Usineiros e seus defensores dão as cartas na política alagoana

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Benedito-de-Lira e Renan-Calheiros. (Fotos: Ana Volpe/Agência Senado e Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr)

Entre nove deputados federais, cinco são de famílias ligadas ao setor da cana; em mundo de dívidas bilionárias, políticos enriquecem durante mandatos

Por Bruno Stankevicius Bassi

O coronelismo não morreu. Se, em Brasília, os deputados e senadores alagoanos circulam entre as altas esferas de decisão, em Alagoas o poder político e econômico continua, há décadas, concentrado nas mesmas famílias. Trata-se de um estado, ainda hoje, dominado por famílias usineiras. Isso se reflete na representação parlamentar: dos nove deputados federais eleitos em 2014, cinco vêm de famílias ligadas ao setor sucroalcooleiro.

Benedito e Arthur Lira, pai e filho, ambos do PP, reproduzem um fenômeno atípico. Enquanto o senador Benedito de Lira, mais conhecido como Biu, vem perdendo patrimônio, seu filho vem enriquecendo. Desde 1994 no Congresso, Biu declarou em 2002 ser dono de R$ 810 mil, incluindo quatro fazendas e 850 cabeças de gado. Em 2014, quando concorreu ao governo de Alagoas, parte das fazendas já estava no nome de Arthur, cujo patrimônio quintuplicou em doze anos.

Arthur Lira e o clientelismo explícito. (Foto: Prefeitura de Igreja Nova)

Essas declarações podem estar subestimadas. Em fevereiro de 2017, a 11ª Vara Federal de Curitiba, a pedido da Advocacia-Geral da União, bloqueou R$ 10,4 milhões pertencentes aos Lira. Biu e Arthur foram acusados de improbidade administrativa por terem se beneficiado de recursos de campanha obtidos com o desvio de propinas da Petrobras, conforme delação do doleiro Alberto Youssef. Os dois foram denunciados este ano, em abril, por corrupção e lavagem de dinheiro.

Acusado de não pagar o arrendamento de uma fazenda em Campo Alegre, na Zona da Mata, o deputado Arthur Lira é alvo de uma ação de despejo, movida no ano passado pelo ex-prefeito José Maurício Tenório. O político local acusa Lira de um calote de R$ 144 mil, de depredar bens da Fazenda Barra e de se recusar a devolver a propriedade de 756 hectares, entre os quais 437 hectares são arrendados.

ELES PROPÕEM LEIS QUE BENEFICIAM O SETOR

Benedito de Lira é uma das principais vozes no Senado em defesa do setor sucroalcooleiro. Em junho, ele esteve entre os senadores que apoiaram o Projeto de Decreto Legislativo (PDS) 61/2018, que autoriza a venda de álcool das usinas diretamente aos postos de combustíveis, eliminando a distribuição da Petrobras. No ano passado, cobrou do ministro da Agricultura, Blairo Maggi, a supressão das isenções concedidas desde 2013 à importação de etanol, voltando ao imposto de 17%, similar ao cobrado dos produtores locais.

O senador também se envolveu em pautas polêmicas. Em 2004, quando era deputado federal, Biu se posicionou contra a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 57-A/1999, que propunha desapropriar, disponibilizando para reforma agrária, as terras de proprietários flagrados com trabalhadores em condição análoga à escravidão.

Teotônio motivou música de Milton. (Foto: Reprodução)

Apesar das terras repassadas ao filho Arthur, Benedito de Lira não possui usina. Quando se elegeu senador em 2010, escolheu como suplente Givago Tenório. Empossado em julho, com a saída de Biu para a disputa da reeleição, Givago é sobrinho de João Tenório e um dos sócios da Usina Triunfo, que entrou em recuperação judicial em 2015. O tio de Givago também foi suplente e se tornou senador em 2006, após o titular deixar o cargo.

O titular em questão era Teotônio Vilela Filho (PSDB), que abandonou o Congresso para se tornar governador de Alagoas, sendo reeleito em 2010. Ele próprio um produtor sucroalcooleiro, dono das Usinas Reunidas Seresta e de 6.987 hectares em Alagoas (a cidade de Teotônio Vilela foi batizada em homenagem ao pai do tucano, o Menestrel das Alagoas da música de Milton Nascimento). Seu sobrinho, Pedro Vilela, também é deputado federal pelo PSDB.

NA OUTRA PONTA, JORNADA EXAUSTIVA

Teotônio Vilela Filho levou os usineiros para dentro do governo. Em 2009, no fim de seu mandato, Teotônio chamou Mauricio Toledo para a Secretaria da Fazenda, substituindo sua irmã Fernanda Vilela, advogada da Cooperativa Regional dos Produtores de Açúcar e Álcool de Alagoas e mulher do então senador João Tenório (PSDB), da Usina Triunfo.

Outra família poderosa no estado, os donos do Grupo Toledo possuem três usinas em Alagoas e uma em São Paulo. Em 2017, uma das unidades do conglomerado, localizada em Marechal Deodoro (AL), foi multada em R$ 43 mil por submeter trabalhadores a jornadas exaustivas. Eles também têm ramificações na política.

Alexandre Toledo (PSB) assumiu o mandato de deputado federal após Rui Palmeira (PSDB) assumir a prefeitura de Maceió, em 2012. Rui é filho de Guilherme Palmeira, ex-governador, ex-senador e ex-ministro do Tribunal de Contas da União. Palmeira foi, entre 1983 e 1999, o principal interlocutor dos usineiros nordestinos em Brasília.

Atualmente, a família tem Fernando Toledo (PSDB) como deputado estadual. Ele foi presidente da Assembleia Legislativa. Sérgio Toledo lançou candidatura a deputado federal pelo PR.

DO ENRIQUECIMENTO ÀS DÍVIDAS

Dos nove deputados alagoanos, quatro pertencem à Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA). Além de Arthur Lira (e seu pai, no Senado), o setor alagoano da frente é encabeçado por Marx Beltrão (PSD), ministro do Turismo até abril, quando pediu licença para concorrer à reeleição, e membro de um dos clãs mais poderosos do estado.

O município de Coruripe, principal base de operação da Petrobras em Alagoas, é monopolizado por sua família desde os anos 1980. Liderada pelo pai, João Beltrão (MDB), deputado estadual há 24 anos, a família já elegeu cinco prefeitos, não apenas em Coruripe, mas também nas cidades vizinhas. Os bens rurais se concentram no tio de Marx, Joaquim Beltrão (MDB), dono de 2 mil hectares em Alagoas, destinados à produção de cana, além de outras três fazendas em União de Minas (MG).

Usina tem dívida bilionária. (Foto: Reprodução)

Marx e João Beltrão receberam, juntos, R$ 250 mil da Usina Coruripe que, em junho de 2018, anunciou um plano de reestruturação de suas dívidas, que chegam a R$ 1,9 bilhão. O grupo fez doações de campanha a outros cinco políticos alagoanos.

Mais um ruralista, Nivaldo Albuquerque (PTB) é filho do deputado estadual Antônio Albuquerque, o AA, também do PTB. Dono de cinco imóveis rurais, AA está na mira dos credores. O Banco do Nordeste tenta executar uma de suas fazendas para reaver uma dívida de R$ 841 mil. O pai de Nivaldo, um dos investigados pela Polícia Federal na Operação Taturana pelo desvio de R$ 300 milhões da Assembleia Legislativa, deve R$ 1,7 milhão.

Outro membro da FPA que tenta a reeleição é Givaldo Carimbão (Avante). Coordenador da Frente Parlamentar Católica e principal voz no Congresso contra a descriminalização do aborto, ele lançou a candidatura de seu filho, Carimbão Júnior, a deputado estadual pelo mesmo partido. Na declaração de bens de ambos, consta uma fazenda em Arapiraca.

SENADORES MOTIVAM TEXTO À PARTE

Entre os ruralistas que não pertencem à Frente Parlamentar da Agropecuária está o deputado Maurício Quintella Lessa (PR), que busca uma vaga no Senado. Ministro dos Transportes durante o governo Temer, Quintella é sobrinho do ex-governador Ronaldo Lessa (PDT), mais um membro da bancada alagoana na Câmara.

Em abril, após reassumir o mandato na Câmara, ele foi designado relator da Lei Geral do Licenciamento Ambiental (PL 3729/04) na Comissão de Finanças e Tributações. Na campanha de 2014, recebeu doação da Delta Sucroenergia, dona de três usinas em Minas Gerais.

O Senado não é algo banal na política alagoana. É lá que se abriga o ex-presidente Fernando Collor (PTC). E onde atua um dos políticos mais influentes do Brasil, Renan Calheiros (MDB). Os velhos conhecidos da República de Alagoas são tema de outro texto da série De Olho na Bancada Ruralista: “Fernando Collor e Renan Calheiros perpetuam-se no poder a partir dos filhos”.

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