Coletivo de defesa do direito à comunicação repercute reportagens do De Olho nos Ruralistas sobre candidatos donos de rádios e TVs; para grupo, lei que proíbe parlamentares federais de possuir concessão pública deve se estender à esfera estadual e municipal
Por Patrícia Cornils
Na série de reportagens “O Voto que Devasta”, De Olho nos Ruralistas publicou um levantamento com base nos bens declarados por candidatos a prefeituras e Câmaras Municipais ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Duas reportagens iniciais sobre o tema mostram que 51 candidatos a prefeito em 21 estados e 65 candidatos a vereador e vice-prefeito são donos de rádios e TVs. Outra mostra que a família do presidente do Senado, Davi Alcolumbre, domina a mídia no Amapá.
Essa concentração de poder midiático é também um acúmulo de poder político, explica Olívia Bandeira, que integra a coordenação executiva do Intervozes. “Isso acaba influenciando as reeleições e fazendo com que os mesmos grupos de poder se mantenham por mais tempo”, ela afirma.
O Intervozes é um coletivo que trabalha pelo direito à comunicação no Brasil. A organização é protagonista de duas Arguições por Descumprimento de Preceito Fundamental da Constituição (ADPFs) em que demanda que o Artigo 54 da Constituição — que estabelece que deputados federais e senadores não podem ter concessões de serviço público — seja respeitado.
Para o Intervozes, esta proibição alcança deputados estaduais e vereadores, levando em conta outros dois artigos constitucionais que estendem para esses cargos as restrições impostas a deputados federais e senadores. São eles o Artigo 27, Parágrafo 1.º, referente a deputados estaduais; e o Artigo 29, Inciso 9, que se refere a vereadores. Além disso, informa Olívia, há constituições estaduais e leis orgânicas municipais que têm restrições de teor similar à do Artigo 54.
No caso de ocupantes de cargos do Poder Executivo, não há proibição direta. “O que argumentamos, no entanto, é que políticos titulares de mandato eletivo não podem ser sócios de empresas de radiodifusão porque isso viola preceitos fundamentais da Constituição, como a liberdade de expressão e o equilíbrio das eleições”, afirma Olívia. “E isso prejudica a democracia”.
CONCENTRAÇÃO DE VEÍCULOS FAVORECE INTERESSES ECONÔMICOS
O tema da concentração da mídia costuma ganhar destaque durante eleições, quando o uso de meios de comunicação em favor de seus controladores é denunciado e fiscalizado pelos tribunais eleitorais. É parte, no entanto, de um debate político mais amplo. Um levantamento sobre a propriedade da mídia no Brasil realizado em 2017 pelo Intervozes em parceria com os Repórteres Sem Fronteiras mostra que os donos da mídia possuem, em geral, interesses econômicos relacionados — o que vale para os candidatos em 2020.
“Alguns no agronegócio, como o De Olho nos Ruralistas mostra nas reportagens, outros na área de educação, de infraestrutura, de saúde, de transporte”, detalha Olívia. “Os grupos acumulam o poder de mídia com o poder econômico e o poder político”.
Outra característica é que se trata de um poder familiar. “Muitos desses candidatos transferem suas outorgas e seu poder para políticos”, prossegue. “Vários são de famílias com bastante tradição na política e a maior parte combina a tradição na mídia com a tradição na política”. Mesmo entre os candidatos que se apresentam como “novos” na política há muitos de famílias com tradição na área da mídia, ou seja, que influenciam a sociedade por meio da propriedade de meios de comunicação. Esta visibilidade acumulada durante anos redunda em poder político.
Nas ADPFs, além do pedido principal para que o Supremo Tribunal Federal (STF) explicite que nenhum titular de mandato eletivo pode ser sócio de empresa de radiodifusão, o Intervozes faz um pedido subsidiário, pelo reconhecimento de que os membros do Poder Legislativo, em todas as esferas, também estão impedidos. As ADPFs do Intervozes defendem a constitucionalidade desta proibição. Há uma terceira em tramitação, apresentada pela Advocacia-Geral da União do governo de Michel Temer, que defende que o impedimento é inconstitucional.
Todas as três estão prontas para serem julgadas. “Todos os pareceres foram dados, depende da agenda dos ministros. Gilmar Mendes está com as nossas duas e Rosa Weber com a do Temer”, afirma Olívia. A ministra Rosa Weber já emitiu uma decisão negando medida liminar pedida durante o governo Temer, para que fossem suspensas todas as ações em curso no Brasil em relação a outorgas para políticos.
| Patrícia Cornils é jornalista. |
Foto principal (Reprodução): TV Amazônia, do tio de Davi e Josiel Alcolumbre, retransmite o SBT em Macapá