Aline Sleutjes, a deputada do (copo de) leite, abre alas a Bolsonaro no Paraná

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Filha de agropecuaristas, ela se divide entre defesa do agronegócio e exaltação inflamada do presidente, com quem compartilhará agenda no estado neste fim de semana; parlamentar é próxima de financiadores da FPA, como a empresa Castrolanda, associada da Viva Lácteos

Por Mariana Franco Ramos

Em junho de 2020, no auge das manifestações antirracistas desencadeadas após o assassinato de George Floyd nos Estados Unidos, Jair Bolsonaro tomou um copo de leite puro durante sua live presidencial. O gesto, associado por pesquisadores ao supremacismo branco, foi comemorado por uma aliada em especial: Aline Sleutjes (PSL-PR), a autointitulada deputada do leite, ou do agro.

Deputada se orgulha de atender aos interesses do setor. (Foto: Francisco Moreira/Divulgação)

“O desafio do leite saiu de Castro, atravessou o Paraná e chegou a Brasília”, comentou ela, dividindo os louros com o presidente da Associação Brasileira de Produtores de Leite (Abraleite), Geraldo Borges.

A proposta foi lançada pelos irmãos Reynold e Hans Groenwold, da Fazenda Fini, e por Robert Salomons, da Chácara Recanto Alegre, cooperados da Castrolanda, na região paranaense conhecida como Campos Gerais, reduto eleitoral de Aline.

Ao lado de assessores, a parlamentar repetiu a ação, falou que o objetivo era incentivar o consumo de um alimento tão rico em cálcio e proteínas e lamentou a repercussão negativa. “Alguns ‘doutores’ doentes dizem que foi um gesto nazista”, escreveu, no Twitter. “Morro e não vejo tudo, covardes!” Na live, contudo, Bolsonaro se nega a “desafiar” alguém a também beber, como, em tese, previa a corrente.

À revista Fórum, a antropóloga social Adriana Dias chamou o suposto desafio de jogo de cena e explicou a referência neonazista: “Tomar branco, se tornar branco”. O blogueiro bolsonarista Allan dos Santos, outro a entrar na onda, chegou a comentar, após o brinde em seu canal, Terça livre: “Entendedores entenderão”.

O supremacismo do governo Bolsonaro, que vai muito além de simples gestos ou gafes, é tema de um dos vídeos da série De Olho no Genocídio.

“NOSSA CASTROLANDA” FINANCIA A BANCADA RURALISTA

A deputada tem o hábito de afagar as empresas. “Castrolanda, a nossa cooperativa, hoje está na posição 186 entre as maiores empresas do país, com uma receita líquida de R$ 4,3 bilhões conquistada em 2020”, afirmou Aline Sleutjes, na sessão plenária do dia 05 de outubro. “É uma alegria fazer parte desse trabalho, dessa história”, completou. “Quero parabenizar o agro, os nossos produtores de leite, e dizer que vocês têm aqui uma defensora”.

Deputada em uma de suas visitas a fazendas do Paraná. (Foto: Divulgação)

Os afagos não são por acaso. Dona de doze marcas, que processam produtos de 1.100 cooperados, a idealizadora do desafio do copo de leite figura na lista das 50 maiores empresas do agronegócio, segundo a Forbes. Este observatório apurou que ela é uma das financiadoras do Instituto Pensar Agro (IPA), motor logístico da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA).

A contribuição se dá por meio da Viva Lácteos, que reúne 38 dos principais fabricantes e associações do setor no Brasil, incluindo multinacionais como Nestlé, Danone e Mondelez.

A Castrolanda também integra, junto às cooperativas Batavo e Capal-Arapoti, a Fundação ABC, principal interessada na reintegração de posse da Fazenda Capão do Cipó. A área pública pertence à Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União (SPU) e é utilizada pelo grupo, através do Centro de Treinamento para Pecuaristas (CTP), como campo experimental. O imóvel é ocupado desde 2015 por 115 famílias camponesas, que formaram ali o acampamento Maria Rosa do Contestado, de produção 100% agroecológica.

De Olho nos Ruralistas já falou sobre o histórico de enfrentamento da deputada contra o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST): “Inimiga do MST, ruralista é eleita para assumir Comissão de Agricultura“. Foi ela que articulou, em junho de 2019, uma reunião do presidente da Castrolanda e do CPT, Frans Borg, com o secretário de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura, Nabhan Garcia, para tratar do imbróglio.

Paranaense se encontrou com Nabhan para pedir despejo de famílias. (Foto: Divulgação)

Após o encontro, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), que até então se posicionava favoravelmente ao assentamento das famílias na área, mudou de posição, buscando reassentá-las em uma propriedade vizinha, pertencente ao governo estadual.

Um ano depois, a SPU publicou uma portaria concedendo a área, de 440 hectares, para o Instituto Federal do Paraná por um prazo de vinte anos e determinando o despejo das famílias. Aline continuou acompanhando o caso de perto.

A Defensoria Pública da União (DPU) conseguiu reverter o pedido de despejo na Justiça Federal em setembro. Ficou determinado que haverá uma nova audiência para discutir uma solução para o conflito, em data a ser confirmada. O órgão aponta diversas irregularidades na atuação do Incra, inclusive a contradição consistente na cessão gratuita do terreno aos grandes pecuaristas.

POLÍTICA É UMA DAS ESTRELAS EM ASCENSÃO DA BANCADA RURALISTA

Filha dos agropecuaristas Albertus Maria Sleutjes e Lilia Krelling Sleutjes, de origem holandesa, Aline nasceu em Castro, em 26 de julho de 1979, e tem três irmãos: Sergio, Angela e Fernando. Antes de se eleger deputada, foi vereadora por duas vezes e concorreu aos cargos de prefeita e vice-prefeita. Nas últimas eleições, ela declarou R$ 132.498,54 em bens ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A lista inclui apenas dinheiro em espécie e um veículo automotor.
Aline entre Bolsonaro e a ministra Tereza Cristina: mais que amigos. (Foto: Facebook)

Sua família possui 74 propriedades rurais. Muitas pertencem a tios e primos, mas algumas a parentes bem próximos. Albertus é dono da Fazenda Palmito, de 813 hectares, e da Invernada dos Souzas, de 159,7 hectares, além de duas chácaras.

Fernando é o proprietário da Estância Shalom, em Piraí do Sul, onde produz 2,7 milhões de litros de leite por ano, em parceria com a multinacional Royal De Heus, dos Países Baixos. O rebanho é composto por 480 indivíduos: 280 vacas jovens e 200 vacas em lactação.

Willibrordus Sleutjes, tio da parlamentar, tem catorze imóveis rurais registrados no Paraná, dentre grandes e pequenos. A Fazenda Boa Vista, de 4.308 hectares, está localizada em Tibagi, enquanto a Pinhão, de 1.746, fica em Ponta Grossa. Ele planta soja e trigo e cria bovinos para corte e para leite.

Apesar do patrimônio mais “modesto”, ao menos em comparação com os colegas da bancada ruralista, Aline é considerada uma estrela em ascensão no grupo. Pouco tempo após deixar a vice-liderança do governo na Câmara, ela foi eleita para a coordenação institucional da FPA. Em 2019, a pedido de fazendeiros da região, a bolsonarista pressionou o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, para anular o decreto que criou o Parque Nacional dos Campos Gerais, nos municípios de Carambeí, Castro e Ponta Grossa.

A unidade, criada em 2006, protege um dos últimos remanescentes de Campos Naturais do Paraná, estado que devastou 99% desse ecossistema associado ao bioma Mata Atlântica. De acordo com o ofício protocolado pela deputada, os proprietários de terras inseridas na área do parque estariam sofrendo restrições que desvalorizam os imóveis e dificultam o uso para atividades do agronegócio. A situação foi abordada em reportagem do jornal Plural.

Parlamentar participou de atos antidemocráticos no dia 7 de setembro. (Foto: Facebook)

PARLAMENTAR TEM GRUPO DE WHATSAPP COM TEREZA CRISTINA

O episódio do copo de leite foi um entre tantos no qual a deputada se mostrou fiel a Bolsonaro. Em seu primeiro mandato, ela assumiu em 2020 o comando da Comissão da Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural (Capadr), a quem cabe, entre outras atribuições, discutir políticas fundiárias e de reforma agrária.

Enquanto na sua gestão os povos do campo não têm vez, os membros do governo e os grandes proprietários são tratados como prioridade. Para facilitar a interlocução entre as duas pontas, ela chegou a criar um grupo de WhatsApp com a ministra Tereza Cristina. “Diariamente, discutimos e alinhamos várias solicitações e encaminhamentos”, contou, em entrevista ao site da Confederação Nacional da Agricultura (CNA).

Seus muitos discursos a favor do setor que representa dividem espaço com uma defesa inflamada do presidente e de pautas por ele difundidas, inclusive as de caráter golpista e negacionista. Ela é contra o passaporte de vacinação e entusiasta do voto impresso, do Marco Temporal, da mineração em terras indígenas, dos agrotóxicos e do impeachment de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), para citar alguns exemplos.

“Mais do que índios, eles são brasileiros, são cidadãos”, comentou, na Câmara, em agosto, como se fizesse um elogio, antes de sugerir que as diferentes etnias trabalhassem em conjunto com o setor. “Elas querem, elas desejam, elas sonham em trabalhar com um agro forte, pujante”.

Em encontro com líderes na comissão que chefia, Aline Sleutjes repetiu um gesto já comum entre políticos anti-indígenas, como Ricardo Salles e Tereza Cristina: usou, nada constrangida, um cocar. Veja aqui quem mais já teve seus minutos de etnomarketing. Na sequência, propôs: “Ao invés de ficar aumentando territórios, vamos aumentar as oportunidades”.

De cocar, paranaense faz discurso anti-indígena. (Foto: Divulgação)

STF INVESTIGA PRÁTICA DE “RACHADINHA” EM GABINETE

Assim como alguns de seus aliados, a paranaense teve o sigilo bancário quebrado pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF, em meio ao inquérito sobre o financiamento dos atos antidemocráticos de 2020. A investigação buscava apurar o desvio de cotas parlamentares pagas ao marqueteiro Sérgio Lima, um dos articuladores do Aliança pelo Brasil, partido que Bolsonaro busca formar. Uma das suspeitas é de que ela praticava “rachadinha” – ficando com parte dos salários de assessores.

Aline será a anfitriã de Bolsonaro no Paraná. (Foto: Facebook)

Aline está, ainda, entre os vinte parlamentares do PSL, conforme o Estadão, que apresentaram notas fiscais de empresas de fachada para justificar reembolso de R$ 730 mil. A reportagem diz que ela usou R$ 14 mil da Câmara para pagar a consultoria de marketing da Prisma Comércio e Serviço, de Samambaia, em Brasília.

A assessoria da paranaense informou que a firma fez um “levantamento de dados, montagem de banco de imagem e atualização de suas redes sociais”.

Com o apoio de grupos de extrema-direita, a deputada do leite se organiza agora para receber o presidente em sua terra natal. O chefe do Executivo deve participar nesta sexta-feira (05) de solenidades em Castro e Ponta Grossa e, no dia seguinte, passear de moto com apoiadores em Piraí do Sul.

O evento aconteceria em setembro, entretanto, foi adiado depois que membros da comitiva presidencial presente nos Estados Unidos testaram positivo para Covid-19.

| Mariana Franco Ramos é repórter do De Olho nos Ruralistas. |

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