Sem cargo, ex-deputado “das laranjas” oferece consultoria gratuita para governo Bolsonaro

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Marquezelli e as laranjas. (Ilustração: Baptistão)

Canal Rural informa que Nelson Marquezelli (PTB-SP), empresário ligado ao setor da citricultura, acompanhará temas de interesse da bancada ruralista junto ao Ministério da Agricultura; segundo a revista Veja, trabalho será voluntário

Por Alceu Luís Castilho

A informação está na revista Veja: “Marquezelli se contrata em empresa e vira ‘consultor’ do governo“. Segundo a coluna Radar, o ex-deputado Nelson Marquezelli (PTB-SP) – ele que foi o primeiro presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária – criou a empresa de consultoria Eros e trabalhará de forma voluntária para o governo Bolsonaro. “Seu trabalho será conseguir apoio entre os ruralistas”, diz a revista.

O jornalista Evandro Éboli informa que, na manhã de quarta-feira, Marquezelli abordou na Câmara o secretário da Previdência e Trabalho, Rogério Marinho. “Agora estou trabalhando para o governo aqui”, disse o deputado, que não conseguiu ser reeleito. “Conte comigo. Quero ajudar no Brasil nas reformas. Fico durante um ano. Depois, vou embora”.

Em cobertura da posse da nova diretoria da Frente Parlamentar da Agropecuária, na terça-feira, o Canal Rural confirmou as novas atividades do “deputado das laranjas”. O site especializado em agronegócio publicou as seguintes informações, enquanto chegavam no Clube Naval os convidados para a cerimônia, prestigiada pelo presidente Jair Bolsonaro:

– O ex-deputado federal e primeiro presidente da FPA, Nelson Marquezelli, chegou cedo ao evento. Após sair da Câmara com o final do oitavo mandato, em janeiro deste ano, ele ficou em Brasília para ajudar a bancada no acompanhamento de projetos importantes na Comissão de Agricultura e de Constituição e Justiça da Casa. O trabalho é em conjunto com o Ministério da Agricultura.

‘TODO MUNDO LEGISLA EM CAUSA PRÓPRIA’, DISSE ELE

De Olho nos Ruralistas publicou no dia 12 de setembro um perfil do deputado, em meio à cobertura, por Unidade da Federação, dos candidatos ruralistas ao Congresso. Ele foi o destaque entre os candidatos paulistas: “Réu, ‘deputado das laranjas’ transfere bens para os filhos e fica mais pobre“.

O título se refere à diminuição de seu patrimônio entre 2010 e 2018, conforme as declarações de bens entregues ao Tribunal Superior Eleitoral: de R$ 12,3 milhões para R$ 3,45 milhões.

“Todo mundo legisla em causa própria”, declarou o político em 1991, após apresentar projeto de lei que obrigava escolas e quartéis a consumir suco de laranja. Era sua estreia na Câmara. Dono de 11 fazendas nessa época, em São Paulo e Minas, produtor de laranjas, ele voltou a defender a ideia em 2009.

Em 2018, Marquezelli despontou entre os denunciados na Operação Registro Espúrio, que investigou um esquema de negociação ilegal de registros sindicais no Ministério do Trabalho. A Polícia Federal confiscou, em julho, R$ 5 mil que estavam em sua mala. O deputado já foi condenado por vender terrenos em um loteamento clandestino em Pirassununga (SP). Mas sua atuação mais recorrente é mesmo no setor agropecuário.

Trabalho degradante em fazenda da Cutrale. (Foto: Ministério do Trabalho)

Ex-presidente da Comissão de Agricultura da Câmara, o “deputado das laranjas” é um representante eloquente da bancada da cana-de-açúcar em Brasília, capitaneada por parlamentares paulistas: “Candidatos de SP preferem defender o setor da cana a participar da FPA”.

Em 2015, ele ajudou a aprovar projeto de lei  (3.541/2012) que obriga as indústrias processadoras de laranja in natura – caso queiram receber financiamento do Banco de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) – a adquirir pelo menos 40% das laranjas diretamente dos produtores rurais. Em outra votação, foi contrário a restrições a empresas que, ao mesmo tempo, plantem o fruto e tenham fábrica nessa cadeia produtiva.

Entre as empresas declaradas pelo político no ano passado está uma de imóveis, chamada Orange – nome em inglês para laranja. Em 2010, ele ainda informava possuir fazendas. Mas elas não apareceram nas últimas declarações. Eram cinco propriedades, todas no interior paulista: duas em Pirassununga, uma em Corumbataí e duas em Descalvado. Uma das fazendas em Descalvado foi declarada por R$ 1,4 milhão, a mais valiosa.

POLÍTICO FOI FINANCIADO PELA CUTRALE

Durante a campanha de 2014 uma das principais financiadoras da campanha de Marquezelli foi a Cutrale, multinacional do setor cítrico, com R$ 200 mil. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) vem fazendo há anos, na região de Agudos (SP), ocupações em terras públicas – desde 1909 – exploradas pela Cutrale e por outros fazendeiros.

O MST fez em setembro mais uma ocupação no município. Em abril de 2017 tinha sido a vez da Fazenda Santo Henrique, que, segundo o movimento, tem 2.500 hectares de terras públicas ocupadas na vizinha Borebi (SP) pela Cutrale. Em 2012, Marquezelli assinou requerimento favorável à criação da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) contra o MST.

O dono da multinacional, José Luís Cutrale, entrou em 2015 na lista dos bilionários da Bloomberg. Naquele ano era a 26ª pessoa mais rica do Brasil. Dez anos antes, por iniciativa de Marquezelli e do deputado Marcelo Barbieri (MDB-SP), seu pai José Cutrale Júnior- falecido em 2015 – ganhou homenagem na Câmara. “Sou produto da ideia e do trabalho dele”, declarou Marquezelli.

Em janeiro de 2015, a Cutrale foi denunciada por manter 23 trabalhadores em condições degradantes em uma fazenda no município de Comendador Gomes (MG). Em fevereiro, a Vara do Trabalho de Botucatu condenou a empresa por descumprimento de normas de segurança e saúde do trabalho. Entre as irregularidades identificadas pelo Ministério Público do Trabalho estava a falta de água potável. Em 2017, a empresa entrou na lisa suja do trabalho escravo.

O próprio Marquezelli contribuiu para regularizar a formação de cartel pela empresa, ao estimular – após partilha de fábricas e fazendas compradas da Cargill – a concentração de 70% do mercado de suco de laranja no Brasil por Cutrale e Citrosuco. Antes desse acordo, em 2000, ele vendia sua produção para a Citrosuco e era opositor da Cutrale. O valor pago pelas empresas pela formação de cartel em 2016, R$ 301 milhões, foi o mais alto determinado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).

Em 2006, diante de investigação sobre cartel no mercado de laranjas, o deputado fez um requerimento para acompanhar um processo do Ministério de Justiça – da Secretaria de Direito Econômico – que resultara em uma busca e apreensão nas casas de diretores da Associação Brasileira dos Exportadores de Cítricos (Abecitrus) e nas sedes das empresas acusadas. Entre elas, a Cutrale. Na sala da presidência da empresa foi encontrada uma submetralhadora da marca israelense Uzi.

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