Ricardo Nunes possui nove fazendas em Minas, duas delas por usucapião

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Ricardo Nunes na Fazenda Bebedouro, em Três Marias, Minas. (Imagem: Reprodução)

Prefeito paulistano chegou a alegar hipossuficiência, o “atestado de pobreza”, para obter imóveis rurais no município de Três Marias, enquanto morava e exercia cargos políticos em São Paulo; lá ele cria gado e arrenda as terras para plantação de eucalipto

Por Alceu Luís Castilho e Leonardo Fuhrmann

A face fazendeira do novo prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, não costuma ser mencionada. Embora ele tenha declarado nada menos que nove fazendas ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Do total de R$ 4,84 milhões que ele informou possuir, R$ 991 mil dizem respeito a essas propriedades rurais, que somam pelo menos 1.347 hectares. Informes de eleições anteriores mostram que elas ficam em Três Marias, no centro-norte de Minas Gerais. Os carros-chefes da produção são o eucalipto e a pecuária.

Peões na Fazenda Bebedouro, em 2010, em imagens feitas por Ricardo Nunes. (Imagem: Reprodução/YouTube)

De Olho nos Ruralistas constatou que duas dessas fazendas foram obtidas por usucapião, recurso jurídico para situações em que a pessoa ocupa um bem de forma pacífica e de maneira ininterrupta, sem que necessariamente exista boa-fé. O expediente geralmente é utilizado, no campo, para garantir a propriedade a pequenos posseiros, que produzem para subsistência.

Efetivado prefeito após a morte de Bruno Covas (PSDB), enterrado no domingo em Santos, Ricardo Nunes (MDB) é um dono de imobiliária que costuma ser descrito a partir de sua face religiosa. Ele informou possuir, em 2018, um apartamento de R$ 600 mil. Mas não informou em qual cidade. Nas eleições de 2012, 2014 e 2016 ele tinha casa e vários terrenos em São Paulo, nos bairros Cidade Dutra e Parelheiros, na zona sul, em Embu-Guaçu e Campinas. Os processos por usucapião foram obtidos em Minas, em região de Cerrado.

DECISÕES EM MINAS FORAM TOMADAS COM TRÊS DIAS DE DIFERENÇA

As decisões da Justiça mineira favoráveis a Ricardo Nunes foram tomadas em junho do ano passado. Os dois processos por usucapião foram iniciados em 2014, quando ele era vereador na capital paulista e concorreu pela primeira vez a uma vaga na Câmara — ele conseguiu a suplência em 2018, pelo PMDB de São Paulo. As duas sentenças foram dadas pela juíza Sílvia Maria Paula Nascimento, com três dias de diferença.

Na sentença do dia 05 de junho, ele garante a propriedade da Fazenda Pedras, próxima do distrito denominado Pedras, com 373,26 hectares. O então vereador paulistano afirmou que o imóvel foi adquirido através de Escritura Pública de Cessão de direitos possessórios, e teve a anuência do poder Executivo Municipal no dia 25 de novembro de 2010. Ele chegou a incluir no processo um comprovante de hipossuficiência, segundo o texto da decisão.

Terras de Ricardo Nunes arrendadas para a empresa MinasLigas. (Imagem: Reprodução)

O comprovante, que também é conhecido como atestado de pobreza, ressalta a necessidade do requerente — o empresário Ricardo Nunes, dono de várias fazendas. Os governos federal, estadual e municipal declararam na ação não ter interesse na propriedade, que não é descrita em nenhuma das declarações entregues por ele ao TSE entre 2012 e 2020. (Ele especificou, em 2016, o tamanho de seis das sete propriedades que possuía, nenhum deles bate com o da Fazenda Pedras.)

No dia 08 de junho de 2020, apenas três dias após a decisão anterior, saiu a outra sentença por usucapião favorável a Nunes, relativa à Fazenda Chiqueiro, na região do mesmo distrito, com 130,51 hectares. Esse imóvel aparece nas declarações de 2014 e 2016, quando ele foi eleito para a Câmara Municipal de São Paulo, por um valor de R$ 50 mil. Mas não aparece no informe entregue à Justiça Eleitoral em 2012. Em 2020 não há imóvel com esse valor. E as nove fazendas nos registros do TSE aparecem como “terra nua”.

Mais uma vez, prefeitura, governo do estado e federal manifestaram não ter interesse na área. Como já havia feito no outro caso, o Ministério Público afirmou não ter interesse em participar do processo. Os promotores, nas duas ocasiões, declararam não haver disputa pelas terras. Com isso, as duas fazendas se tornaram oficialmente propriedades de Nunes — muito embora ele já tivesse declarado pelo menos uma delas à Justiça Eleitoral.

VÍDEO COM ‘VACA BRAVA’ TEVE 21 MILHÕES DE VISUALIZAÇÕES NO YOUTUBE

Com isso elas se somam a um patrimônio que inclui a Nikkey Controle de Pragas, com sede em São Paulo e filiais em outros municípios espalhados pelo Brasil, dedicada à dedetização urbana. A Topsul, de empreendimentos imobiliários, na zona sul paulistana, sua base eleitoral. E a Red Agropecuária Ltda, localizada também em Três Marias, criada em 2006 para a produção de carvão vegetal. Ele ainda é sócio da empresa, ao lado de Ricardo Luis Reis Nunes Filho.

Em 2009, antes de ser eleito pela primeira vez vereador em São Paulo, Ricardo Nunes aparecia em vídeo divulgado pelo canal no YouTube da Fazenda Bebedouro, com 56 mil seguidores. É ele quem mostra detalhadamente as plantações, até chegar à sede da propriedade, centro de seu reino agropecuário em Minas. Confira o novo prefeito paulistano no fim do segundo minuto (1:52), rindo e sorrindo, após apresentar o motorista:

[O vídeo foi retirado do ar horas após a publicação desta reportagem: “Ricardo Nunes tira do ar os oito vídeos de fazenda dele em Minas Gerais“.]

Corria o dia 17 de fevereiro de 2009, conforme Nunes conta no próprio vídeo. Nascido em São Paulo, Ricardo Luis Reis Nunes tinha 41 anos. O canal da Fazenda Bebedouro possui apenas mais sete vídeos. A quantidade de seguidores pode ser explicada pelo sucesso do primeiro, intitulado Vaca Brava, com 21 milhões de visualizações. São três minutos com uma mimosa a amamentar o bezerro e a enfrentar três peões. Outros quatro vídeos mostram gado — em um deles, de 2010, Vacada com Bezerro, Nunes volta a aparecer. Os outros dois vídeos mostram plantações de milho e eucalipto.

É justamente o eucalipto o motivo para arrendamento da Fazenda Bebedouro para a Companhia Ferroligas Minas Gerais, a siderúrgica Minasligas, conforme um documento de 2019 do governo de Minas Gerais. O parecer de licença ambiental simplificada para silvicultura está em nome da Bebedouro, a única fazenda que aparecia na declaração entregue ao TSE em 2012, ao lado da Fazenda Compasso. Mas ele fala em cinco glebas, que incluem a própria Bebedouro, a Compasso, a Espírito Santo, a Monte Sião e a Pontal do Abaeté, em um total de 1.906 hectares.

Nesse empreendimento não estão incluídas as fazendas obtidas, no ano seguinte, 2020, por usucapião.

Eleito vice-prefeito em 2020, Ricardo Nunes sucede o prefeito eleito Bruno Covas, falecido no domingo. Covas não declarou nenhum imóvel no ano passado, nem rural, nem urbano. Morava em um apartamento alugado na região da Barra Funda, em São Paulo. Ele e Nunes — um aliado do presidente da Câmara Municipal, Milton Leite, influente em todas as últimas administrações paulistanas — foram eleitos por uma coligação de onze partidos: Cidadania, DEM, MDB, PL, Pode, PP, Pros, PSC, PSDB, PTC e PV.

Leonardo Fuhrmann é repórter do De Olho nos Ruralistas. |

|| Alceu Luís Castilho é diretor de redação do observatório. ||

Imagem principal (Reprodução/YouTube): Ricardo Nunes em selfie na Fazenda Bebedouro, em Três Marias (MG), em 2010

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