Nova Zelândia e Alemanha tiveram manifestações antifascistas neste início de ano, de olho na nova gestão em Brasília; movimentos sociais e ONGs demonstram indignação com Medidas Provisórias, mas também cautela
Por Leonardo Fuhrmann e Bruno Stankevicius Bassi
A primeira semana do governo Jair Bolsonaro foi marcada por retrocessos e anúncios de reviravoltas em direitos da população do campo, em especial dos povos originários e tradicionais. Mas a reação da sociedade civil, por enquanto, tem sido majoritariamente epistolar: notas com “repúdio” às medidas, manifestos, cartas. No máximo, das ONGs aos movimentos sociais, foram feitas algumas representações ao Ministério Público Federal.
A retirada do poder de fazer demarcações e licenciamentos da Funai, a redução da autonomia do Incra e a extinção do Consea encontram-se entre essas medidas. Aliadas dos povos do campo, as organizações não governamentais também passarão a ser monitoradas pela Secretaria de Governo. Essas mudanças foram apresentadas em medidas provisórias. O Incra também suspendeu, por tempo indeterminado, todos os processos de aquisição de terras para camponeses.
Embora o desmonte da estrutura de proteção aos trabalhadores rurais seja rápido, as medidas são compatíveis com as promessas de campanha de Bolsonaro e com as suas declarações depois de eleito. Mesmo sem poder alegar surpresa com os anúncios do governo, os movimentos sociais ligados a esses grupos reagiram na primeira semana do ano mais com palavras do que com manifestações de rua.
INDÍGENAS BUSCAM SUSPENSÃO DE MEDIDA PROVISÓRIA
Os funcionários da Funai, por exemplo, divulgaram uma nota em que criticam o desmonte da política indigenista. Eles dizem que nem os povos nem os indigenistas foram consultados sobre a mudança. Em nota, o Cimi considera que a medida fere os artigos 231 e 232 da Constituição. Indígenas capixabas também anunciaram que vão lutar pelos seus direitos. Eles prometem resistir. Uma das questões é: como?
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) buscou a via judicial para tentar evitar a perda de autonomia da Funai. Entrou com uma representação no Ministério Público Federal para tentar reverter a medida. A mesma medida foi tomada por líderes indígenas de Roraima. Ao longo dos últimos dias, este observatório – que inaugurou no dia 1º a editoria De Olho na Resistência – mostrou que, para entidades do setor, a mudança deve paralisar a demarcação de 232 terras indígenas e 230 territórios quilombolas.
Em outra frente, organizações indígenas do Acre protocolaram nesta segunda-feira (07/01) no Ministério Público Federal uma ação questionando outra proposta do governo federal, que pretende abrir as terras indígenas para a exploração agropecuária. A ação também questiona a reestruturação ministerial. Líderes indígenas do Amazonas divulgaram uma carta ao presidente, em protesto contra as mudanças.
GOVERNO PRETENDE REVISAR DEMARCAÇÕES ANTERIORES
E Bolsonaro vai além. Segundo o secretário especial de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura, Luiz Nabhan Garcia, o governo prepara uma proposta para revisar e anular atos anteriores, incluindo demarcações de territórios tradicionais já homologadas e a titulação de terras para a reforma agrária.
Antes de assumir o cargo, Garcia foi presidente da União Democrática Ruralista (UDR), que, durante os anos 1980, promoveu a formação de milícias no campo, sendo acusada por dezenas de assassinatos – entre eles, do líder extrativista Chico Mendes, morto sob encomenda de um dirigente da UDR no Acre.
A divulgação de uma nota também foi a reação da Associação Brasileira das Organizações Não Governamentais (Abong) para a medida que as coloca sob “supervisão” da Secretaria de Governo. Para essas entidades, a decisão fere o direito de organização social. A preocupação com a extinção do Consea também foi manifestada em notas de repúdio. A decisão foi anunciada no ano em que o Brasil pode voltar ao mapa da fome da ONU.
GILMAR MAURO, DO MST: ‘MOMENTO É DE REFLEXÃO’
Para o coordenador do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Gilmar Mauro, não é hora de aventuras: “Esses ataques eram previsíveis, mas a contenção de um problema social não se dá pela violência, ou então isso pode explodir. É um momento de reflexão”.
Na última quinta-feira (3/1), o ex-diretor do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Clovis Figueiredo Cardoso, assinou um memorando determinando a paralisação da compra e desapropriação de terras para reforma agrária, atendendo a um pedido do novo governo.
“Quem criou a figura do sem terra não foi o MST, foi a sociedade brasileira e sua lógica de ocupação da terra” diz Gilmar Mauro. “Eles querem atacar a consequência e não a causa do problema social”. Para o dirigente do MST, apesar da primeira semana sem grandes movimentações, as resistências irão ocorrer: “Vamos apoiar toda resistência que haja”.
NA NOVA ZELÂNDIA E NA ALEMANHA, MANIFESTAÇÕES
Entre políticos, as manifestações também soam protocolares. A presidenciável Marina Silva (Rede), que foi senadora e ministra do Meio Ambiente, usou as redes sociais para protestar contra a decisão, que coloca a demarcação sob a análise dos ruralistas que comandam o Ministério da Agricultura. O PT divulgou uma nota em que considera que a medida enfraquece direitos constitucionais dessas comunidades.
Do outro lado dos oceanos os grupos antifascistas decidiram agir. No dia 4, um grupo ocupou a Embaixada Brasileira na Nova Zelândia para pedir que o país da Oceania rompa relações diplomáticas com o Brasil por conta da posse de Bolsonaro. No dia seguinte, a Embaixada de Berlim, na Alemanha, também foi alvo de manifestações contra o presidente. Em mensagem pichada na fachada do prédio, os manifestantes afirmavam que lutariam contra o fascismo no Brasil.