Documento da Abrasco rebate sindicato ligado ao agronegócio e mostra que, a médio e longo prazo, fim da isenção de impostos aos pesticidas não resultaria em aumento de preços dos alimentos; questão será analisada pelo STF na próxima semana
Por Mariana Franco Ramos
Não existem razões econômicas, sociais, ambientais, de saúde ou de segurança alimentar que justifiquem a manutenção da isenção de tributos aos agrotóxicos no Brasil. Essa é a principal conclusão de um relatório lançado nesta quinta-feira (08) pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), com apoio do Instituto Ibirapitanga.
Os pesquisadores do Grupo de Trabalho (GT) responsável pelo estudo, o segundo do tipo publicado pela organização em 2020, rebatem os argumentos da agroindústria, para quem o fim dos benefícios fiscais resultaria em diminuição da produtividade e, consequentemente, em aumento dos preços dos alimentos.
A Abrasco participa como amicus curiae (amiga da causa) na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5553/2017, movida pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) em junho de 2016. A ADI questiona normas que preveem a isenção de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) de 24 substâncias e a redução em 60% do Imposto sobre Circulação de Mercadoria e Serviços (ICMS) nas operações interestaduais envolvendo 15 tipos de defensivos agrícolas.
A questão deve voltar à pauta do Supremo Tribunal Federal (STF) na próxima semana. O relator da matéria é o ministro Edson Fachin.
“Temos convicção de que nossas argumentações são robustas e rebatem com muita força aquelas apresentadas pela indústria dos agrotóxicos”, afirma Marcelo Firpo de Souza Porto, membro do GT Saúde e Ambiente da Abrasco e um dos autores da pesquisa. Ele se refere aos dados do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg), ligado à agroindústria, que estimou um aumento anual de R$ 12 bilhões nos custos da produção, caso o pleito do PSOL seja acatado.
BRASIL DEIXA DE ARRECADAR R$ 10 BILHÕES POR ANO
Em 2019, o Brasil teve uma liberação recorde de uso dos químicos “genéricos”. Foram 503 registros publicados no Diário Oficial da União, 53 a mais do que em 2018. De acordo com Porto, que é também coordenador do Núcleo Ecologias, Epistemiologias e Promoção Emancipatória da Saude (Neepes), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a desoneração é um absurdo do ponto de vista constitucional, moral, ambiental, ecológico, da saúde pública e do futuro do país.
O direito fundamental ao ambiente equilibrado está previsto no artigo 225 da Constituição Federal. “Há interesses econômicos que não são explícitos”, resume o pesquisador. Enquanto remédios, vacinas e farmacêuticos veterinários têm IPI zerado, produtos considerados nocivos à saúde têm uma alíquota elevada. Entram nessa lista, por exemplo, os cigarros (300%), os refrigerantes (50%) e as bebidas alcoólicas (30%).
Em fevereiro deste ano, o primeiro relatório da Abrasco apontou que mais de R$ 10 bilhões deixaram de ser arrecadados em 2017 devido aos benefícios fiscais concedidos na comercialização dos pesticidas, o que representa em torno de 2% da arrecadação que os governos estaduais e federal tiveram no mesmo período. Conforme a organização, os preços dos produtos não serão afetados de forma relevante pelo fim da isenção. Isso porque as commodities agrícolas, como a soja e o milho, têm seus valores definidos pelo mercado internacional.
ORGANIZAÇÃO DEFENDE ISENÇÃO DIRETA DE PRODUTOS DA CESTA BÁSICA
“Subsidiar um setor já bastante competitivo como o agronegócio brasileiro significa, em última instância, apenas proporcionar incrementos na margem de lucro desse setor exportador”, diz trecho do relatório. Para a associação, se o intuito fosse favorecer os grupos mais vulneráveis, a melhor solução seria a isenção direta dos produtos da cesta básica, e não sobre um insumo perigoso como os agrotóxicos.
“A indústria exportadora que vai ter o maior prejuízo, mas ela já tem uma lucratividade gigantesca”, afirma o coordenador do Neepes.
O Sindiveg alega que as perdas poderiam chegar a R$16,45 bilhões, com uma redução na lucratividade de até 21% na cultura do algodão, o que a Abrasco contesta. No documento, a organização faz uma comparação com a taxação dos cigarros. Um aumento de 15% nos defensivos, diz, reduziria entre 3,5% a 13,5% a demanda por essas substâncias. “As substâncias são necessárias a esse modelo de monocultivo de grande extensão”, analisa Porto.
“É impossível desenvolver um trabalho de menor uso ou transição para agricultura agroecológica ou orgânica, já que o monocultivo não consegue trabalhar de forma eficaz com a biodiversidade como um todo, precisa fazer aqueles desertos de vida produzindo uma única espécie”, acrescenta. Para o pesquisador, o que existe atualmente — e que precisa ser modificado — é uma dependência dos produtos químicos:
— O agronegócio congela a situação como se fosse inevitável produzir alimentos sem agrotóxicos. Isso é um atestado de incompetência e inconstitucionalidade. É moralmente e economicamente indefensável, porque a médio e longo prazo a perspectiva é de que a pressão dos mercados e investidores internacionais aumente sobre um setor que gera poluição química e que também invade áreas de preservação ambiental, de indígenas, quilombolas e da agricultura familiar.
Na avaliação de Porto, eventos como as queimadas na Amazônia e no Pantanal, a desertificação, a poluição de rios e o assoreamento colocam o Brasil “no olho do furacão” da crítica sobre proteção ecológica internacional. “É um sinal muito importante, inclusive para a sustentabilidade não apenas ambiental e social, mas econômica do futuro da agricultura no país”.
A Abrasco conclui que a redução e a eliminação de tributos ou contribuições sociais só são benéficas se analisadas em conjunto a uma ampla cadeia de situações. “Nunca se levou em consideração as possíveis doenças, mortes e a degradação ambiental relacionadas ao uso dos venenos, fazendo a política pública caminhar justamente no sentido contrário ao desenvolvimento sustentável, saudável e justo”.
Além do Sindiveg, são a favor da isenção aos pesticidas organizações como a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), a Associação dos Produtores de Soja e Milho (Aprosoja) e a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), todas elas defensoras dos interesses do agronegócio.
| Mariana Franco Ramos é repórter do De Olho nos Ruralistas |
Foto principal (Fernando Frazão/Agência Brasil): pesquisador considera desoneração um absurdo do ponto de vista constitucional, moral, ambiental, ecológico, da saúde pública e do futuro do país
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