Caso na região de Altamira soma-se a outros crimes ocorridos em regiões de expansão da fronteira agrícola amazônica, projeto defendido pelo governo Bolsonaro; o primeiro caso foi um massacre no Pará; o segundo, no Amazonas
Por Julia Dolce
Um tiroteio em um acampamento de agricultores no Pará, ocorrido na quarta-feira, elevou para onze o número de vítimas de conflitos no campo em 2019. O assassinato de um camponês ainda não identificado ocorreu nas proximidades da Vila de Mocotó, entre os municípios de Altamira, Anapu e Senador José Porfírio, durante um despejo sem ordem judicial. A ação deixou três camponeses feridos e provocou a morte de um sargento da Polícia Militar, Valdenilson Rodrigues da Silva. O crime foi o terceiro do tipo em menos de duas semanas.
Altamira é um município gigante no sul do Pará. Maior que a Inglaterra, por exemplo. É lá que fica a Usina de Belo Monte. Anapu foi o cenário da execução da missionária Dorothy Stang, em 2005.
A Comissão Pastoral da Terra (CPT) trabalha com o conceito de “tentativa de massacre” para esse caso e para um dos ataques anteriores, no Amazonas. Em ambos vários camponeses foram feridos, com um morto em cada crime.
O primeiro crime dessa série recente aconteceu no Pará. Com dois massacres sucessivos. Na madrugada do dia 22 de março, três camponeses do assentamento Salvador Allende, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), em Baião (PA), foram assassinados a mando do fazendeiro Fernando Ferreira Rosa Filho, preso alguns dias depois pela Polícia Civil do estado. Entre as vítimas estava Dilma Ferreira Silva, coordenadora regional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). Em seguida, foram descobertos os corpos de três funcionários de Fernando, na mesma madrugada, em fazenda dele no mesmo município.
De acordo com a investigação da Polícia Civil, a disputa por terras motivou os assassinatos de Dilma, seu marido e seu vizinho. Fernando pretendia construir uma pista de pouso clandestina na área onde hoje fica o assentamento, antiga Fazenda Piratininga, demarcada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em 2011. O mandante já havia sido denunciado por crimes de grilagem de terras e tráfico de drogas.
FAMÍLIAS FOGEM EM PÂNICO NO ARCO DO DESMATAMENTO
A segunda tentativa de massacre do ano ocorreu igualmente na Amazônia, na noite do sábado. Pistoleiros invadiram o Seringal São Domingos, localizado no município de Lábrea, extremo sul do Amazonas, região próxima à tríplice divisa entre o estado, o Acre e Rondônia. O município está localizado em uma das fronteiras do desmatamento na região.
O ataque deixou pelo menos uma vítima: o líder das famílias de posseiros, Nemis Machado de Oliveira, velado e sepultado na segunda-feira. Os pistoleiros atearam fogo às casas. Segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT), dezenas de famílias fugiram em pânico para a floresta. Até a manhã da terça-feira várias pessoas continuavam desaparecidas.
O Seringal São Domingos reúne, desde 2016, cerca de 140 famílias que vivem da extração da borracha e de pequenas lavouras na região. Ele possui um longo histórico de conflitos envolvendo grileiros, fazendeiros e madeireiros. A área é conhecida pela expansão de uma nova fronteira agrícola. Segundo o relatório do Plano Amazônia Sustentável (PAS) de 2006, produzido pelo Ministério do Meio Ambiente, na região, a agricultura familiar – ou camponesa – vem cedendo lugar a grandes propriedades dedicadas à atividade pecuária.
CAMPONESES DA REGIÃO VIVEM EM ESTADO DE ALERTA
Cenário do terceiro massacre das últimas semanas, a Vila de Mocotó tem igualmente um histórico de conflitos agrários, representando uma fronteira agrícola mais antiga. Altamira foi alvo de um Programa Integrado de Colonização (PIC-Altamira) entre as décadas de 1970 e 1980, pelo qual o Incra se encarregou de organizar assentamentos ao redor da Transamazônica, triplicando a população dos municípios.
O Pará ocupa há anos a posição de estado com o maior número de massacres por conflitos agrários. Entre 1985 e 2017, o estado teve uma média de 21 camponeses assassinados por ano. Um levantamento realizado em 2018 pela CPT apontou que nos últimos 32 anos foram 1.438 casos de conflito de terra em todo o país, com 1.904 vítimas. Dessas, 702 viviam no Pará. Em relação aos massacres, a organização contabilizou 46 nesse período; 37 deles ocorreram na região amazônica.
Com o projeto de expansão da fronteira agrícola amazônica, já defendido pelo presidente Bolsonaro por meio de medidas e obras que pretendem abrir a floresta para a agricultura, os movimentos do campo temem que a violência agrária possa aumentar ainda mais. O decreto que flexibilizou o porte de armas no país e as constantes ameaças que Bolsonaro faz aos movimentos do campo em seus discursos mantêm alertas os camponeses para o risco do aumento dos conflitos no campo.