Ourofino Agrociência será uma das beneficiadas caso o PL do Veneno, relatado pelo deputado Luiz Nishimori (PL-PR) seja aprovado no Senado; interessado direto no projeto, grupo japonês atua em parceria com o parlamentar, como mostra série do De Olho nos Ruralistas
Por Bruno Stankevicius Bassi
Considerada um dos principais conglomerados industriais do mundo, a japonesa Mitsui possui um longo histórico de atuação no Brasil. A empresa está presente no país desde os anos 60, quando teve início o Programa de Cooperação Nipo-Brasileiro para o Desenvolvimento Agrícola dos Cerrados (Prodecer). Ela ampliou sua participação no agronegócio brasileiro com a aquisição, em 2019, de 25% da fabricante de agrotóxicos Ourofino Agrociência, em parceria com a também japonesa ISK.
Com a compra, o grupo japonês tornou-se um dos beneficiários diretos do Projeto de Lei 6.299/02, mais conhecido como PL do Veneno. Isso porque a Ourofino possui 82 pedidos de registro de agrotóxicos na fila de espera do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), entre produtos formulados químicos e produtos técnicos equivalentes.
Caso o relatório do deputado Luiz Nishimori (PL-PR) seja aprovado no Senado, os registros de novos produtos não dependeriam mais da anuência direta da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), além de estipular um prazo máximo de 24 meses para conclusão dos pleitos.
Conforme revelado em reportagem do observatório, Nishimori é bastante próximo dos diretores da Mitsui e, em mais de um momento, exerceu pressão para beneficiá-la: “Nishimori, o “Senhor Veneno”, fez lobby para empresas japonesas que produzem agrotóxicos“. As relações do parlamentar com multinacionais do setor de pesticidas inclui uma dívida de R$ 1,5 milhão com a Syngenta, defensora explícita do PL do Veneno.
Dona de 128 registros ativos no Mapa, a Ourofino possui uma fábrica em Uberaba (MG) com capacidade para produzir 120 milhões de litros de pesticidas por ano. Além da empresa controlada, a Mitsui atua de forma direta na importação de fungicidas, possuindo registro para 21 formulações.
OUROFINO TENTA APROVAR AGROTÓXICOS CANCERÍGENOS NO MINISTÉRIO DA AGRICULTURA
De Olho nos Ruralistas percorreu a lista de produtos da Ourofino Agrociência em fase de análise pelo Mapa e identificou seis formulações contendo, entre os princípios ativos, os herbicidas glifosato e 2,4-D. As duas substâncias são classificadas pelo Instituto Nacional do Câncer (Inca) como “provavelmente carcinogênicos para humanos”.
Entre as composições de 2,4-D da empresa estão quatro formulações — isto é, quando o produto consiste em uma mistura pronta de um ou mais princípios ativos —, sendo três para registro (nas marcas BrutoBR e Round Four) e uma para pós-registro (Quallis). Banido na Austrália e no Canadá, o 2,4-D vem sendo alvo de disputas desde 2019 devido ao prejuízo de mais de R$ 200 milhões causado à produção de vinhos no Rio Grande do Sul em decorrência da deriva aérea. Nesse mesmo ano, o herbicida teve seu uso mantido pela Anvisa, após processo de reavaliação que durou treze anos e foi alvo do lobby do agronegócio e da indústria química.
Além do 2,4-D, a Ourofino possui dois pedidos de pós-registro para formulações de glifosato, nas marcas Templo e MourãoBR. O produto esteve entre aqueles beneficiados pelo Ato Normativo nº 58, de 27 de agosto de 2019, que mudou os critérios de classificação toxicológica de agrotóxicos, levando 24 produtos à base de glifosato da antiga classe I (extremamente tóxicos) para a categoria 4 (pouco tóxicos).
A lista dos 82 produtos à espera de aprovação inclui um produto técnico e duas formulações à base de fipronil. O inseticida, considerado pela Anvisa de baixa toxicidade, age no sistema nervoso central dos insetos considerados pragas de animais e de monoculturas. Em 2017, seu uso deu origem a uma contaminação em cadeia em dezessete países europeus após a empresa holandesa Chickfriend ter desinfectado aves com fipronil comprado da Bélgica. A Ourofino Saúde Animal, braço veterinário do grupo, é dona de pelo menos um registro do pesticida.
BRAÇO VETERINÁRIO DA OUROFINO TEM DANIEL DANTAS COMO SÓCIO
Fundada em 1987 como fabricante de produtos veterinários, a Ourofino Saúde Animal entrou no mercado de agrotóxicos em 2009 com a inauguração de sua fábrica no Triângulo Mineiro e o surgimento de sua unidade Agrociência, a mesma que, dez anos depois, receberia o investimento da Mitsui e da ISK.
Mesmo antes do aporte dos japoneses, a empresa já recebia a atenção de investidores. Em 2005, a empresa recebeu um aporte de R$ 105 milhões do fundo de participações do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, o BNDESPar. Em 2014, veio a primeira oferta pública de ações, que atraiu um investimento de R$ 200 milhões do fundo de private equity General Atlantic. Essa participação foi vendida em agosto de 2020 ao fundo Opportunity HDF, vinculado à Opportunity Asset Administradora de Recursos de Terceiros.
Fundado pelo ex-banqueiro Daniel Dantas, famoso pela prisão em 2008 durante a Operação Satiagraha, sob a acusação de suborno de servidores públicos — da qual foi absolvido em 2012 — o Grupo Opportunity é dono da AgroSB (antes denominada Agropecuária Santa Bárbara Xinguara), empresa recordista em multas ambientais no Brasil. Em reportagem publicada em janeiro de 2020 na revista Carta Capital, De Olho nos Ruralistas identificou pelo menos trinta autuações aplicadas contra o grupo entre 1995 e 2019, nos municípios de Marabá, Cumaru do Norte, Eldorado do Carajás, São Félix do Xingu, Santana do Araguaia e Xinguara, todos no Pará. Ao todo, as multas somavam R$ 323 milhões.
Em março de 2021, outra reportagem do observatório mostrou que a empresa continuava a desmatar no estado, suprimindo 929 hectares de floresta dentro da Área de Proteção Ambiental (APA) Triunfo do Xingu: “Fazendas da AgroSB, de Daniel Dantas, desmataram mil hectares em área de conservação no Pará“.
Com a entrada de capital, ambas as unidades da empresa ganharam projeção no agronegócio brasileiro. Em 2021, a Ourofino Saúde Animal teve um crescimento de 91,5% no lucro ajustado para o segundo trimestre do ano. A Agrociência obteve um crescimento vertiginoso desde a compra pela Mitsui/ISK: em 2021 alcançou R$ 1,5 bilhão em faturamento e espera chegar a R$ 6 bilhões até 2026.
FUNDADORES DA EMPRESA FINANCIARAM CAMPANHA DE LÍDER RURALISTA
A Ourofino foi fundada em 1987 pelos empresários mineiros Norival Bonamichi e Jardel Massari. Embora não estejam mais à frente dos negócios, os dois permanecem no conselho de administração tanto da unidade de Saúde Animal quanto na Agrociência. Nas eleições de 2018, os dois apoiaram diretamente a campanha de um dos principais expoentes da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), o deputado Arnaldo Jardim (Cidadania-SP). Cada um dos empresários doou R$ 25 mil à campanha do político paulista, que atualmente ocupa a coordenação de Infraestrutura e Logística da FPA.
Presidente da Frente Parlamentar pela Valorização do Setor Sucroenergético e fortemente associado ao lobby da cana no Congresso, Jardim integrou a “Força-Tarefa Paraquate”, grupo formado em 2020 por doze fabricantes de pesticidas e pelo Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg) com o propósito de reverter uma decisão da Anvisa que proibia a comercialização do paraquat, agrotóxico associado à doença de Parkinson e mutações genéticas que já teve o uso banido na União Europeia e na China.
O Sindiveg é uma das 48 organizações mantenedoras do Instituto Pensar Agro (IPA), grupo responsável por financiar as atividades da FPA no Congresso. Formada por fabricantes de agrotóxicos, a associação tem entre seus diretores João Sereno Lammel, conselheiro da Ourofino.
Norival Bonamichi e Jardel Massari financiaram ainda a campanha de Samanta Pineda, esposa de Duarte Nogueira, prefeito de Ribeirão Preto (SP) e cacique do PSDB paulista. Ele também recebeu apoio da dupla nas eleições de 2020. Antes da derrota na disputa pela Câmara em 2018, Samanta foi consultora jurídica da FPA e teve participação decisiva no relatório final que aprovou o novo Código Florestal, em 2012, inserindo mudanças que beneficiaram o setor agropecuário.
| Bruno Stankevicius Bassi é coordenador de projetos do De Olho nos Ruralistas. |
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