Nono vídeo de série sobre genocídio mostra mentiras do general; reportagem do De Olho nos Ruralistas foi citada na CPI da Covid como evidência de contradição do militar sobre envio do medicamento a aldeias; um ano após Amazônia Real, Folha desenvolve o tema
Por Bruno Stankevicius Bassi
Durante os dois dias em que prestou depoimento à CPI da Covid, o general Eduardo Pazuello desfilou um festival de mentiras sobre sua atuação no combate à Covid-19. Do hacker que teria divulgado o aplicativo TrateCov à negação de falas públicas do presidente Jair Bolsonaro, o militar se contradisse em pelo menos quinze oportunidades, segundo contagem do relator Renan Calheiros (MDB-AL). Uma das mentiras mais gritantes, no entanto, foi esquecida pelo senador.
Perguntado sobre o envio de cloroquina em terras indígenas, Pazuello respondeu que o medicamento foi distribuído para o combate à malária, e não para Covid-19. A afirmação, no entanto, é desmentida pelo próprio Ministério da Saúde que, em coletiva de imprensa realizada no dia 24 de julho de 2020, afirmou ter enviado 100.500 comprimidos de cloroquina no âmbito das ações de enfrentamento à Covid-19 entre os povos indígenas: “Governo federal distribuiu 100 mil unidades de cloroquina para indígenas“.
O nono vídeo da série De Olho no Genocídio, “Pazuello, o mentiroso“, mostra quem é esse militar obediente que, sob o comando de Bolsonaro, despreza o uso de máscara e idolatra a cloroquina. Autor de trapalhadas no envio de suprimentos e com falhas graves de gestão, o militar é, ainda hoje, promovido por aliados do governo como “especialista” em logística. A ligação vem da própria família, conforme mencionado pelo próprio Pazuello na CPI. Sem, no entanto, mencionar as ligações do irmão com grupos de extermínio.
Confira o vídeo:
A promoção ilegal da cloroquina pelo Ministério da Saúde sob a gestão de Pazuello foi um dos principais temas da CPI. Considerado ineficaz no tratamento da Covid-19, o medicamento foi transformado em bastião ideológico e político do governo federal, sendo indicado e — pior — distribuído sem qualquer recomendação médica.
No caso dos povos indígenas, a distribuição foi anunciada pelo próprio ministro, durante coletiva de imprensa realizada em 24 de julho de 2020, na qual Pazuello e seus secretários anunciavam as ações tomadas pelo governo no combate à pandemia. A apresentação de Power Point realizada pelo então secretário-executivo da pasta, Elcio Franco, e por Robson Santos da Silva, o chefe da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), dava ênfase ao envio de 100.500 comprimidos de cloroquina, além de outros dez medicamentos que vinham sendo promovidos pelo governo como “kit Covid”.
Os dados foram divulgados com exclusividade pelo De Olho nos Ruralistas no dia seguinte à coletiva e foram citados durante a CPI pelo senador Fabiano Contarato (Rede-ES).
Dois terços desse total (cerca de 66 mil comprimidos) foram direcionados no início de julho às Terras Indígenas Yanomami e Raposa Serra do Sol, em uma operação conjunta com o Ministério da Defesa em Roraima, conforme revelado no início daquele mês pela Amazônia Real.
Alvo de inquérito instaurado pelo Ministério Público Federal (MPF), a distribuição de cloroquina em terras indígenas integraria, segundo Pazuello, o calendário normal de envio de medicamentos contra malária. A informação, no entanto, foi desmentida por um servidor da Sesai, o coordenador do Distrito Especial Sanitário Indígena Leste (Dsei-Leste) Tarcisio Pimentel, que relatou ao MPF serem os medicamentos parte do “kit Covid“.
Suspeita-se que outros 5 mil comprimidos transportados em aviões da Força Aérea Brasileira (FAB), cujo destino é tido sob sigilo, teriam chegado a comunidades indígenas no Amazonas.
A Folha desta terça-feira (25) traz mais dados importantes sobre o tema, dez meses após as notícias da Amazônia Real e do De Olho nos Ruralistas: “Saúde distribuiu 265 mil comprimidos de medicamentos sem eficácia comprovada para tratar Covid-19 em indígenas“. Apesar do título enganoso — a ineficácia desses remédios está comprovada —, a reportagem avança muito na demonstração de que Pazuello mentiu, ao mostrar a quantidade de medicamentos (cloroquina, azitromicina, ivermetcina) por região e por etnia. Documentos do ministério confirmam que a distribuição ocorreu sob a alegação de combate à pandemia.
O jornal não menciona as reportagens de 2020.
Outro tema que passou batido pela CPI da Covid foi o histórico econômico do general Eduardo Pazuello. O ex-ministro chegou a ser inquirido pelo senador Jorge Kajuru (Podemos-GO) se as empresas herdadas de seu pai, o empresário de origem sefardita Nissim Pazuello, teriam contratos com o governo federal.
“Eu tenho sociedade em empresas por herança”, afirmou o general. “Que eu saiba, [contratos com o] governo federal, só se for Petrobrás, transporte de petróleo, esse tipo de coisa”. O tópico foi alvo de protesto de senadores governistas e foi rapidamente abandonado.
O ex-ministro é sócio com o irmão, Alberto Pazuello, em pelo menos três empresas, duas fundadas e uma adquirida pelo pai deles: a J.A. Leite Navegação, a Petropurus Representações e Comércio de Petróleo (uma rede de postos de combustível) e a N Pazuello E Cia Manaus. Em 1971, ainda criança, ele também apareceu junto à família como sócio da S.B. Sabbá – Crédito, Financiamento e Investimento S/A., controlada por Samuel Benayon Sabbá e que, anos depois, se tornaria o banco Garantia, adquirido por Jorge Paulo Lemann, hoje o bilionário dono da AB Inbev.
No início de seu depoimento, o general fez uma longa menção à mãe e ao pai, destacando sua trajetória como imigrante bem-sucedido, mas esqueceu-se de mencionar o irmão. Acusado de participar nos anos 90 de “A Firma”, um grupo de extermínio que atuava em Manaus, Alberto Pazuello chegou a ser preso por manter duas adolescentes em cárcere privado, sendo indiciado sob a acusação de porte de drogas e de armas, estupro e atentado violento ao pudor.
Confira a série de reportagens sobre a família de Eduardo Pazuello:
Família Pazuello: do enriquecimento ao lado do “Rei da Amazônia” ao colapso político
Irmão de Pazuello foi acusado de participar de grupo de extermínio no Amazonas
Sobrinha de Pazuello advoga para Brookfield, dona do shopping onde ele passeou sem máscara
| Bruno Stankevicius Bassi é repórter e coordenador de projetos do De Olho nos Ruralistas. |
Imagem principal (com foto de Sergio Lima/Poder 360): Pazuello acumulou mentiras em depoimento à CPI
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