Elusmar Maggi, que doou R$ 1 milhão para o Internacional escalar o jogador contra o Flamengo, em partida decisiva do Brasileirão, é sócio do Grupo Bom Futuro, gigante do agronegócio em Mato Grosso; irmão e sócio é suspeito de financiar caixa 2
Por Mariana Franco Ramos
O sojeiro Elusmar Maggi Scheffer, que ganhou as manchetes nos últimos dias após doar R$ 1 milhão para o Internacional escalar o lateral-direito Rodinei contra o Flamengo, acumula dívidas e processos judiciais, inclusive por desmatamento e trabalho escravo. Apresentado pela imprensa comercial como um mecenas torcedor do clube, ele é sócio-proprietário, ao lado dos irmãos Eraí e Fernando Maggi Scheffer, do Grupo Bom Futuro Agrícola, gigante do agronegócio no Mato Grosso e um dos maiores produtores de commodities do mundo.
Os agropecuaristas são primos do ex-governador e ex-senador Blairo Maggi, que foi ministro da Agricultura durante o governo de Michel Temer. Em 2014, a Forbes classificou a família como a sétima mais rica do Brasil, com uma fortuna estimada em US$ 4,9 bilhões. Os sojeiros atuam em setores diversos: pecuária, piscicultura, sementes, energia, aeroportuário e imobiliário. A empresa é dona, sozinha, de 14 fazendas de gado e 32 fazendas agrícolas e tem produção estimada de 1,7 milhão de toneladas de grãos (soja e milho) e fibra (algodão) por ano.
Em 2008, Elusmar, Eraí e Fernando foram processados por manter 41 trabalhadores em condições análogas à de escravidão. De acordo com denúncia formulada pelo Ministério Público Federal (MPF), a equipe de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) flagrou a situação irregular na fazenda “Vale do Rio Verde”, em Tapurah (a 445 quilômetros de Cuiabá).
O MTE constatou as seguintes irregularidades: jornada de trabalho extenuante; alojamentos sem armários, roupa de cama e extintores e com colchões velhos e ventilação e iluminação insuficientes; banheiros sem papel higiênico, lixeiras e portas; falta de instalações sanitárias na lavoura; manuseio de agrotóxicos de maneira inadequada; e utilização de equipamentos de proteção individual deteriorados ou inadequados.
O caso correu até 2013, quando o juiz Jeferson Schneider, da 5ª vara da Justiça Federal em Mato Grosso, decidiu absolver os sojeiros. Também foram inocentados Caetano Polato (dono da fazenda) e José Maria Bortoli (cunhado de Eraí). “Embora as violações aos direitos trabalhistas sejam graves, merecendo reparação por danos econômicos e morais, não é possível se falar na aniquilação da liberdade do indivíduo física ou psíquica”, escreveu o magistrado. “Isso porque as irregularidades verificadas não ocorreram de forma persistente ou duradoura”.
Segundo a Repórter Brasil, especializada no tema, Polato é reincidente na prática do crime. O fazendeiro já havia sido flagrado explorando trabalho escravo na mesma propriedade pelos fiscais e assinou termo de ajustamento de conduta com o Ministério Público do Trabalho (MPT) no Mato Grosso em 2001 e em 2005.
GRUPO SONEGOU R$ 300 MILHÕES EM IMPOSTOS E FOI ALVO DE CPI
Um ano depois da absolvição, em 2014, a Bom Futuro foi autuada por sonegação de R$ 300 milhões em impostos, simulando transações comerciais por meio da Cooperativa Agroindustrial de Mato Grosso (Cooamat). As investigações motivaram a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Assembleia Legislativa. O relatório final acusou Eraí Maggi, conhecido como “rei da soja”, de usar cooperados como “laranjas”, para se beneficiar pagando menos impostos.
Conforme o texto, dos 30 associados à Cooamat, 13 nunca fizeram uma transação comercial sequer. O documento também apontou que a maioria dos cooperados eram funcionários do Grupo Bom Futuro e que a sede da Cooamat permaneceu dentro da própria empresa. Desde 2015, inquéritos sigilosos sobre o caso, abertos com base nas investigações do Legislativo, tramitam na Delegacia Fazendária (Defaz) e nos Ministérios Públicos Estadual e Federal.
De acordo com um relatório sobre soja e gado publicado em dezembro de 2019 pela Mighty Earth, organização de defesa do ambiente, a Bom Futuro possui cerca de 500 mil hectares de plantações de grãos e fibras (soja, milho e algodão) e outros 130 mil hectares com pecuária na Fazenda Cocal, em Conarana (MT). O grupo desenvolve atividades de criação de peixes e tem uma empresa de energia operando três usinas hidrelétricas na Bacia do rio Paraguai.
Reportagem do De Olho Nos Ruralistas mostrou, em 2019, que a destruição de um trecho do Rio Juruena para a construção de Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCH’s) já rendeu R$ 43 milhões a políticos, como Blairo Maggi, e empresários. O local abriga comunidades tradicionais, organizadas por meio da Rede Juruena Vivo. Elas enviaram uma carta à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) reivindicando que sejam consultadas antes da autorização de empreendimentos do tipo.
IRMÃOS COMPUNHAM ESQUEMA DE DESMATAMENTO NA AMAZÔNIA, DIZ MPF
Elusmar e Eraí Maggi Scheffer foram acusados, em 2016, de participar daquele que foi considerado pelo MPF o maior esquema de desmatamento já detectado na Amazônia. Os procuradores investigam a movimentação de R$1,9 bilhão, que destruiu 300 quilômetros quadrados de florestas entre 2012 e 2015. A suspeita é de que a Amaggi Exportação e Importação (de Blairo Maggi) e os dois sojeiros transferiram R$ 10 milhões para Antônio José Junqueira Vilela Filho, conhecido como AJJ ou Jotinha, e para um cunhado de AJJ, Ricardo Caldeira Viacava.
No mesmo período, pela JBS, foram transferidos R$ 7,4 milhões a AJJ e a uma irmã dele, a socialite Ana Paula Junqueira Vilela Carneiro. Como esses valores podem ter sido usados para compra de grãos ou animais procedentes de áreas desmatadas ilegalmente, o MPF solicitou esclarecimentos dos compradores, pois pela lei “a responsabilização civil por dano ao meio ambiente pode, em tese, atingir as empresas compradoras”.
Em 2018, um amigo de infância de Blairo Maggi, o deputado federal Adilton Sachetti (PRB), autointitulado “candidato legítimo do agro”, contou com o apoio da família de sojeiros em sua campanha ao Senado. Quatro anos antes, quando foi eleito deputado, recebeu R$ 850 mil em doações da Amaggi e da trinca Blairo, Eraí e Elizeu Scheffer (presidente do grupo Scheffer).
Conforme levantamento da Repórter Brasil, o grupo Bom Futuro é o principal beneficiário de três projetos de decreto parlamentar apresentados por Sachetti em 2015, propondo a criação de novas hidrovias, algumas delas a menos de 200 quilômetros das fazendas do grupo.
Eraí Maggi foi autuado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) em R$ 438 mil pelo desmatamento de uma área de 1.463 hectares.
SOJEIRO É SUSPEITO DE FINANCIAR CAIXA 2 DE PEDRO TAQUES
Em outubro de 2018, o empresário Alan Malouf, delator de um esquema de corrupção na Secretaria Estadual de Educação (Seduc), disse que recebeu R$ 1 milhão, em abril de 2016, de Eraí Maggi, a pedido do então governador Pedro Taques (ex-PSDB, hoje SD). Segundo Malouf, o irmão de Elusmar pagou a dívida com recursos próprios. O político estava sendo cobrado por um grupo de empresários que doaram cerca de R$ 7 milhões à campanha dele.
O delator contou que o dinheiro do caixa 2 retornaria após a eleição. Consta ainda na colaboração premiada que todas as doações feitas por pessoas ligadas ao agronegócio eram fechadas diretamente com Eraí Maggi. A defesa do agropecuarista afirmou que a colaboração não se fundamenta e que traz um “vazio investigatório”.
Alan Malouf foi condenado a onze anos de prisão por integrar uma organização criminosa que desviou verba da Seduc entre 2015 e 2016. Ele chegou a ser preso, mas foi solto logo depois. As fraudes são investigadas na Operação Rêmora.
| Mariana Franco Ramos é repórter do De Olho nos Ruralistas. |
Imagem principal (Instagram): Apresentado pela imprensa comercial como mero torcedor do Inter, sojeiro acumula dívidas e processos judiciais