Após pedido de empresários, Justiça censura reportagem da Amazônia Real

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Agência noticiou nomes dos donos do iate onde, no auge da pandemia de Covid-19, ocorreu o evento “Amazon Immersion”; De Olho nos Ruralistas contou que um deles, Waldery Areosa, é acusado de desmatamento e exploração sexual de adolescentes

Por Mariana Franco Ramos

A Amazônia Real está, desde a última terça-feira (19), sob censura. A Justiça do Amazonas obrigou a agência a retirar do ar a reportagem “Iate do Amazon Immersion estava sem autorização”. Tudo porque, ao contrário do Fantástico, dominical da Globo que primeiro noticiou a festa clandestina no Rio Negro, o repórter Leanderson Lima deu nome aos bois. Ou melhor: apontou quem eram os donos da embarcação.

O evento aconteceu em abril do ano passado, no auge da pandemia de Covid-19. Enquanto o país batia recordes de mortes, um grupo de 52 turistas brasileiros e estrangeiros desrespeitava as restrições sanitárias e, sem usar máscaras, colocava em risco comunidades indígenas da região. De Olho nos Ruralistas também falou sobre o caso: Iate da festa clandestina no AM pertence a acusado de desmatamento e exploração sexual de adolescentes. Na época, estava em vigor o Decreto 43.650, do governo estadual, que proibia aglomerações de todos os tipos.

Waldery Areosa em frente do Hotel Amazon Jungle Palace (Foto: Divulgação)

A 10ª Vara Cível e de Acidentes de Trabalho da Comarca de Manaus acatou pedido dos empresários Waldery Areosa Ferreira, Daniel Henrique Louzada Areosa e da empresa WL Sistema Amazonense de Turismo. Eles alegaram que não foram os organizadores da festa, que não foram consultados antes da divulgação das informações e que a matéria continha “conteúdo difamatório e calunioso”. No texto não havia, porém, qualquer menção de que a família Areosa seria a promotora do evento.

Segundo a Amazônia Real, embora apenas trechos da apuração tenham sido contestados, a juíza Mônica Cristina Raposo da Câmara Chaves do Carmo determinou a remoção de todo o conteúdo jornalístico. A decisão é em caráter liminar e não julga o mérito da ação, cuja defesa pede uma indenização no valor de R$ 8 mil.

A agência havia apresentado um recurso junto ao Tribunal de Justiça do Estado contra a decisão, por entender que ela viola o exercício da liberdade de imprensa, censurando uma reportagem lícita, apurada e de interesse público. No entanto, a desembargadora relatora do recurso, Onilza Abreu Gerth, da 2ª Câmara Cível, indeferiu o pedido.

‘CENÁRIO É MUITO RUIM PARA EXERCER A LIBERDADE DE IMPRENSA’, DIZ FUNDADORA

“Ao obrigar a exclusão da matéria, sem direito ao contraditório, a Justiça está censurando a liberdade de imprensa e do exercício do Jornalismo”, afirma Elaíze Farias, cofundadora e editora de conteúdo da Amazônia Real. De acordo com ela, o episódio é emblemático de nossos tempos:

— Vivemos um cenário muito ruim para exercer a liberdade de imprensa e fazer o bom Jornalismo. Vivenciamos esse contexto cada vez mais grave no país, que tem impactado de forma assustadora a mídia independente. É um contexto global, atinge toda a imprensa, mas sobretudo a mídia independente.

Na avaliação de Elaíze Farias, as tentativas de silenciamento têm como propósito afetar o trabalho do veículo. “Fazer Jornalismo independente tem sido uma tarefa altamente perigosa, porque nosso conteúdo não é submetido a interesses econômicos ou políticos, não fazemos publicidade de A ou B”, destaca. “Precisamos responder rapidamente a essas tentativas de pressão”.

Ela lembra que, além do assédio judicial, profissionais que fazem Jornalismo independente enfrentam ameaças físicas e intimidações, tanto no trabalho de campo como nas redes sociais. “No caso da Amazônia Real, estamos em um contexto regional no qual o Jornalismo independente é um incômodo para muitos interesses das estruturas do poder e de quem é apoiado por essas mesmas estruturas”.

Iate Ana Beatriz passou dias pelo rio Negro com turismo e festas ilegais. (Reprodução)

REPÓRTER INVESTIGOU REGISTROS DE EMBARCAÇÕES

Turistas expuseram mais de 300 indígenas a contaminação por Covid. (Reprodução)

Leanderson Lima investigou a propriedade dos três iates de luxo contratados pelo “Amazon Immersion”. Na apuração, ele levantou que um dos iates, o Anna Beatriz, estava irregular, de acordo com o 9º Comando Naval da Marinha do Brasil. A embarcação é de propriedade da WL, de Waldery Areosa Ferreira e de seus filhos. Saiba mais aqui.

Segundo a defesa da Amazônia Real, a reportagem entrou em contato com a Capitania Fluvial da Amazônia Ocidental (CFAOC), órgão da Marinha do Brasil, em abril de 2021, para obter informações sobre a situação das embarcações utilizadas na expedição. A CFAOC respondeu, em nota, que não encontrou registro do Anna Beatriz e que um inquérito foi instaurado para apurar informações sobre as embarcações.

Procurada, a Assessoria de Comunicação Social do Comando do 9º Distrito Naval respondeu, nl dia 03 de maio, que o inquérito citado continuava em andamento. “Portanto, a embarcação estava de fato irregular para navegação e não há o que se falar em falta de checagem de conteúdo veiculado nas publicações”, diz trecho do recurso apresentado pelas advogadas da agência.

WALDERY DESTRUIU CASAS DE RIBEIRINHOS EM IRANDUBA

Este observatório mostrou que o desrespeito à legislação não é um caso isolado na trajetória do clã Areosa. Em 2014, Waldery e o filho Waldery Junior, sócio do pai na WL, foram citados em um esquema de exploração sexual de adolescentes em Manaus. O repórter Leonardo Fuhrmann destaca que eles estão entre os empresários e políticos citados como clientes da rede, acusada de aliciar as meninas nos bairros pobres da capital amazonense. O caso foi alvo da Operação Estocolmo e foi investigado por uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) criada na Assembleia Legislativa. Um prefeito, um deputado estadual e um cônsul honorário estavam entre os citados.

Em dezembro de 2020, durante a pandemia, os empresários, donos também do Hotel Amazon Jungle Palace, foram acusados de destruir as casas de ribeirinhos e fazer ameaças contra eles em Iranduba, município próximo de Manaus. O Amazonas Atual noticiou que Daniel Areosa, outro dos sócios, teria ido ao local com capangas armados. Conforme a reportagem, os posseiros compraram a área em 2017, de um suposto proprietário.

Antes e depois de casa destruída no Ramal Nova Esperança (Foto: Divulgação)

Os empresários alegam que demarcaram um terreno cedido pelo governo estadual. A disputa envolve uma saída do rio para o hotel, que tenta impedir a presença de povos tradicionais no local. Por conta desse ataque, ele responde na Justiça a dois processos por esbulho, turbação e ameaça, além da reintegração de posse.

Na Justiça Federal, Waldery respondeu a uma ação sob a acusação de invadir terreno da União, instalação ilegal em cursos d’água e aterro ilegal em área de proteção ambiental. O processo é sobre a construção do condomínio Sunset Residencial, na Ponta Negra, área nobre de Manaus, às margens do Rio Negro.

A festa clandestina foi divulgada, ainda, pela imprensa italiana. Um dos organizadores é Paride Moronese, conhecido por organizar festas em diversos países do mundo. O iate alvo da operação seria apenas um dos que participavam do evento. Paride é descendente de uma família de fabricantes de móveis de luxo de Pádua, na região do Veneto, norte da Itália.

| Mariana Franco Ramos é jornalista. |

Imagem principal (Reprodução): reportagem da agência de jornalismo investigativo foi retirada do ar

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