Sem quilombolas, candidatos ignoram debate sobre expansão da Base de Alcântara

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Plataforma de lançamento da base de Alcântara, que deve ser operada em parceria coms os EUA (Instituto Socioambiental)

Município maranhense é o que tem mais quilombos no Brasil; acordo entre Brasil e Estados Unidos deve remover cerca de 800 famílias de suas comunidades, mas campanhas do PCdoB, PSL e Pode minimizam impactos sociais e ambientais do programa espacial 

Por Márcia Maria Cruz

Cerca de 800 famílias quilombolas temem ser retiradas das comunidades onde vivem quando entrar em vigor o acordo entre Brasil e Estados Unidos para operação do Centro Espacial de Alcântara, no Maranhão. A remoção deve alterar o modo de vida da maior população quilombola do Brasil, cujos antepassados estão no território desde o século 17.

Apesar da mudança iminente, líderes quilombolas queixam-se de que o tema não tem sido tratado de maneira adequada pelos candidatos à prefeitura de Alcântara. Estão na disputa o prefeito Anderson Wilker (PCdoB), que tenta a reeleição, Antonio Rosa (PSL), Padre William (PL) e Sargento Leitão (Pode). O município abriga 220 comunidades, tem a maior população quilombola do país e o terceiro maior território étnico, a 30 quilômetros de São Luís.

 “Nos programas dos quatro candidatos à prefeitura praticamente não há menção às palavras quilombo e quilombola”, afirma Danilo Serejo, da Comunidade Quilombola Canelatíua, que integra o Movimento dos Atingidos pela Base Espacial de Alcântara (Mabe). “Há um verdadeiro silêncio sobre o acordo”.

Esse acordo foi promulgado no início deste ano pelo presidente Jair Bolsonaro e só não está em fase de implementação por uma decisão liminar que suspende a Resolução 11, de 26 de março de 2020, com as deliberações do Comitê de Desenvolvimento do Programa Espacial Brasileiro. Essa resolução determina a realocação das centenas de famílias para a consolidação da Base de Alcântara.

O deputado federal Bira do Pindaré (PSB-MA) obteve a liminar para suspender o pacto. E a Advocacia-Geral da União (AGU) recorreu. “Essa eleição de Alcântara é uma das mais importantes e estratégicas dos últimos anos”, diz Danilo Serejo. “O futuro prefeito será o operador, na administração do município, de dois projetos de envergadura internacional”.

O texto do acordo prevê, no âmbito da operação da Base Espacial em conjunto com os EUA, a instalação de um porto privado de cargas que será construído na Ilha de Cajual, onde há várias comunidades quilombolas. Está prevista a construção de uma ferrovia que interligará o município maranhense à estrada de ferro de Carajás (PA). “Os dois projetos, se implementados, vão resultar na expulsão de famílias quilombolas de todo o município”, afirma Serejo. 

Os líderes quilombolas afirmam que o tema não está sendo debatido na campanha municipal porque o acordo é aprovado por todos os partidos, incluindo os de esquerda. O PCdoB, do atual prefeito e do governador Flávio Dino, votou a favor do acordo no Congresso.

Na época, o partido defendeu sua posição em nota“O desenvolvimento tecnológico múltiplo e intensivo é um dos alicerces da soberania nacional. E por isso defende que a retomada das atividades de Alcântara cumpre um papel importante. Descortina um impulso novo ao projeto espacial brasileiro”. O PCdoB considera que o acordo não trará prejuízo às comunidades. Danilo Serejo analisa:    

Flávio Dino orientou a bancada maranhense, da base de apoio a ele ou não, a votar em favor do acordo. O que se esperava era que Dino – como um dos principais nomes do campo da esquerda, como oposição a Bolsonaro, como nome que se coloca na corrida presidencial, como nome forte de ressonância nacional – utilizasse do lugar político que ocupa hoje para se colocar contra o acordo. 

No ano passado, o movimento reuniu-se com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), para acertar uma articulação que condicionava a aprovação do acordo à consulta prévia. No entanto, o convênio foi aprovado na Câmara e no Senado sem essa ressalva. “Dino e o PCdoB apoiaram esse acordo que é ‘trumpista’ e ‘bolsonarista'”, diz Serejo.

TITULAÇÃO DE TERRAS ESTÁ ENTRE PRINCIPAIS DEMANDAS DE COMUNIDADES

Mesmo sem conseguir viabilizar a consulta, os quilombolas apresentam reivindicações que, acreditam, podem ser atendidas, como a titulação do território, reconhecido pelo Estado brasileiro com relatório técnico publicado no Diário Oficial da União em 2008. “A titulação do território é o que vai dar garantia jurídica e política para que as comunidades dialoguem com o Estado brasileiro com autonomia sobre suas vidas e destinos”, ressalva Serejo.

Comunidades quilombolas resistem à remoção para instalação de base. (Foto: Brasil de Fato)

Em maio de 2019, De Olho nos Ruralistas publicou reportagem sobre o esforço das comunidades para obter a  titulação: “Ignorados em audiência com ministro, quilombolas de Alcântara reafirmam luta pela titulação de seus territórios“. 

Outra reivindicação é que seja realizado estudo do impacto ambiental causado pelo aplicação global do pacto e pela operação do centro de lançamento. “A base funciona há quarenta anos sem licença ambiental e sem nenhum estudo que dimensione os impactos causados pela operação de lançamento de foguetes em Alcântara”. 

Em abril do ano passado, Flávio Dino participou do painel “Alcântara, Quilombos e Base Espacial” e, na ocasião, defendeu a necessidade de garantir contrapartidas sociais ao projeto de exploração comercial do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA).

Em 1979, o governo federal, sob regime militar, lançou as bases para o programa espacial brasileiro. Na época, aprovou-se a implementação da Missão Espacial Completa Brasileira. O objetivo era construir e operar um programa espacial abrangente, tanto na área de satélites e de veículos lançadores, como de centros de lançamentos. Três anos depois, a Aeronáutica escolheu Alcântara para instalar o complexo e os sistemas do novo centro de lançamento. Em 1º de março de 1983, o projeto foi ativado.

PROGRAMAS DE GOVERNO EXCLUEM POLÍTICAS PARA QUILOMBOLAS

O prefeito Anderson Wilker declarou patrimônio de R$ 846,5 mil em bens ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e é proprietário de 120 cabeças de gado nelore no valor R$ 160 mil. Ele faz menções vagas às comunidades em seu plano de governo. Na área de assistência social, apresenta como proposta o fortalecimento de políticas públicas para o Movimento Negro e Quilombola com a criação da Secretaria Municipal de Igualdade Racial.

O candidato Antonio Rosa declara R$ 311 mil referentes a dois imóveis e um automóvel como patrimônio. Ele tem como bandeira a criação de escolas cívico-militares. Em relação aos quilombolas, propõe otimizar os acessos viários às comunidades para o transporte de alunos. E planeja firmar parcerias para abrir o Centro de Lançamento de Alcântara para visitas turísticas.

Padre William propõe a implementação de programa de assistência técnica e capacitação de acordo com a aptidão de cada povoado local e o fortalecimento da agricultura familiar. Ele declarou patrimônio de R$ 505 mil, a maior parte em imóveis.

Sargento Leitão, com patrimônio declarado de R$ 173,6 mil, propõe políticas de apoio tecnológico aos trabalhadores rurais, apoio aos trabalhadores da zona rural para formação de cooperativas e associações e suporte técnico para as boas práticas de exploração de recursos naturais, como a piscicultura e o extrativismo. No entanto, não faz referência específica aos quilombolas.

Márcia Maria Cruz é jornalista. |

Foto principal (Instituto Socioambiental): Plataforma de lançamento de foguetes da base de Alcântara, que deve ser operada em parceria com os EUA 

|| A cobertura do De Olho nos Ruralistas sobre o impacto da pandemia nas comunidades quilombolas tem o apoio da Fundo de Auxílio Emergencial ao Jornalismo da Google News Initiative ||

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