Inimigo dos indígenas e alinhado ao agronegócio: quem é o novo ministro do STF

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O novo ministro da Justiça e Segurança Pública, André Mendonça e o presidente da República, Jair Bolsonaro, durante a solenidade de posse no Palácio do Planalto (Alan Santos/PR)
Próximo de Bolsonaro e “terrivelmente evangélico”, André Mendonça defendeu tese ruralista na AGU e deve seguir a mesma linha de Nunes Marques ao julgar Marco Temporal; maioria dos senadores que votaram a favor dele integra a Frente Parlamentar da Agropecuária

Por Mariana Franco Ramos

O ex-ministro da Justiça e da Advocacia-Geral da União (AGU) André Mendonça chega ao Supremo Tribunal Federal (STF) com o aval de Jair Bolsonaro e da bancada ruralista. Seu nome foi aprovado no Senado nesta quarta-feira (01), por 47 votos a 32, e é um dos quatro que o presidente pretende indicar até 2023, caso reeleito.

Apesar de a votação após a sabatina ser fechada, é possível afirmar, pelos posicionamentos públicos, que a maioria dos parlamentares favoráveis a Mendonça integra a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), braço institucional da bancada ruralista, ou é alinhado a ela.

De 34 senadores identificados em reportagem do Antagonista, 21 são da FPA. Entre eles estão nomes como o do arrozeiro negacionista Luis Carlos Heinze (PP-RS), conhecido por falas discriminatórias contra camponeses, e o de Zequinha Marinho (PSC-PA), entusiasta do Marco Temporal.

A lista inclui parlamentares que são apontados como de oposição ao governo, casos de Simone Tebet (MDB-MS), Oriovisto Guimarães (Podemos-PR), Flávio Arns (Rede-PR) e Alessandro Vieira (Cidadania-SE). A bancada ruralista é suprapartidária.

SENADORES ESCANCARAM INTERESSES PRÓPRIOS DURANTE SABATINA

Zequinha Marinho tem fortes ligações com o lobby da mineração, com a pecuária, com o garimpo e com esquemas de grilagem de terras, como mostrou o Fantástico, da Rede Globo. O senador é ainda autor de um projeto de decreto legislativo que ameaça a existência de indígenas isolados entre os municípios de Senador José Porfírio e Altamira, na região do Xingu.

Durante a sabatina na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) que referendou o nome de Mendonça, o paraense afirmou que, se aprovado, o Marco Temporal “literalmente quebraria o agronegócio brasileiro pelo meio”. “Tenho certeza que vamos poder contar com vossa excelência naquela Corte”, discursou. E ele não foi o único a escancarar que interesses próprios estariam em jogo.

Outro entusiasta do ex-AGU é Plínio Valério (PSDB-AM), que deixou no ar a pressão para liberalizar decisões sobre a Amazônia. Depois de dizer que “tem ministro que não tem comportamento, nem tamanho de ministro”, ele pediu que Mendonça não se esqueça do bioma, mas mostrou não estar preocupado com questões ambientais. “Essa coisa do complexo do colonizado de falar o tempo todo do Acordo de Paris”, reclamou, sobre o tratado que prevê redução das emissões de dióxido de carbono.

‘PESSOAS NÃO ESTÃO DESMATANDO PORQUE QUEREM’, DIZ MENDONÇA

O sabatinado destacou, em sua fala, a criação do que chamou de “modelagem segura” entre preservação ambiental e desenvolvimento. E sugeriu que pessoas “não estão desmatando porque querem”. “A minha preocupação é estabelecer políticas públicas que tirem da marginalidade pessoas que poderiam estar trabalhando legalmente”, discursou.

O ex-ministro da Justiça citou supostas operações realizadas em sua gestão que vinculavam desmatamentos ilegais e extrativismo de minerais com crime organizado. “É um tratamento responsável”, comentou. “Que sejamos capazes como nação de dar uma resposta efetiva que tanto garanta sustentabilidade ao meio ambiente, como o desenvolvimento racional, licito e legítimo”.

BOLSONARO COMEMORA INDICAÇÕES: ‘ELE ESTÁ CONOSCO’

O próprio Jair Bolsonaro já afirmou, em outubro, que o novo ministro deve atuar de forma coordenada com Nunes Marques, outro indicado por ele e que foi favorável à tese, em oposição ao relator do caso, Edson Fachin. “Essas pautas ele (Nunes Marques) está conosco, tanto é que  ele empatou o jogo com o Fachin, 1 a 1, no Marco Temporal”, disse. “O André Mendonça, uma vez aprovado pelo Senado, vai na mesma linha”.

André Mendonça com Jair Bolsonaro. (Foto: Divulgação/Agência Brasil)

O que se discute na ação é se, para o reconhecimento de uma área como território indígena, é necessária a comprovação de que os indígenas ocupavam o local no momento da promulgação da Constituição de 1988.

O argumento de Marques é que, sem o Marco Temporal, a expansão das terras indígenas poderia ocorrer “infinitamente”. O julgamento foi suspenso depois de um pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes.

Após a aprovação do nome do ex-AGU para o cargo, Bolsonaro comemorou, em sua conta no Twitter, que concretizou o “compromisso” de levar ao Supremo  um “terrivelmente evangélico”. “Foi uma longa espera onde 47 senadores, aos quais agradeço, entenderam ser André Mendonça uma pessoa capacitada para a missão”, escreveu.

MENDONÇA SE OMITIU NA DEFESA DOS POVOS ORIGINÁRIOS

Pastor da Igreja Presbiteriana Aliança, de Brasília, o ex-ministro da Justiça foi responsável, assim como seu antecessor na pasta, Sergio Moro, por tocar uma política de omissão em relação aos direitos indígenas e de inoperância em relação à pandemia de Covid-19.

O assunto foi abordado na série Esplanada da Morte, sobre a necropolítica do governo Bolsonaro e a escalada do genocídio. O descaso com os povos originários passa pela falta de compromisso com a proteção dos territórios.

A publicação da Instrução Normativa número 9 da Fundação Nacional do Índio (Funai), em 22 de abril de 2020, agravou a situação. O documento trata da emissão de declaração de reconhecimento de limites de terras indígenas em relação a imóveis privados, considerando apenas áreas já homologadas — e não as pendentes de homologação. Na prática, a medida permite a ocupação e até a venda dessas terras.

Bolsonaro e Tereza Cristina em encontro com membros da FPA. (Foto: Reprodução)

BOLSONARO PROJETA MAIS ALINHADOS AO AGRONEGÓCIO NO SUPREMO

Caso seja reeleito, Bolsonaro pretende indicar ao Supremo mais dois nomes ligados ao agronegócio. Com isso, já seriam quatro até 2023.  A promessa foi feita aos próprios integrantes da Frente Parlamentar da Agropecuária, em café da manhã no Palácio do Planalto, como publicou O Globo, em outubro.

“Além de outros que já votam…Não é que votam com a gente, votam com as pautas que têm que ser votadas do nosso lado”, justificou. “Então, vamos ter tranquilidade por parte do Judiciário. Isso é primordial”.

Conforme o Poder 360, o presidente da frente, Sérgio Souza (MDB-PR), elogiou a mensagem do chefe do Executivo. “As pautas do agro são pautas do Brasil e pauta também do governo federal”, disse. Segundo ele, entre os assuntos discutidos no encontro estavam ainda a regularização fundiária, o licenciamento ambiental e a demarcação de terras indígenas.

Mendonça ocupará a cadeira deixada pelo ministro Marco Aurélio Mello, que foi empossado em 1990 e aposentado compulsoriamente no dia 12 de julho de 2021, ao completar 75 anos. No ano passado, o presidente indicou Nunes Marques para a cadeira de Celso de Mello, que também se aposentou.

| Mariana Franco Ramos é repórter do De Olho nos Ruralistas. |

Foto principal (Alan Santos/PR): Bolsonaro e o “terrivelmente evangélico” André Mendonça

LEIA MAIS:
Esplanada da Morte (XIII) — Ministro da Justiça ignora invasão de terras indígenas na pandemia

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