Proibido na Europa por causar câncer e má-formação fetal, o fungicida foi suspenso de forma preventiva pela agência em junho; CNA e Aprosoja tentam manter o uso e comercialização do produto até decisão final de reavaliação, marcada para 8 de agosto
Por Katarina Moraes
Após uma semana de intensa negociação, a votação do PL do Veneno pela Comissão de Agricultura e Reforma Agrária do Senado foi adiada para o segundo semestre. A análise do projeto havia sido marcada para esta semana após uma manobra regimental do relator Acir Gurgacz (PDT-RO), que leu seu parecer favorável à aprovação fora da pauta oficial e em uma sessão esvaziada.
Mas enquanto o projeto de lei não retorna à pauta, o agronegócio foca suas atenções na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O motivo? A derrubada da suspensão do fungicida carbendazim, um dos agrotóxicos mais populares e nocivos entre os utilizados no país, anunciada pelo órgão em 22 de junho. Desde essa data, o produto teve sua importação, produção, distribuição e comercialização proibidas cautelarmente, até que a Anvisa emita um veredito sobre seu uso — o que deve ocorrer até 8 de agosto.
A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) já se posicionou contrária à suspensão do carbendazim. À Jovem Pan, o coordenador de produção agrícola da organização, Maciel Silva, afirmou que o ato foi “traumático para o setor”. “Isso acomete em necessidade de alteração de prática de manejo e em alguns casos até na ausência de substituição [de um componente] à altura. É muito crítico para o sistema produtivo como um todo”, defendeu ele.
O presidente da Câmara Setorial da Soja, Glauber Silveira, informou que mais de 30 organizações ligadas ao agronegócio pressionam para reverter a decisão da Anvisa. Ao Canal Rural, ele disse que a suspensão mostra que o produtor brasileiro só tem levado “chumbo”. “O que as entidades pedem é que [o carbendazim] possa ser utilizado enquanto está sendo reavaliado”, disse. “Muitas vezes, na reavaliação acaba sendo liberado para seguir no mercado”.
Silveira também é diretor da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja) que, assim como a CNA, é uma das financiadoras do Instituto Pensar Agro (IPA), entidade que custeia as atividades da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) no Congresso e uma das principais articuladoras no lobby pela aprovação do PL do Veneno.
O método é similar ao usado pela bancada ruralista em 2020, quando a Anvisa proibiu a comercialização do pesticida paraquat: “Veja como estes líderes ruralistas pressionaram por liberação de agrotóxico banido“.
CARBENDAZIM É RELACIONADO A CÂNCER E MÁ-FORMAÇÃO FETAL
O carbendazim já é proibido em países da União Europeia, na Austrália e nos Estados Unidos pelos efeitos que causa à saúde pública. No Brasil, ele sequer tem prazo de validade. Em entrevista ao podcast Rádio Unicamp, o coordenador do Centro de Informação e Assistência Toxicológica (CiaTOX), José Luiz da Costa, explicou que isso se deve à suspeita de que ele seja carcinogênico e que cause embrofetotoxicidade, isto é, de causar deformação e morte fetal durante a gestação.
O relatório elaborado pela Anvisa indicou que o produto “possui aspectos toxicológicos proibitivos de registro, não sendo possível estabelecer um limiar de dose segura para a exposição”. Entre as preocupações, está o potencial do agrotóxico de provocar câncer, prejudicar a capacidade reprodutiva humana e afetar o desenvolvimento.
O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) defende a proibição do uso do agrotóxico no país, alegando que isto trará maior proteção aos consumidores. Em 2021, pesquisa feita pelo órgão identificou a presença do ingrediente ativo em alimentos comuns entre crianças e adolescentes.
DIRETORA APONTA INTERFERÊNCIA POLÍTICA EM REAVALIAÇÃO
O carbendazim está entre as vinte substâncias mais utilizadas do país. Ao todo, 24 empresas são detentoras de registros de 38 produtos formulados e 29 produtos técnicos à base da substância com registro ativo no Brasil.
Dentre as principais fabricantes e comercializadoras do produto estão a estadunidense FMC, uma das patrocinadoras do Congresso Brasileiro do Agronegócio; a CCAB Agro, pertencente ao grupo francês InVivo e uma das financiadoras da plataforma AgroSaber, responsável por pilotar a campanha em prol da aprovação do PL do Veneno; e a Ouro Fino, do grupo japonês Mitsui, que possui um longo histórico de lobby junto ao deputado Luiz Nishimori (PL-PR), relator do projeto na Câmara.
O processo de análise de segurança do carbendazim foi iniciado em dezembro de 2019, mas só em fevereiro de 2022 a discussão entrou de fato na pauta da Anvisa. A relatora e diretora Cristiane Jourdan criticou, em maio, a condução desse e de outros temas, apontando interferência política nas decisões da agência.
“Fico assustada como as coisas acontecem lá dentro”, contou ela, em entrevista ao Estadão. “Existe uma influência enorme das indústrias, uma influência enorme do Congresso”, completou.
O mal-estar começou quando Jourdan defendeu o banimento do carbendazim, enquanto o restante dos diretores defendia que instituições como o Ministério da Agricultura, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama) e a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) deveriam ser ouvidas. “Ouvir outras entidades apenas posterga uma decisão relevante para a saúde pública”, afirmou ela.
Após isso, reuniões foram sendo sucessivamente adiadas ou canceladas, até a 6ª Vara Federal de Brasília determinar, em junho, que a Anvisa desse uma resposta sobre a análise do carbendazim em até 60 dias. Então, no dia 21 de junho, a Agência decidiu pela suspensão temporária e abriu uma consulta pública sobre o uso do ingrediente em agrotóxicos, concluída em 11 de de julho.
“PL DO VENENO” EM PAUTA
A Anvisa sofre a ameaça de ter essa e outras decisões descredibilizadas pelo Projeto de Lei nº 6.299/2002, mais conhecido como “PL do Veneno”. Presidida pelo senador Acir Gurgacz (PDT/RO), a Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA), controlada por ruralistas, incluiu o projeto na pauta do Senado antes do recesso parlamentar, que tem início em 18 de julho. Na quinta-feira (13/07), foi anunciado que ele seria votado só no segundo semestre. A Câmara o aprovou em fevereiro.
O projeto tem o objetivo de retirar o poder da Anvisa e do Ibama sob o registro de agrotóxicos, centralizando a fiscalização e análise dos produtos no Ministério da Agricultura. Ele ainda flexibiliza regras sobre a comercialização de pesticidas, fixa um prazo para a análise dos produtos e concede registro temporário caso este não seja respeitado.
| Katarina Moraes é jornalista. |