Nenhum dos 50 candidatos com propriedades milionárias no bioma assumiu compromisso com produção de alimentos saudáveis; eles acumulam bois, multas e 224 mil hectares, avaliados em R$ 632 milhões; só 42 prefeituráveis da região assinaram carta da ANA
Por Mariana Franco Ramos
Nenhum dos cinquenta maiores donos de terras na Amazônia Legal que concorrem ao cargo de prefeito se comprometeu com a campanha “Agroecologia nas Eleições“, lançada pela Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), como forma de subsidiar políticas públicas para o setor nos municípios brasileiros.
A lista desses cinquenta candidatos com terras milionárias na região é composta por pecuaristas, madeireiros e já multados por crimes ambientais, é menor do que a dos 42 candidatos apoiadores da produção de alimentos saudáveis na região. De Olho Nos Ruralistas cruzou duas bases de dados para essa comparação: a do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e a divulgada pela ANA. Foram considerados apenas os postulantes ao Executivo.
No total, 875 candidatos possuem propriedades rurais no maior bioma do país, sendo que 64 deles são moradores de outros estados. Os donos das cinquenta áreas mais valiosas acumulam, juntos, R$ 632 milhões. São mais de 224 mil hectares, que poderiam, por exemplo, ser utilizados para a produção de comida sem agrotóxico. O território ocupado por esses políticos deve ser ainda maior, já que nem todos informam os tamanhos das áreas ao TSE.
Parte do levantamento está detalhada nas páginas do jornal espanhol El País, que publica quatro reportagens da série “O Voto Que Devasta“. O observatório já contou histórias de locais e de “forasteiros” que concentram propriedades na Amazônia. São candidatos cuja principal contribuição para a maior floresta do mundo tem sido, em vez de preservá-la, participar de sua destruição.
PROGRAMAS DE GOVERNO PRIORIZAM AGRONEGÓCIO
O primeiro no ranking dos cinquenta prefeituráveis com terras milionárias na Amazônia é Levi Ribeiro (Pode), com R$ 52 milhões em propriedades em São José do Rio Claro (MT), município que ele tenta administrar pela primeira vez. Nenhuma das catorze fazendas indicadas por Ribeiro ao TSE possui nome ou área.
A palavra “agroecologia” sequer consta do plano de governo do agricultor de 66 anos. “O conteúdo programático das propostas foi desenvolvido a partir da experiência do candidato, adquirida ao longo de sua trajetória de vida como empresário do agronegócio e pai, bem como, encontra-se pautado no conhecimento da realidade local e do Estado, nas necessidades da população e nas potencialidades do município”, diz trecho.
O pecuarista Nelson Antonio Orlato (PSB), dono de terrenos de R$ 50 milhões em Pedra Preta (MT), destaca em seu programa que o agronegócio “é o carro chefe da economia pedra-pretense” e que “certamente poderá se fortalecer muito diante de ações planejadas e executadas pelo governo municipal”. Nem ele nem Carlos Alberto Capelettti (PSD), que soma R$ 47,7 milhões em fazendas no município de Tapurah (MT), mencionam a palavra agroecologia.
Capelettti chegou a levar uma multa de R$ 8 milhões, da Secretaria de Meio Ambiente do Mato Grosso, em 2009, por desmatar 8.170 hectares na Fazenda Rio Vermelho. Produtor de grão e aves, com venda exclusiva para a BRF, o ex-prefeito e atual candidato já foi retratado pelo observatório, em 2016: “Pecuaristas e madeireiros protagonizam eleições no Arco do Desmatamento“.
Em Rondon do Pará (PA), o médico Antônio Lopes de Ângelo (PSL), o Dr. Antônio, possui patrimônio de R$ 46 milhões, sendo R$ 42 milhões em terras. Ele apareceu recentemente em outra lista, dos candidatos que declararam patrimônio igual ou superior a R$ 300 mil e que receberam alguma parcela do auxílio emergencial até julho de 2020. A relação foi divulgada pelo Tribunal de Contas da União (TCU): “Fazendeiro com patrimônio de R$ 46 milhões, candidato do PSL recebeu auxílio emergencial no Pará“.
Amarildo Paulino da Silva (MDB), com R$ 25 milhões em Xinguara (PA), Acácio Alves de Souza (PROS), com R$ 24 milhões em São Felix do Araguaia (MT), e Flori Luiz Binotti (PSD), que disputa a reeleição em Lucas do Rio Verde (MT), também estão entre os cinquenta candidatos com terras mais valiosas na Amazônia Legal, conforme a base do TSE organizada pelo De Olho nos Ruralistas. Binotti possui R$ 20 milhões em fazendas.
Confira a tabela completa abaixo:
‘POLÍTICOS FORAM CONCENTRANDO TERRAS E ENRIQUCENDO’, DIZ ARTICULADOR
De acordo com Eduardo Borges, o Cazuza, articulador da ANA na Amazônia Ocidental, existe uma “indústria de concentração de terras”, fruto da forma como se deu a ocupação da região. “Há candidatos que se apresentam inclusive como colonos, beneficiários da reforma agrária, porque vieram de projetos de assentamento”, lembra. Esse foi o tema de uma das reportagens do observatório publicadas em “El País“.
Essas pessoas passam longe do que se entende por uma agricultura sustentável. “Elas foram concentrando terras e fazendo riqueza”, explica. “O madeireiro vira pecuarista, vai comprando lotes, entra na política, ganha, melhora as vias de acesso, os ramais e vai enriquecendo”.
Ainda segundo Cazuza, o fato de muitos serem de outras cidades se deve ao processo migratório, “quando o governo militar resolveu ‘integrar’ a Amazônia para não entregar”:
— Você vai para Rondônia, pega o eixo da BR-364, e dificilmente se vê dentro da Amazônia. É uma cultura totalmente sulista. No Pará acontece a mesma coisa. É uma concentração muito grande de agricultores e fazendeiros.
PARTIDOS DE ESQUERDA COMPROMETEM-SE MAIS COM AGROECOLOGIA
Como é possível ver na tabela, as legendas com mais candidatos latifundiários e ricos no bioma são: MDB, com sete; PDT, com cinco; PSDB, PL e DEM, com quatro; e PSL, PSD e PP, com três. Em seguida aparecem Solidariedade, PSC, PSB e PRTB, todas com dois. Republicanos, PV, PTB, PT, PROS, Pode, PCdoB, Cidadania e Avante são citados uma vez cada.
A diferença é grande quando se compara com as siglas dos políticos que encamparam a luta a favor da agroecologia e da agricultura familiar, a maioria do campo mais à esquerda.
Dos 42 candidatos a prefeito na Amazônia Legal que assinaram a carta da ANA, dezesseis são do PT, oito são do PSOL, cinco do MDB, quatro do PSB, dois do PDT e dois do PCdoB. Fecham a lista Rede, Solidariedade, Pode, PV e PSD, com um cada.
“Os atores nesses partidos são mais envolvidos com direitos humanos, alimentação adequada, agroecologia e agricultura familiar, num local onde a gente luta contra concentração de terras e evasão de recursos naturais”, afirma Cazuza.
NO BRASIL, MAIS DE 800 CANDIDATOS ASSINARAM CARTA
Apesar das dificuldades, o articulador diz que a organização conseguiu uma boa adesão. Na Amazônia Legal, foram 193 assinaturas até esta sexta-feira (13), a dois dias do primeiro turno, incluindo postulantes ao legislativo. Em todo o país, a conta passa de 800. “A gente está a toda hora recebendo mais adesões e deve chegar até o dia 14 com um número mais significativo”.
O documento entregue pela ANA aos candidatos contém 36 propostas, organizadas em 13 campos temáticos. Ele foi preparado para ser adaptado à realidade de cada município, para que as candidaturas assumam compromissos efetivos.
São iniciativas que também promovem a segurança alimentar e nutricional e geram renda nos territórios. Foram identificadas cerca de 700 ideias inovadoras, como hortas comunitárias, projetos que incentivam a comercialização de alimentos saudáveis e ações de assistência técnica, extensão rural, fomento e crédito.
Cazuza destaca que a campanha envolveu diferentes atores, como povos e comunidades tradicionais, quilombolas, indígenas e pescadores artesanais. “Traz uma visibilidade que a gente luta há muito tempo para dar”, comenta.
De acordo com ele, os governantes da região historicamente sempre foram contrários a essas pautas: “Agora que têm surgido pessoas no ambiente político que trazem consigo essa bandeira. E, mesmo assim, a gente mapeou uma quantidade razoável de políticas”.
| Mariana Franco Ramos é repórter do De Olho nos Ruralistas |
Foto principal (Gleilson Miranda / Governo do Acre): trecho da BR-364, que concentra terras acumuladas por políticos de fora da Amazônia Legal