Primos de Arthur Lira comandam o Incra e a Codevasf, como mostra o terceiro vídeo da série De Olho no Congresso; político do PP acelera a destruição de direitos socioambientais enquanto barra os mais de 120 pedidos de impeachment contra Bolsonaro
Por Luís Indriunas e Alceu Luís Castilho
A boiada está passando. E não por obra do ex-ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Desde que se tornou presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) tem aberto as porteiras para a destruição de direitos sociais e ambientais no Brasil. Enquanto isso, ele amplia o poder de sua família no governo federal e em Alagoas. Dois de seus primos são os atuais superintendentes regionais da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
Para a Codevasf, que administra boa parte do orçamento do Ministério do Desenvolvimento Regional em Alagoas, Lira e seu pai, o ex-senador Benedito de Lira (PP), emplacaram Joãozinho Pereira, ex-prefeito de Teotônio Vilela (AL). Para o Incra, órgão que no passado considerou improdutiva propriedade de Arhur e Benedito, o clã colocou César de Lira. Ou seja, o presidente da Câmara não atua somente no Legislativo, mas também no Executivo.
O estilo de comando de Arthur Lira é o tema de “Os Laços do Coronel”, terceiro vídeo da série De Olho no Congresso. A websérie é o maior projeto audiovisual já realizado sobre a bancada ruralista, seus apoiadores, seus financiadores, seus principais expoentes e o rolo compressor da destruição.
CÉSAR DE LIRA ENTROU NO INCRA DURANTE GOVERNO TEMER
Wilson Cesar de Lira Santos, ou apenas César de Lira, assumiu a Superintendência Regional do Incra em 2017, durante o governo de Michel Temer. Era o início do desmonte do órgão, consolidado pelo governo Bolsonaro. Nessa época Alagoas recebeu apenas R$ 3.948,00 para encaminhar dezessete processos de titulação de quilombolas.
Hoje no PSD, o advogado, tentava desde 2004 ser vereador, sempre perdendo ou conseguindo apenas uma suplência. Em 2018, dias após conseguir a vaga na Câmara Municipal de Maceió, após a saída de outro vereador, desistiu. Motivo: representantes do governo Temer pediram para ele continuar “devido aos resultados positivos”. Com a ascensão de Bolsonaro e do primo Arthur Lira ao poder, César garantiu sua permanência no órgão.
Antes do Incra, o superintendente ocupou cargos de confiança na prefeitura de Maceió entre 2009 e 2016, nas administrações de Cícero Almeida (PP) e Rui Palmeira (PSDB). Sem apresentar lista de bens durante três eleições, César de Lira declarou pela primeira vez, em 2016, possuir um patrimônio de R$ 240 mil. Desse total, R$ 50 mil eram relativos à parte de uma fazenda, a Saudinha.
JOÃOZINHO PEREIRA COMANDA O ORÇAMENTO DO TRATORAÇO
O ex-prefeito de Teotônio Vilela e primo de Arthur Lira, Joãozinho Pereira (PMDB), assumiu a Codevasf em 1º de abril de 2021, falando em “fé e foco”. Cerca de um mês depois, em 09 de maio, o Estadão denunciava o tratoraço, um orçamento paralelo de R$ 3 bilhões que Bolsonaro distribuiu para seus aliados a partir do Ministério do Desenvolvimento Regional, por meio de órgãos regionais como a Codevasf.
Em Alagoas, o grande beneficiado do tratoraço foi Arthur Lira, com R$ 114,6 milhões recebidos do ministério. Isso inclui uma suspeita de superfaturamento na compra dos tratores. Parte desse montante chegou a Alagoas e aos aliados de Lira pela Codevasf.
Joãozinho Pereira já foi deputado estadual e, em duas ocasiões, prefeito de Teotônio Vilela. A sua primeira passagem foi marcada por um processo de improbidade administrativa por contratar professores sem licitação. Na segunda, mais recente, Joãozinho teve seus bens bloqueados por usar a pandemia para fins eleitorais, distribuindo cestas básicas em seu nome.
Joãozinho Pereira é, como o primo Arthur, um ruralista. Ele é proprietário de 1.435,8 hectares em Porto das Pedras e Pindoba. Nas eleições de 2016, sua fortuna somava R$ 1.346.986,43.
A distribuição de tratores pelo interior de Alagoas é o atual cabresto da política de Lira, com demonstração explícita de coronelismo — essa tradição que funde poder político e agrário a partir da confusão entre o público e o privado. Em 2019, o então prefeito de Junqueiro, Carlos Augusto (MDB), festejou o recebimento de tratores pelo municípios, agradecendo especificamente a Arthur Lira. Mas acabou perdendo a reeleição no município, berço da família Lira.
Quando o vencedor Leandro Silva (PTB) assumiu a prefeitura, descobriu que os tratores tinham sido devolvidos para a Codevasf.
BENEDITO DE LIRA COMANDA AS ARTICULAÇÕES POLÍTICAS DA FAMÍLIA
E não são somente Joãozinho e César, Benedito e Arthur: os Lira e Pereira multiplicam-se na política. A Assembleia Legislativa de Alagoas abriga a deputada estadual Jó Pereira (MDB), irmã de Joãozinho. O primo Peu Pereira (PP) é prefeito em Teotônio Vilela, no lugar de Joãozinho. Outro primo do superintendente da Codevasf, Nicolas Pereira (PP), ocupa a prefeitura de Campo Alegre.
Quem comanda o clã é o pai de Arthur, Benedito de Lira, ou Biu de Lira. Senador eleito para o mandato que se encerrava em 2019, ele acabou se tornando prefeito de Barra de São Miguel, uma estância turística vizinha de Maceió. Com anos de experiência em Alagoas e no Congresso, é o patriarca quem decide a filiação de cada político e articula as alianças locais com os interesses nacionais. Diante do alinhamento de Arthur com o presidente da República, Benedito iniciou o processo de distanciamento do governador Renan Filho (MDB), enquanto o filho participa de inaugurações no estado com Bolsonaro e o ex-presidente Fernando Collor (Pros).
Arthur e Benedito trabalham em sintonia nos negócios e na política. Juntos eles tiveram R$ 10,4 milhões bloqueados por participarem do esquema de desvio do PP na Lava Jato. Nas eleições, pai e filho costumam doar um para outro. E já tiveram grandes financiadores, da Braskem à OAS, da Sococo à JBS. A dupla apareceu em reportagem desse observatório: “Usineiros e seus defensores dão as cartas na política alagoana”.
Arthur e Benedito de Lira são pecuaristas e viram suas fortunas crescerem na mesma proporção, praticamente triplicando-as. Em 2006, Benedito possuía R$ 578.882,93 em bens declarados à Justiça Eleitoral. Em 2020, o total era de R$ 1.643.484,44. Arthur declarou R$ 695.901,55 em 2006. Doze anos depois, em 2018, sua fortuna era de R$ 1.718.924,20.
CLÃ JÁ TEVE FAZENDA IMPRODUTIVA, ARRENDADA PARA ‘FALSO EMPRESÁRIO’
Desse total de R$ 1,7 milhão, menos de 10% referem-se a duas fazendas e um sítio, que somam R$ 149 mil, como se pode ver abaixo, em lista parcial dos bens informados ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). As duas fazendas foram doações do pai Benedito de Lira. O outro bem rural declarado é a empresa D Lira Agropecuária e Eventos, por R$ 100 mil. Os bens mais valiosos de Lira são lotes de terrenos em Maceió, que totalizam R$ 508 mil, e uma caminhonete Pajero, declarada por R$ 208 mil. As aplicações em bancos somam valores irrisórios.
No histórico de propriedades da família Lira aparecia a Fazenda Boa Esperança, em Major Isidoro, que foi considerada improdutiva, e ocupada em 2010 pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Na época, os Lira ameaçaram os camponeses de despejo. A fazenda nem chegou a ser vistoriada pelo Incra — o órgão hoje comandado no estado por César de Lira.
Após o MST conseguir uma área equivalente no mesmo município, a fazenda saiu das declarações de bens de Benedito. Outra fazenda da família, a Estrela, em Quipapá, aparece ora nas declarações de bens do ex-senador ora do presidente da Câmara. A propriedade é alvo de investigação. Em depoimento à Polícia Federal, Eduardo Freire Bezerra Leite, o Eduardo Ventola, disse que recebia de Lira R$ 60 mil pelo arrendamento da fazenda, numa estranha triangulação em que os Lira pagaram para arrendar a própria fazenda.
Ventola, que atuava também em Pernambuco, foi considerado pelos investigadores da Lava Jato um falso empresário. Suas relações com os Lira parecem ser próximas: em seu depoimento, disse que emprestou R$ 200 mil em dinheiro vivo para Arthur Lira para sua campanha em 2010.
ARTHUR LIRA DEIXA PASSAR A BOIADA, MAS NÃO O IMPEACHMENT
Com apoio do presidente Bolsonaro e da bancada ruralista, o presidente da Câmara vem cumprindo uma agenda articulada com a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) desde o primeiro dia de seu mandato. Esse rolo compressor é o tema do segundo vídeo da série De Olho no Congresso, “Passando a Boiada“.
Um dos primeiros passos da destruição foi o Projeto de Lei (PL) 3729/04, sobre licenciamento ambiental, aprovado na Câmara por 300 votos a 122. O PL, que seguiu para o Senado, cria mecanismos como o “autolicenciamento” ambiental, além de isentar de licenciamento diversas atividades, inclusive a agropecuária.
Antes do recesso de julho, Lira obteve o apoio da presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Bia Kicis, para encaminhar o PL 490/07, que retira direitos dos povos indígenas. A votação foi marcada por violência contra os manifestantes que estavam do lado de fora do Congresso. Pelo menos dez indígenas ficaram feridos, segundo o Conselho Indigenista Missionário (Cimi).
No mesmo dia, ao abrir a sessão plenária, Lira defendeu a ação policial e disse que os indígenas usavam drogas, por estarem fumando, menosprezando a cultura ritualística dos povos originários. Esse dia de violência foi tema de vídeo deste observatório.
Assim que a Câmara voltou do recesso, em agosto, no primeiro dia de sessão, Lira pautou o PL 2633/20, o PL da Grilagem, que perdoa os invasores de terras públicas. O projeto foi aprovado na Câmara por 296 votos, diante do apoio maciço do Centrão e da bancada ruralista; 136 deputados foram contrários. Outro projeto na pauta de Lira libera ainda mais a aplicação de agrotóxicos no Brasil.
Enquanto comanda a “boiada”, o termo consagrado pelo ex-ministro Ricardo Salles durante reunião ministerial, em 2020, o presidente da Câmara represa os mais de 120 pedidos de impeachment contra Jair Bolsonaro.
| Luís Indriunas é editor do De Olho nos Ruralistas. |
|| Alceu Luís Castilho é diretor de redação do observatório. ||
Imagem principal (De Olho nos Ruralistas): presidente da Câmara comanda as pautas destruidoras
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