Fazendeiros, ex-prefeitos no Pará descumpriram cota de camponeses na merenda

In Agricultura Camponesa, De Olho na Comida, De Olho na Política, Em destaque, Principal, Últimas
Foto: Dandara Sturmer (MST-PR)

A bolsonarista Cristina Malcher possui duas fazendas de 2.178 hectares e é conselheira da Federação da Agricultura; o pecuarista Edilson Oliveira, casado com atual prefeita, não declarou gado; lei prevê pelo menos 30% dos recursos do PNAE para agricultura familiar

Por Mariana Franco Ramos

O Ministério Público Federal (MPF) enviou na última quarta-feira (26) uma recomendação à Prefeitura e à Secretaria de Educação de Rondon do Pará, no sudeste do estado, para que o município cumpra a cota de 30% da produção de camponeses para a merenda escolar, desrespeitada nas gestões passadas.

De acordo com o órgão, os ex-prefeitos Cristina Malcher (PSDB), Edilson Oliveira (MDB) e Arnaldo Rocha (PSDB), todos proprietários rurais, desobedeceram a legislação de 2011 a 2015 e de 2017 a 2018. O órgão adverte que o descumprimento da lei pode levar à responsabilização legal do gestor público, inclusive pela prática de ato de improbidade administrativa.

A pecuarista e advogada Cristina Malcher, de 58 anos, assumiu o cargo em 2010, após a destituição de Olávio Silva Rocha (PMDB), e foi reeleita em 2012. Na época, declarou ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) possuir um patrimônio de R$ 236,9 mil. A lista de bens incluía duas glebas na Fazenda Santa Fé, de 2.178 hectares cada, quotas na empresa Amazon Bufalo Ltda, de preparação de leite, e ações na empresa Fazenda Nova Délhi S/A. Em 2018, quando ela tentou se eleger deputada estadual, informou ser administradora e não detalhou mais o patrimônio, avaliado em R$ 296,2 mil.

Cristina Malcher foi candidata a deputada estadual em 2018. (Imagem: Arquivo/Facebook)

Cristina é hoje conselheira da Federação da Agricultura e Pecuária do Pará (Faepa) e diretora do Sindicato de Produtores Rurais de Rondon do Pará. Ao site do sistema Faepa, ela contou que é criadora das raças Guzerá e Nelore, bubalinos para produção de queijos de leite de búfala, e disse ter orgulho de fazer parte “de uma gente que trabalha produzindo alimentos para todos”.

Em sua conta no Facebook, ela já compartilhou posts enaltecendo o governo Bolsonaro, como um de janeiro de 2020, de boas-vindas a Regina Duarte na Secretaria da Cultura, e outro com uma entrevista na qual o presidente afirma: “Se o pessoal do campo parar, o pessoal de paletó e gravata morre de fome”.

Há dez anos, a fazendeira e seu antecessor foram denunciados pelo MPF por não prestarem contas no prazo estabelecido em convênio firmado com a Fundação Nacional de Saúde (Funasa), no valor de R$ 900 mil. O recurso seria destinado à construção de sistema de saneamento de água no município. Conforme a decisão, os dois foram convocados várias vezes pela Funasa a prestarem contas dos recursos recebidos, mas sempre apresentavam respostas evasivas.

Depois, em 2014, o TSE condenou a prefeita e o vice, o também fazendeiro Pedro Dias dos Santos Filho (PTB), conhecido como Pedrinho do Gás, por abuso de poder político e econômico. Pedrinho se apresenta como empresário e ostentava, naquela época, um patrimônio de R$ 4,2 milhões, que engloba a Fazenda Cajazeiras, de 40 alqueires, avaliada em R$ 1,25 milhão, tratores, caminhões, participações em empresas e 180 cabeças de gado bovino e equino.

PECUARISTA FOI ACUSADO DE FRAUDAR CONTRIBUIÇÕES DA PREVIDÊNCIA

Com a cassação, quem assumiu foi Edilson Oliveira (MDB), segundo colocado no pleito de 2012 e marido da atual prefeita, Adriana Andrade (MDB). Ele informou ao TSE um patrimônio de R$ 357,4 mil. Apesar de se declarar pecuarista, o emedebista disse que não possui cabeças de gado. Na lista pública havia uma área rural de 663 hectares, a Fazenda Vista Alegre, de R$ 56 mil, um prédio comercial, um veículo automotor e dinheiro em espécie ou depósitos.

Quando concorreu em 2012, Edilson Oliveira se apresentou como candidato do povo. (Imagem: Arquivo/Facebook)

Em 2018, o Ministério Público do Pará (MPPA) acusou o ex-gestor de fraudar contribuições da previdência e de aumentar despesas com pessoal. Uma ação civil pública foi protocolada pedindo que ele pague multa de R$ 3,1 milhões e seja condenado por improbidade administrativa. Para a promotora Louise Rejane Silva, as “pedaladas” compensavam o repasse de verbas ao INSS.

A prática, segundo ela, dava a impressão de redução de gastos para “aliviar” as contas da gestão. O órgão pede que o emedebista ressarça os cofres públicos, perca bens em caso de comprovação de enriquecimento ilícito e seja enquadrado na lei da ficha limpa.

Por conta da denúncia, a imprensa local chegou a publicar que Oliveira cogitava renunciar, abrindo espaço para que Adriana concorresse ainda em 2016, o que acabou não acontecendo.

PATRIMÔNIO DE TUCANO DOBROU EM QUATRO ANOS

Quem disputou e venceu aquele pleito, contudo, foi o servidor público Arnaldo Ferreira Rocha (PSDB), proprietário de uma casa de R$ 300 mil e de um terreno de R$ 600 mil, localizado na BR-222. Trata-se da Fazenda Rosa Branca II, de 164,5 hectares, que na sequência ganhou benfeitorias. Em quatro anos, o patrimônio do tucano, que até então nunca tinha exercido um cargo público, subiu 111,11%, de R$ 900 mil para R$ 1,9 milhão. Ele perdeu a reeleição em 2020, quando Adriana foi, enfim, eleita.

A lista da emedebista é um pouco mais modesta que a do marido. Ela declarou R$ 275,5 mil em bens, incluindo duas fazendas na Gleba Bananal, em Rondon: a Planaltina, de 668 hectares, por R$ 56 mil; e a União, de 304 hectares, por R$ 55 mil. Seu vice, Dahu Carlos Burani Machado (PSD), era vereador no município. Ele informou patrimônio de R$ 236,8 mil, dos quais R$ 60 mil correspondem a uma propriedade rural na BR-222.

Rondon do Pará fica na divisa com o Maranhão, tem pouco mais de 52 mil habitantes e uma economia baseada na agricultura, na pecuária e nos setores de comércio e serviços. A formação do município ocorreu a partir dos planos de ocupação e construção de rodovias durante a ditadura, por volta de 1968, e se solidificou com o Projeto Rondon. Obras de integração nacional, como a da PA-070 (atual BR-222), “rasgaram” a floresta amazônica, com o objetivo de integrar a região, e causaram conflitos com os povos tradicionais.

ATUAL PREFEITA TEM QUINZE DIAS PARA RESPONDER RECOMENDAÇÃOES

O procurador da República Sadi Flores Machado fixou um prazo de quinze dias para que a atual prefeita acolha a recomendação quanto à composição da merenda dos estudantes. Ele frisa que, além do respeito aos 30% dos produtos da agricultura familiar, a legislação determina a priorização de compra da produção de assentados da reforma agrária, povos indígenas e comunidades quilombolas.

Adriana e Dahú assumiram a prefeitura em janeiro. (Imagem: Prefeitura de Rondon)

Conforme Machado, a política pública tem como propósitos garantir a alimentação escolar, promover alimentação saudável com respeito à cultura dos povos e comunidades tradicionais e diminuir altos custos logísticos. Sua implantação deve contribuir “para a geração de renda e incentivo à produção sustentável, bem como visa a garantir a autonomia do pequeno produtor, inclusive quanto à manutenção de sua atividade e domicílio”, destaca o MPF.

Na recomendação, o órgão registra que o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) possui assessoria disponível e qualificada para prestar esclarecimentos e apoiar a elaboração das chamadas públicas diferenciadas no âmbito dos municípios. O FNDE também pode tirar dúvidas sobre a compra de produtos da agricultura familiar, com observância às prioridades legais.

Recomendações são instrumentos do Ministério Público que servem para alertar os agentes públicos sobre a necessidade de tomar providências e, assim, resolver uma situação irregular ou que possa levar a alguma irregularidade. O não acatamento infundado de uma recomendação ou a insuficiência dos fundamentos apresentados para não acatá-la total ou parcialmente podem levar o órgão a adotar medidas judiciais cabíveis.

Mariana Franco Ramos é repórter do De Olho nos Ruralistas. |

Foto principal (Dandara Sturmer/MST/PR): legislação determina prioridade para produção de assentados

You may also read!

Prefeito de Eldorado do Sul terraplanou terreno em APA às margens do Rio Jacuí

Empresa em nome de sua família foi investigada pelo Ministério Público após aterrar área de "banhado" da Área de

Read More...

Expulsão de camponeses por Arthur Lira engorda lista da violência no campo em 2023

Fazendeiros e Estado foram os maiores responsáveis por conflitos do campo no ano passado; despejo em Quipapá (PE) compõe

Read More...

Estudo identifica pelo menos três mortes ao ano provocadas por agrotóxicos em Goiás

Pesquisadores da Universidade de Rio Verde identificaram 2.938 casos de intoxicação entre 2012 e 2022, que causaram câncer e

Read More...

Leave a reply:

Your email address will not be published.

Mobile Sliding Menu