“Essa casa também é nossa”, protestam 3 mil quilombolas em Brasília

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Evento em defesa da vida e dos territórios, “Aquilombar” incluiu plenárias, atividades culturais e uma audiência pública no Senado; movimentos querem formar, no Congresso, uma bancada que de fato represente essas populações tradicionais

Por Mariana Franco Ramos

“Aquilombar” nas ruas de Brasília. (Foto: Mariana Franco Ramos)

“Eu não vou parar de lutar pelos territórios dos meus ancestrais”. O trecho da música, criada especialmente para o primeiro “Aquilombar”, resume o objetivo dos mais de 3 mil homens e mulheres quilombolas de todo o país que deixaram suas comunidades para se reunir, nesta quarta-feira (10), na capital federal. “Derrubem o veto, derrubem o teto, derrubem as cercas dos nossos quintais”, cantavam.

O encontro contou com a participação de representantes de vinte estados brasileiros. Muitos viajaram três dias, de ônibus, para participar, em 24 horas, de atividades culturais, de plenárias, de uma passeata até a Esplanada dos Ministérios e de uma audiência pública na Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado.

O objetivo: que essas populações tradicionais sejam de fato representadas e incluídas no orçamento público. “A luta nunca foi confortável”, como eles próprios diziam, do alto de um caminhão de som. O ato começou pela manhã, na Fundação Nacional de Artes (Funarte). À tarde, os participantes seguiram em marcha até o Congresso, num trajeto de aproximadamente quatro quilômetros.

Conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), existem atualmente 5.972 grupos quilombolas no Brasil. Mas, de acordo com a Fundação Palmares, apenas 154 possuem o título de suas terras e 1.700 estão em processo de titulação.

‘BOLSONARO NOS NEGOU PRIORIDADE NA VACINAÇÃO’, LEMBRA LÍDER QUILOMBOLA

“Estamos sofrendo as piores violações dentro das comunidades”, resume Kátia Penha, da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), uma das integrantes da mesa da CDH. A audiência foi proposta pelo senador Paulo Paim (PT-RS), que participou de forma virtual e se comprometeu a encaminhar todas as reivindicações aos colegas da Casa.

Segundo Kátia, o governo Jair Bolsonaro (PL-RJ) trabalha com a negação da vida. “O presidente nos negou a colocar como prioridade na vacinação e perdemos muitos companheiros pela falta de acesso à saúde, mas resistimos, também por aqueles que se foram”, opina.

Relatório detalha lobby de Bolsonaro para bananicultores. (Imagem: De Olho nos Ruralistas)

“De que direitos humanos estamos falando?”, questiona Célia Cristina da Silva Pinto, também coordenadora estadual da Conaq. “Para quem são esses direitos? São direitos humanos ou desumanos?” Ela relatou que famílias inteiras são ameaçadas por grileiros e pistoleiros. “Somos amparadas por um programa de proteção que não protege, que ao invés de garantir segurança nos deixa mais inseguros ainda”.

Para Ronaldo dos Santos, líder da comunidade Campinho da Independência, no Rio de Janeiro, atravessamos um dos piores momentos da história recente e da República. “Essa casa, chamada Congresso Nacional, traduz a piora, com bancadas inteiras se colocando como inimigas do povo”, afirma. “Apesar disso, não podemos abrir mão de ocupar esse espaço, porque essa casa é nossa, foi construída por nós e é mantida por nós”.

Santos lembrou das ofensas racistas que Bolsonaro proferiu em 2017 contra quilombolas do Vale do Ribeira, região onde ele cresceu, em São Paulo. Na ocasião, o então candidato mediu-os em arrobas, como se fossem gado, e disse que eles só serviam para procriar. “Não foi um discurso perdido no tempo, e sim uma lógica”, opinou o líder de Campinho.

— Quando a presidente Dilma disse que o golpe não era contra ela, era contra o povo brasileiro, estava certa. O que vivemos hoje é um estado de golpe, contra o povo preto e contra o povo pobre, da periferia. O extermínio da juventude negra só cresce. E a gente vê as bancadas do boi e da bíblia se unindo e se fortalecendo. A gente precisa reverter esse estado de golpe. Não que antes não houvesse racismo institucional, mas desde que Bolsonaro ganhou, o racismo é sustentado nesses valores, ou falta de valores. É importante recuperar a nossa democracia, porque nela a gente restabelece o diálogo. 

Os conflitos de interesses envolvendo Jair Bolsonaro, a bananicultura e o Vale do Ribeira são tema do dossiê “O Presidente das Bananas”, primeiro de uma série de relatórios do De Olho nos Ruralistas que mostrarão a implosão da política agrária sob a atual gestão.

“Participantes do “Aquilombar” lotaram a Funarte. (Foto: Mariana Franco Ramos/De Olho nos Ruralistas)

REPORTAGEM IDENTIFICOU DEZOITO CANDIDATURAS PELO PAÍS

Durante o “Aquilombar”, líderes comunitários reforçaram a importância de ocupar os espaços de poder. A reportagem do De Olho nos Ruralistas identificou, até o momento, dezoito nomes que devem disputar uma vaga na Câmara, no Senado ou nas Assembleias estaduais e distrital.

São casos como o de Célia Cristina (PSB-MA), que concorre a co-deputada estadual no Maranhão pelo Coletivo Vamos Pretos e Pretas, e de Celenita Gualberto (PT-TO), que almeja o mesmo cargo, mas no Tocantins, com o Coletivo Lutas.

Quilombolas apresentam candidaturas. (Foto: Mariana Franco Ramos)

“Nós viemos para lutar e sabemos da nossa missão e do nosso compromisso em terras brasileiras”, comenta Celenita, professora em Dianópolis, na região conhecida como Bico do Papagaio, no norte do estado. “Somos convocados pela nossa ancestralidade”.

Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais e candidata à reeleição, Andréia de Jesus (PT-MG) também esteve no ato e na audiência. “Vamos trabalhar para que o povo negro esteja aqui, com suas vestes, sua tradição e sua oralidade, fazendo leis e protegendo nosso território”, destacou. “Chega de branco cheio de boas intenções”.

As candidaturas quilombolas serão tema de um especial do De Olho na Resistência na semana que vem, no canal do observatório no YouTube. A apresentadora Luma Prado e a editora de imagens Vanessa Nicolav estiveram em Brasília acompanhando todo o ato e gravando entrevistas. Inscreva-se, ative o sininho e receba as notificações.

| Mariana Franco Ramos é jornalista. |

Foto principal (Mariana Franco Ramos/De Olho nos Ruralistas): mais de 3 mil quilombolas de todo o país percorreram as ruas de Brasília

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