Nova temporada do De Olho na Resistência divulga candidatos camponeses, indígenas e dos quilombos; primeira reportagem especial destaca algumas das propostas quilombolas para o país e organiza, em mapa interativo, onde ocorrem as candidaturas
Por Luma Prado e Nanci Pittelkow
Ainda que a população brasileira seja composta por 56% de pretos e pardos, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no Congresso apenas 17,8% dos parlamentares são negros. E não há nenhum quilombola ocupando as esferas de maior poder institucional no país.
Para transformar essa realidade, a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) e a Coalizão Negra por Direitos se articularam para lançar candidaturas e eleger bancadas negras comprometidas com as lutas sociais por meio da plataforma Quilombo nos Parlamentos. Os resultados da iniciativa, que visa fomentar a construção dessas chapas, puderam ser atestados com o início oficial da campanha eleitoral, nesta semana.
De Olho nos Ruralistas identificou ao menos dezessete candidaturas, oito delas com mulheres concorrendo individualmente e nove chapas coletivas que incluem homens e mulheres de ao menos treze estados. Entre as mulheres há uma trans. As candidaturas defendem os direitos constitucionais quilombolas, como a titulação dos territórios tradicionais e a ampliação da infraestrutura escolar. De acordo com a Fundação Palmares, o país soma 6 mil quilombos, sendo que 1.700 estão em processo de titulação e apenas 154 possuem reconhecimento formal de suas terras.
As candidaturas foram organizadas em um mapa interativo, onde o leitor pode identificar os candidatos por unidade federativa, além de acessar suas plataformas políticas e propostas de campanha. O mesmo será feito para indígenas e camponeses, além das candidaturas que defendam a agroecologia e a restrição ao uso de agrotóxicos. Confira abaixo o mapa de candidaturas quilombolas:
Mapa mostra candidaturas quilombolas em 13 estados. (Elaborado por Eduardo Luiz Damiani Goyos Carlini)
NOVA TEMPORADA DE VÍDEOS FOCA EM CANDIDATURAS DOS POVOS DO CAMPO
A divulgação das candidaturas dos povos do campo integra a campanha institucional do observatório por um Congresso socioambiental, lançada em junho. Nos últimos meses foram divulgadas peças nas redes sociais, vinhetas e vídeos reforçando a necessidade de eleição de uma bancada alternativa, contra-hegemônica, que faça frente à bancada ruralista e ao Centrão.
Esses são os oligarcas de sempre, os atores interessados em perpetuar o Brasil como pasto do mundo, um palco de commodities historicamente associado à destruição histórica de seus biomas e à violência no campo — essa que expulsa camponeses, extingue etnias e ignora os quilombolas —, como mostramos no relatório “Os Financiadores da Boiada: como as multinacionais do agronegócio sustentam a bancada ruralista e patrocinam o desmonte socioambiental“.
A equipe de vídeo, coordenada pela documentarista Laura Faerman, vem acompanhando os repórteres em algumas viagens pelo país, visando também a ampliação do núcleo audiovisual do projeto. Como resultado, lançamos na sexta-feira (19) a terceira temporada do programa De Olho na Resistência, apresentado pela historiadora Luma Prado, que foi ao 1º Encontro Nacional Aquilombar, em Brasília, para saber o que pensam e defendem os candidatos e candidatas quilombolas.
Confira abaixo o primeiro episódio, disponível no YouTube:
MULHERES QUILOMBOLAS DEFENDEM EDUCAÇÃO E TERRITÓRIO
As candidatas e os candidatos lutam para que as populações tradicionais sejam de fato incluídas no orçamento público e para que as conquistas legais sejam colocadas em prática. “Nós fomos ensinados que a política não é lugar para nós e que nosso papel é o de votar”, diz Evandro Moura, co-candidato a deputado federal pelo PT-TO. “Mas nós temos o direito de concorrer e a partir disso colocamos nosso nome à disposição do povo”.
Oito mulheres concorrem sozinhas às eleições e as nove candidaturas coletivas têm a presença delas. Bárbara Bombom, mulher trans quilombola, disputa o parlamento goiano pelo PSOL. E a única mulher que concorre ao Senado no Maranhão é quilombola, Antonia Cariongo, também pelo PSOL.
São candidaturas nas florestas, no Cerrado, no Semiárido e nas cidades, representando comunidades tradicionais que estão em diversas frentes de resistência. “Eu não sou candidata pelo estado do Piauí para ser mais uma”, diz Maria Rosalina dos Santos, quilombola e candidata a deputada estadual pelo PT. “Eu sou candidata para ser eleita e entrar naquela Assembleia para ser a defensora do sentimento de pertencimento de todas as minorias, inclusive das comunidades quilombolas”.
‘PROGRAMA DE PROTEÇÃO NOS DEIXA MAIS INSEGUROS AINDA’
Uma nova geração de acadêmicos quilombolas também pretende ocupar o poder institucional. É o caso de Celenita Gualberto, professora e co-candidata a deputada estadual pelo PT-TO. “A pauta inicial é território”, conta Celenita. “O território é o lugar em que a gente vive, cria, fortalece cultura, pessoas, vida, protege rios, plantações, cultiva práticas e vivências”.
A defesa territorial está no centro do debate para Célia Cristina da Silva Pinto, com candidatura coletiva para deputada estadual pelo PSB-MA: “De que direitos humanos estamos falando? Somos amparadas por um programa de proteção que não protege, que ao invés de garantir segurança nos deixa mais inseguros ainda”. Ela conta que famílias inteiras são ameaçadas por grileiros e pistoleiros nos quilombos maranhenses.
A equipe do De Olho nos Ruralistas colheu os depoimentos das candidatas e candidatos no 1º Encontro Nacional Aquilombar, que reuniu no dia 10 mais de 3 mil mulheres e homens quilombolas de todo o país no Distrito Federal: “Essa casa também é nossa”, protestam 3 mil quilombolas em Brasília“.
| Luma Prado é historiadora, roteirista e apresentadora do De Olho na História. |
|| Nanci Pittelkow é jornalista. ||
Foto principal (Divulgação): encontro em Brasília discutiu necessidade de aquilombar o poder político
LEIA MAIS:
Face “bananeira” de Bolsonaro abre série de dossiês sobre governo
Quilombolas são as principais vítimas de humilhação no campo, aponta CPT
Da memória à luta coletiva: conheça iniciativas de comunicadores populares do campo