere à APA Várzea do Rio Tietê, e, portanto, não foi contemplada no plano de manejo da APA Várzea do Tietê. Relacionamentos com autoridades são institucionais e seguem com rigor todas as regras estabelecidas”.

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