Acampamento do MST é alvo de tiros no Agreste de Pernambuco

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Ataque ao acampamento Jabuticaba, em São Joaquim do Monte (PE), ocorreu no dia anterior ao fim do prazo para a suspensão de despejos, mantida pelo STF; área chegou a ser considerada “de interesse público”, mas decisão foi revertida por fazendeiros

Por Katarina Moraes

Famílias do acampamento Jabuticaba denunciam ação de pistoleiros. (Foto: Reprodução)

Mais uma vez, o acampamento Jabuticaba, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), foi alvo de retaliações no município de São Joaquim do Monte, no Agreste de Pernambuco. Segundo moradores, na madrugada de quarta-feira (29/7), quatro homens armados entraram na área e atiraram contra a ocupação. Desde 1999, a área é mantida pelos sem-terra dentro da Fazenda Jaboticaba, de propriedade da família Azevedo Guedes.

A reportagem teve acesso ao boletim de ocorrência registrado por uma das vítimas. De acordo com o relato, o autor dos disparos esteve mais cedo no distrito de Vila Monte Alegre, onde fica o acampamento, e afirmou que iria “meter bala nos sem-terra” a mando da família que disputa a área. Por volta das 3h, foram efetuados disparos de arma de fogo em direção às casas. Ninguém foi atingido. O caso foi registrado na Delegacia de São Joaquim do Monte como “ameaça”.

A coordenadora da Regional Brejo do MST-PE, Josefa Maria Silva de Araújo, conta que esse conflito se desenrola há 22 anos. “Sempre ameaçam os trabalhadores”, relembra. “Já houve despejos violentos, onde queimaram barracos e arrancaram lavouras. Já vieram batalhões de choque e cavalaria para destruir tudo”. Ela também denuncia a vulnerabilidade social em que as famílias se encontram. “Estão lá no escuro e sem água potável. Usam candeeiros e fogueiras à noite”, diz Josefa.

Diretor nacional do MST em Pernambuco, Fernando Lourenço afirma que, com a demora do Supremo Tribunal Federal (STF) em renovar o prazo do Programa Despejo Zero — anunciado ontem (30/6), no último dia do prazo — as ameaças aumentaram. “Essas provocações sempre vêm quando está perto de finalizar o prazo para que as famílias saiam das suas casas. Antes eram 150 famílias, agora são 40, justamente porque muitas já saíram do local”, afirmou.

Em março deste ano, as cerca de 40 famílias que ocupam a fazenda foram até a Secretaria de Educação e Cultura do município protestar pela retomada do transporte escolar, que havia sido interrompido na região. No dia, representantes afirmaram ao Brasil de Fato que já sofriam ameaças de despejo pelos herdeiros do território, considerado improdutivo.

EM 2008, CONFRONTO COM SEGURANÇAS DEIXOU QUATRO MORTOS

Morto por Covid-19, fazendeiro era apoiador de Jair Bolsonaro. (Foto: Reprodução/Facebook)

O conflito no acampamento Jabuticaba ganhou repercussão nacional em 2009, quando quatro seguranças da fazenda foram mortos. A direção estadual do MST contou, naquele ano, que as vítimas eram pistoleiros que tentavam invadir o acampamento para assassinar um dos moradores, tendo sido baleados durante o confronto.

Em entrevista ao Jornal do Commercio, o fazendeiro Stemilton Guedes acusou os sem-terra de terem executado os seguranças e disse que o movimento já havia ocupado as terras pelo menos nove vezes até então. No texto, Guedes afirmou ainda ter conversado pessoalmente com o governador Eduardo Campos (1965-2014), que encaminhou o relato ao então secretário de Articulação Social Waldemar Borges, que “mostrou-se impressionado com os fatos e prometeu providências”. Em nenhum momento ele nega envolvimento com os supostos pistoleiros.

Apoiador contumaz de Jair Bolsonaro, Stemilton faleceu em 2020 por complicações da Covid-19. Oficialmente, a fazenda está registrada em nome do espólio de Felismino Guedes, o patriarca da família, estando sob responsabilidade legal de Maria do Socorro de Azevedo Guedes.

A família é influente no Agreste do Estado, sendo composta por políticos, juízes e membros da Igreja Católica. Um desses membros foi José Airton de Azevedo Guedes que, em 2008, aos 102 anos, foi considerado o padre mais velho em exercício no mundo.

TERRAS FORAM DECLARADAS “DE INTERESSE PÚBLICO”

Moradores exigem retorno do transporte escolar ao acampamento. (Foto: MST-PE)

Após as mortes, o Instituto de Terras e Reforma Agrária do Estado de Pernambuco (Iterpe) empreendeu diversas tratativas para a resolução pacífica do conflito entre a família Azevedo Guedes e o MST. Através do Programa Nacional de Crédito Fundiário (PNCF), o órgão tentou, sem sucesso, a desapropriação do imóvel junto ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

Em 5 de março de 2018, o governo de Pernambuco emitiu o decreto nº 45.717, declarando a área de 240 hectares de interesse público e destinando-a para implantação e manutenção de colônia agrícola.  Na época, foi oferecida aos Azevedo Guedes uma indenização de R$ 1,7 milhão. A Fazenda Estadual chegou a autorizar o pagamento da indenização em 2020, mas os proprietários ingressaram com uma ação anulatória contra a desapropriação. Em novembro de 2021, o juiz Valdelício Francisco da Silva deu decisão favorável aos proprietários, anulando os efeitos do decreto estadual.

O Iterpe, então, enviou as informações necessárias para a interposição de recurso contra a decisão judicial. A Procuradoria Geral do Estado (PGE) entrou com recurso, que foi recebido em 27 de maio de 2022 no Gabinete do Desembargador Humberto Costa Vasconcelos Júnior (1ªTPCRC), em Caruaru. Enquanto aguardam uma decisão definitiva, os sem-terra continuam vivendo sob medo de novos ataques.

| Katarina Moraes é jornalista. |

Foto principal (MST-PE): Moradores do acampamento Jabuticaba, em São Joaquim do Monte (PE).

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