Em sua 9ª edição, o Encontro e Feira dos Povos do Cerrado reuniu indígenas, quilombolas, quebradeiras de coco e geraizeiros para discutir o fortalecimento do extrativismo sustentável e defesa dos territórios contra a expansão do agronegócio
Por Bruno Stankevicius Bassi, de Brasília
“É o Cerrado que nos une, é o Cerrado que nos trouxe aqui”. Assim resumiu Maria do Socorro Teixeira Lima, coordenadora geral da Rede Cerrado e integrante do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB), o propósito do IX Encontro e Feira dos Povos do Cerrado.
Realizado entre 11 e 14 de setembro, em comemoração ao Dia Nacional do Cerrado, o evento reuniu na capital federal mais de 6 mil pessoas, entre representantes de povos e comunidades tradicionais, indígenas, parlamentares, pesquisadores e ambientalistas, para discutir estratégias de resistência frente à expansão da fronteira agropecuária, a partir da valorização dos produtos e dos saberes cerratenses.
Considerado o bioma mais ameaçado do Brasil, o Cerrado perdeu, entre 1985 e 2018, cerca de 29 milhões de hectares de vegetação nativa, uma área equivalente ao Equador convertida em monocultura e pastagens, segundo dados do projeto MapBiomas. Apenas 2,85% de sua área total está protegida sob unidades de conservação de proteção integral.
O avanço agressivo do agronegócio sobre os territórios tradicionais foi um dos temas do Encontro, como relata Rosana Claudina, produtora extrativista no Assentamento Andalucía, em Nioaque (MS). “A nossa região é cercada pela produção de cana. A gente foi sendo encostado e as comunidades acabaram arrendando suas terras para as usinas”, afirma. “O agronegócio captou a mão-de-obra que estava nos assentamentos e depois essas pessoas tiveram os vínculos com a agricultura familiar rompidos. A quebra desse vínculo é um prejuízo grande pois, com isso, vem a destruição dos poucos fragmentos de Cerrado que existem”.
A conexão com as raízes, intrínseca àqueles que vivem e lutam pelo Cerrado, também foi expressada nas homenagens feitas a Dona Dijé, líder quilombola no Maranhão e figura histórica do movimento das quebradeiras de coco, falecida em setembro de 2018.
Para Célia Xakriabá, professora e ativista indígena, a ligação com os territórios se reflete na própria existência dos indivíduos. “Quem tem território, tem mãe. Quem tem, mãe tem colo. Quem tem colo, tem lugar pra onde voltar. E quem tem lugar pra onde voltar, tem cura”.
CADEIA DO BARU É TEMA DE OFICINA
Além do espaço para comercialização de produtos alimentícios, cosméticos e artesanatos trazidos pelos participantes, o IX Encontro e Feira dos Povos do Cerrado também contou com uma série de mesas de debate. Dentre elas, a oficina sobre comércio justo e solidário na cadeia do baru reuniu representantes de comunidades extrativistas, compradores e organizações de apoio para discutir os principais desafios para o crescimento sustentável da produção do fruto, cuja castanha vem ganhando reconhecimento dentro e fora do país.
Junto ao período curto de colheita e às oscilações na safra por questões climáticas, a extrativista Rosana Claudina identifica na assistência técnica um dos gargalos para o fortalecimento do comércio do baru:
– Nunca foi levada a sério a questão do extrativismo sustentável nas comunidades locais. Não foi tido um pensamento de um governo que voltasse pra realidade de que isso gera renda, fixa o homem no campo e assegura o jovem no campo. Então é uma atividade que tem um apelo social muito forte. E até agora a gente não conseguiu que isso fosse visto pelos formadores de lei, pelo governo e pela sociedade civil.
Para Dionete Figueiredo Barboza, gestora da Cooperativa de Agricultura Familiar Sustentável com Base na Economia Solidária (Copabase), que congrega agricultores e produtores extrativistas do Noroeste de Minas Gerais, o trabalho com os frutos do Cerrado tem um papel crucial na defesa dos territórios. “O baru se torna, além de uma oportunidade de renda para as famílias, uma forma de enfrentamento para esse avanço agressivo e intenso do agronegócio. Ele se torna uma forma que as pessoas têm de permanecer no campo”.
“As comunidades estão se organizando para melhorar cada vez mais a apresentação e a visibilidade dos produtos”, ressalta Rosana que, além do baru, trabalha com outros frutos do Cerrado, como o jatobá e a bocaiúva. “O extrativismo dá autonomia às mulheres também, pois são elas que fazem a frente para essa transformação de atividades, para essa agregação social. Pra nós, o baru é realmente um universo de oportunidades”.
Foto principal: Gui Teixeira/WWF Brasil