Reportagem da Agência Pública e Repórter Brasil mostrou relação entre reuniões e lobby do agronegócio e decisões da Anvisa em relação ao paraquat; interessados na aprovação são também financiadores da Frente Parlamentar da Agropecuária, a FPA
Por Bruno Stankevicius Bassi
O agro é lobby. A influência política dos ruralistas em Brasília, ocultada nas campanhas publicitárias pró-agronegócio da Rede Globo, não se restringe aos ataques a direitos indígenas e leis ambientais. E o veneno que chega à nossa mesa — e mata trabalhadores rurais pelo país — também é fruto desse jogo diário de pressões empresariais, costurado pela Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA).
Controlando 48% das cadeiras na Câmara e no Senado, esse braço institucional mais conhecido da bancada ruralista tem concentrado esforços em reverter uma decisão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que proíbe, a partir de 22 de setembro, a comercialização do paraquat, agrotóxico associado à doença de Parkinson e mutações genéticas que já teve o uso banido na União Europeia e na China.
Segundo levantamento da Agência Pública e da Repórter Brasil, entre 21 de setembro de 2017, data de publicação da resolução nº 177, que proíbe o paraquat, e 08 de julho de 2020, dia seguinte à proposição no Senado de um projeto para suspender a proibição, os dirigentes da FPA participaram de, pelo menos, sete reuniões com a Anvisa para discutir regulação de agrotóxicos. Essas reuniões foram geralmente seguidas de sinalizações favoráveis do órgão em relação ao agrotóxico.
De Olho nos Ruralistas destaca cinco personagens centrais desse jogo político: três deputados, um senador e o principal executivo da frente parlamentar:
EXECUTIVOS REPRESENTAM FINANCIADORES DA PRÓPRIA FRENTE
Na primeira delas, em 21 de outubro de 2019, o presidente da frente, o deputado Alceu Moreira (MDB-RS), visitou o diretor da Anvisa, Renato Porto, acompanhado de executivos da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja) e da Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa), financiadoras do Instituto Pensar Agro (IPA), entidade que custeia as atividades da FPA no Congresso. Em pauta, a realização de uma pesquisa, bancada com recursos da Aprosoja, que demonstre a segurança do uso do paraquat.
Duas semanas depois, em 5 de novembro, Porto voltou a abrir as portas para a FPA, dessa vez convidando também o coordenador da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), órgão responsável por dar aval à realização do estudo. Os ruralistas tiveram ainda mais um encontro com o diretor da Anvisa, no qual também participaram representantes das indústrias de agrotóxico e da Associação Brasileira dos Produtores de Milho (Abramilho), antes da agência finalmente liberar a pesquisa, em 11 de dezembro de 2019.
Além do estudo da Aprosoja, há outra pesquisa em curso na Inglaterra, financiada pela “Força-Tarefa Paraquate”, grupo formado por doze fabricantes de pesticidas e pelo Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg), que também financia, através do IPA, as atividades da FPA. A demora na realização dos estudos é a principal argumentação para postergar (e, eventualmente, anular) a proibição do paraquat no Brasil.
O PRINCIPAL LOBISTA DA FRENTE ENTRA EM CENA: HUMMEL
Em 2020, começou a pressão para prorrogar o prazo para entrada em vigor da proibição ao paraquat. Foi uma visita de dirigentes da FPA à Anvisa, em 13 de fevereiro, que acendeu o sinal vermelho no Ministério Público Federal (MPF) para o lobby do paraquat. Com isso, o procurador federal Marco Antônio Delfino de Almeida acionou a 1ª Vara da Justiça Federal de Dourados (MS) para impedir a deliberação sobre o paraquat, que ocorreria durante reunião da Diretoria Colegiada da Anvisa, em 31 de março.
O bloqueio de pauta, acatado pela Justiça sul-mato-grossense, trouxe ao tabuleiro um novo ator, responsável por mudar a abordagem da FPA na guerra pelo paraquat. João Henrique Hummel é o diretor-executivo do IPA e principal responsável pela ascensão dos ruralistas ao status de maior força política no Congresso. É ele quem faz a ponte entre parlamentares e as associações e empresas do setor, quando estas precisam de apoio nos corredores de Brasília. E é ele quem comanda a mansão no Lago Sul onde, às terças-feiras, acontecem os tradicionais almoços da FPA.
Foi em um desses encontros semanais, em 2016, que a equipe do De Olho nos Ruralistas foi expulsa por Hummel em pessoa. Intitulando-se “dono da casa“, ele disse que os repórteres – que haviam acabado de entrevistar Alceu Moreira e o gaúcho Luís Carlos Heinze (PP-RS) – não podiam estar ali, por se tratar de lugar privado. Após o episódio, a assessoria de imprensa da FPA confirmou que o acesso era público, sem restrições a este ou aquele veículo: “Dono da mansão dos ruralistas em Brasília representa setores do agronegócio“.
A imagem ao lado mostra o executivo com uma pasta da Aprosoja, no momento da expulsão.
Hummel já havia participado, junto a Moreira, da reunião de outubro de 2019, segunda etapa da aproximação dos ruralistas com a Anvisa. A primeira havia ocorrido no início daquele ano, quando o diretor Renato Porto foi convidado à solenidade de posse da nova diretoria da FPA. A partir da intervenção do MPF, o lobbista foi acionado pelo menos outras duas vezes.
No dia 13 de maio, Hummel reuniu-se com o diretor-substituto da Anvisa, Romison Mota. Com ele estavam o consultor jurídico da Aprosoja, Felipe Camargo, e o assessor legislativo da FPA e coordenador de relações governamentais da Abrapa, Vinicius Silva. Os quatro voltariam a conversar em 08 de julho, último evento da linha do tempo apurada pela Agência Pública e Repórter Brasil.
NISHIMORI: QUANDO A ARTICULAÇÃO CHEGA AO PLENÁRIO
A reunião do dia 13 de maio foi o primeiro passo da nova abordagem dos ruralistas. A partir dali, os líderes da Frente Parlamentar da Agropecuária tentaram suspender a resolução nº 177 diretamente no Congresso.
Em 30 de junho, o deputado Luiz Nishimori (PL-PR) apresentou na Câmara um Projeto de Decreto Legislativo (PDL) sustando a aplicação da proibição do paraquat. Vice-presidente da FPA para Região Sul e relator do controverso PL do Veneno — que rendeu à ministra da Agricultura e então deputada, Tereza Cristina (DEM-MS), o apelido de Musa do Veneno —, Nishimori vendeu durante anos pesticidas no noroeste do Paraná, por meio da empresa Mariagro Agrícola Ltda, hoje em nome de sua mulher, Akemi Nishimori.
“Eu usei DDT, Parathion e BHC“, recordou-se, durante uma das audiências na comissão que avalia o PL do Veneno, em maio de 2016. “Eu sou dessa época, eu usava. Antigamente, passavam BCH para matar piolho!” Embora esteja juridicamente ativa, a Mariagro não opera mais. Sua sede é usada como escritório político do próprio deputado e já serviu de base regional do PR, antigo partido de Nishimori.
No mesmo dia em que Hummel se reunia novamente com o diretor-substituto da Anvisa, o projeto de Nishimori ganhava um novo impulso de líderes do Centrão, que apresentaram requerimento de urgência para votação do PDL sobre o paraquat. O documento é assinado pelos deputados Efraim Filho (DEM-PB), Pedro Lupion (DEM-PR), Arthur Lira (PP-AL), Felipe Francischini (PSL-PR) e Arnaldo Jardim (Cidadania-SP). Todos eles, membros da FPA.
E, ao que tudo indica, a suspensão da proibição do paraquat deve ser aprovada com facilidade. Formado em fevereiro, o bloco que assina o requerimento inclui catorze partidos da centro-direita (PSL, PL, PP, PSD, MDB, PSDB, Republicanos, DEM, Solidariedade, PTB, PROS, PSC, Avante e Patriota) e 351 parlamentares, representando 68% da Câmara.
HEINZE: REFORÇO EXPERIENTE NO SENADO
Além do PDC de Nishimori, a artilharia da Frente Parlamentar da Agropecuária também se faz presente no Senado, onde tem entre seus signatários 39 dos 81 parlamentares. No dia 07, o ex-presidente da frente e atual vice-presidente, Luis Carlos Heinze (PP-RS), apresentou outro projeto de teor similar, sustando os efeitos da resolução nº 177.
Uma semana antes, no dia 29 de junho, ele se reunira com Romilson Mota para tratar sobre “análise dos registros de agrotóxicos”. Junto à equipe de Heinze, participaram da reunião o gerente geral de toxicologia da Anvisa, Carlos Alexandre Oliveira Gomes, e, pela primeira vez, a assessoria de comunicação da agência. A ação rápida do Centrão na Câmara, no entanto, tranquilizou o senador. Em 08 de julho, mesmo dia em que foi protocolado o requerimento de urgência, Heinze retirou seu PDL.
Em 2018, quando ainda era deputado, o pepista já havia tentado suspender a proibição do paraquat que, segundo ele, arruinaria o agronegócio brasileiro. “O setor agropecuário se depara com a proibição de uma das ferramentas mais importantes para o cultivo de várias das principais culturas nacionais — como a soja, cana-de-açúcar, milho, algodão e trigo”, afirmou. O tom alarmista foi o mesmo utilizado, oito anos antes, para sustar outra decisão da Anvisa que proibia a adição de aromatizantes em derivados do tabaco.
Junto com o presidente da FPA, Alceu Moreira, Heinze representa a ala mais influente e virulenta da bancada ruralista no Congresso. Em 2013, durante um evento com fazendeiros em Vicente Dutra (RS), os gaúchos dispararam ataques racistas contra indígenas e quilombolas. Uma frase de Heinze tornou-se célebre: “Ali estão aninhados quilombolas, índios, gays, lésbicas, tudo o que não presta”.
A declaração garantiu ao deputado o prêmio racista do ano, oferecido pela organização Survival International. No mesmo dia, Moreira defendeu que os latifundiários usassem meios violentos para expulsar camponeses e sem terra: “Reúnam as verdadeiras multidões e expulsem do jeito que for necessário”.
O quinteto destacado por De Olho nos Ruralistas é completado pelo deputado Pedro Lupion (DEM-PR), membro de uma linhagem de políticos ruralistas composta no Paraná pelo ex-deputado Abelardo Lupion, seu pai, por sua vez neto do ex-governador Moisés Lupion, uma figura historicamente importante para se entender os caminhos da grilagem no Brasil.
FINANCIADORES DA FPA ARTICULAM MOVIMENTO PRÓ-PARAQUAT
A ação coordenada de lobby para revogar a proibição do paraquat não se deu só pela força da bancada ruralista. A investigação de Agência Pública e Repórter Brasil mostrou que desde a publicação da resolução nº 177, em setembro de 2017, diversas associações do setor agropecuário e químico juntaram forças para derrubar a medida. Ainda naquele ano, a Syngenta, fabricante suíça de agrotóxicos recentemente comprada pela chinesa ChemChina, juntou outras onze indústrias químicas para formar a “Força-Tarefa Paraquate”, com apoio do Sindiveg.
O sindicato não foi o único financiador do Instituto Pensar Agro — e, consequentemente, da FPA — a pressionar a Anvisa. Em 23 de novembro de 2017, o diretor da Anvisa, Renato Porto, recebeu em seu gabinete representantes da Abrapa, da Aprosoja e da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). As três são mantenedoras do IPA.
No caso da Abrapa e da Aprosoja a relação é ainda mais umbilical: ambas dividem estrutura e funcionários com IPA, ocupando um dos imóveis de João Henrique Hummel anteriormente utilizado pela FPA, junto com o Canal Rural. Além disso, o presidente da Aprosoja, Marcos da Rosa, e o vice-presidente da Abrapa, Alexandre Pedro Schenkel, comandam o Conselho de Administração do instituto e pilotam o marketing em defesa dos pesticidas: “Financiadores da bancada ruralista pilotam também campanha pró-agrotóxicos“.
Cada uma das 38 associações mantenedoras do IPA paga uma mensalidade de, pelo menos, R$ 20 mil cada uma. Ou R$ 760 mil no caixa por mês: a fórmula de Hummel para custear as atividades legislativas da bancada ruralista.
As associações, por sua vez, são mantidas pelo PIB do agronegócio. No ano passado, De Olho nos Ruralistas identificou as empresas ligadas a doze dessas associações e identificou 22 das 50 maiores companhias do agronegócio no Brasil, de acordo com a revista Forbes. Entre elas, fabricantes de agrotóxicos, como Bayer, Basf e a própria Syngenta, além de bancos, frigoríficos e comercializadoras de grãos.
| Bruno Stankevicius Bassi é repórter e coordenador de projetos do De Olho nos Ruralistas |
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