Oitava edição do encontro acontece na Terra Indígena Morro dos Cavalos, que já foi alvo dos ruralistas na CPI da Funai; reunião fortalece a luta pela demarcação de terras em meio à falta de comprometimento do governo com o assunto
Por Priscilla Arroyo
Yvyrupa é a expressão guarani para designar a estrutura que sustenta o mundo terrestre, ou o manto da Terra. Da Terra e da terra. É o solo que provê os alimentos, as medicinas, que abriga a água. Isso significa espaço para que as comunidades indígenas possam manter a sua cultura. Para defender esse direito, 540 líderes Guarani se reuniram esta semana (20 a 24) na Tekoa Itaty, Terra Indígena Morro dos Cavalos, em Santa Catarina, para a 8ª Assembleia Geral da Comissão Guarani Yvyrupa (CGY). Foi um recorde.
A entidade representa 300 aldeias do Sul e Sudeste. Isso significa cerca de 40% da população Guarani no Brasil, que é de 85 mil indígenas. Os encontros fortalecem as aldeias na luta contra grandes fazendeiros e empresas que impedem – por meio da Justiça e em muitos casos com violência física – os indígenas de conquistarem e manterem os seus territórios.
“A política do novo governo está trazendo ainda mais desafios em relação à demarcação das nossas terras”, diz Julio Karai Xiju, um dos dez coordenadores estaduais da CGY-RJ. “Estamos nos organizando para enfrentar isso e esse foi o principal fator que trouxe tantas pessoas para a assembleia”.
O presidente Jair Bolsonaro, ao tomar posse, retirou da Fundação Nacional do Índio (Funai) a função de demarcar terras indígenas por meio de medida provisória. Na quarta-feira, a Câmara decidiu que a demarcação volta para a responsabilidade da Funai, órgão agora sob o guarda-chuva do Ministério da Justiça e Segurança Pública.
Um dos efeitos dessas decisões do governo é a paralisação dos processos de pedido de demarcação. A tramitação das ações que acontecem na Justiça tendem a ficar ainda mais lentas. E não são poucas. A estimativa é que existam, ao menos, 400 processos de regularização fundiária em tramitação.
INDÍGENAS SÃO OBRIGADOS A TRABALHAR EM FRIGORÍFICOS
Muitas comunidades que já têm o território demarcado enfrentam a contrariedade de fazendeiros, que entram na Justiça para tentar anular a decisão. Um exemplo é a Terra Indígena de Mato Preto, que ocupa 4.230 hectares nos municípios de Erechim, Erebango e Getúlio Vargas (RS).
Diante da incerteza, as 21 famílias que moram no local estão instaladas de maneira precária, em acampamentos, condição na qual não conseguem plantar, colher e nem construir as habitações. Sem poder exercer atividades na terra, muitos indígenas aceitam trabalhos em fazendas vizinhas ou em frigoríficos da região.
“Uma comissão de agricultores entrou com pedido de anulação do nosso território”, diz Joel Kuaray, líder da comunidade. O processo está paralisado e aguarda decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em Porto Alegre. “Nesse momento de instabilidade, tememos sofrer violência dos fazendeiros de milho e soja da região”.
A própria Terra Indígena de Morro dos Cavalos, que abriga o evento, corre o risco de deixar de existir. A comunidade onde moram 119 indígenas das etnias Guarani, Mbya e Ñandeva, enfrenta desde 2008 uma ação judicial do estado de Santa Catarina cujo objetivo é anular o processo de demarcação do seu território.
A alegação é de que há irregularidades. Para a Procuradoria-Geral da República, no entanto, não houve nenhum tipo de falha no processo. “Além da situação ser precária, isso pode refletir de maneira negativa em outros processos de demarcação”, diz Julia Navarra, assessora jurídica do Centro de Trabalho Indigenista (CTI).
Líderes de outros povos indígenas compareceram à assembleia, assim como importantes parceiros do movimento, como Sonia Guajajara, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), e Kretã Kaingang, da ArpinSul.